quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

VerbArte - Mas o que tem o Menino Jesus a ver com isto?




Manuela Degerine

Somos uma sociedade que, embora em crise, não deixa de consumir; e que, através do consumo, aprisiona. Viver tornou-se, para tanta gente, um círculo vicioso: trabalhar para comprar para deitar no lixo para voltar a comprar... até à morte. Exaltante? Dito assim, não parece. E, no entanto... A sociedade do espectáculo esvazia as cabeças para depois – ou ao mesmo tempo – lá lançar a publicidade. Um responsável de televisão francesa, Patrick Le Lay, explicava isto em 2004: o objectivo é criar no espectador uma disponibilidade cerebral susceptível de ser vendida à Coca-cola.

Devo dizer que represento um caso bicudo para os publicitários. Não me recordo da última vez que fiz uma compra impulsiva. No lixo só ponho lixo; respeito os três R: reduzir, reciclar e reutilizar. Escolho os alimentos em função do gosto, da qualidade, da quantidade, da proveniência (portuguesa, francesa, europeia...) e do preço; posso trazer a marca mas nunca pela marca, procuro certo tipo de farinha, tal qualidade de ovos, cacau com determinados aromas... E leio todas as etiquetas. Quanto à roupa, também sou capaz de optar por marcas, embora quase sempre me afaste delas, por me parecerem um uniforme fácil e vulgar; gosto de me sentir distinta na aparência. Comprar é para mim uma tarefa, como pôr roupa a lavar na máquina – não é uma forma de expressão. E, para concluir, o tempo parece-me demasiado curto e precioso e aprazível para o vender – isto é: trabalhar – mais do que o indispensável; por conseguinte, para preservar esta liberdade, aos precedentes acrescento outro ingrediente do bem comprar: penso mais duas vezes. (Não é hoje que as televisões poderão vender o espaço vazio do meu cérebro.)

Já adivinharam... Vem tudo isto a propósito do Natal. Na infância da minha mãe havia filhós, um presépio e o Menino Jesus; porém a minha geração já se confrontou com um Natal importado. Lembro-me de olhar para o pinheiro com desencanto: não o achava nada parecido com os dos livros. A neve, as renas, os abetos e o Pai Natal começavam a descer à península ibérica, acabaram por se tornar tão familiares que as crianças já não notam o sotaque – agora é asiático – e, associados ao particularismo lusitano do décimo terceiro mês, projectaram o último trimestre do ano para os píncaros do absurdo: os lisboetas entram no stress de Natal desde o mês de Setembro.

Não é o meu caso. Não ofereço nem recebo prendas de Natal. (Gosto de oferecer, gosto de receber mas não em datas fixas; a surpresa e a motivação fazem parte da prenda.) Não me sinto obrigada a encorajar a economia chinesa – que é de onde vêm os contentores. Nem a aumentar o lixo de Natal – que é onde tudo se conclui.

Sim, dirão muitos leitores, mas a festa?... O Natal é a festa da família. Pensemos então a festa de uma maneira mais criativa – há tantas – do que o simples acto de comprar. Uma festa que passe por viver, sentir, fazer, descobrir – e não apenas por ter. Somos demasiado refinados para nos contentarmos com um monte de prendas embrulhadas. Somos exigentes, queremos melhor. E... livres do pesadelo das compras de Natal, sobra-nos tempo para uma festa verdadeira. Ou para uma aventura comum. É mais simples do que parece, todos podemos experimentar e não corremos grande risco; expostas as razões, feitas as propostas, encontramos, na maior parte dos casos, entre os familiares, uma adesão espontânea. (Simples bom senso.) Transformamos as horas que vivemos numa prenda: perene.

3 comentários:

  1. Plenamente de acordo contigo Manuela. Esta é a filosofia que estamos a adoptar na família. Parar um pouco para pensar, não deixar que nos levem, que não façam de nós burros, que não nos comprem a mente,e prendas...quando sentirmos que as devemos dar. Transformar esta merda do natal num perfume bem mais criativo, mais natural e, sobretudo desgelatinizar esta palhaçada de sininhos e sinetas, luzinhas e tretas. Abaixo o natal, mantenha-se a ceia familiar, a adesão espontânea e o bom-senso.

    ResponderEliminar
  2. Bem bonito, Manuela. Há muito que faço tudo para não receber nada, dou prendas à criançada e depois gosto de ter a casa cheia .E gosto do Presépio e da árvore, faço todos os anos.Porquê? Foi das poucas coisas bonitas que a infância me deu, e não vejo razão para deixar, pois se para mim é especial. Comprar? Não gosto, nunca gostei, andei anos a ir ao alfaite e pedir, "olhe quero um fato igual e este", os sapatos são todos iguais e por aí fora.Eu não transformei o natal no "shopping" doido dos nossos dias nunca ninguem me viu às compras. Por isso, digo, não atirem as culpas para cima da festa da família.

    ResponderEliminar
  3. Estou de pleno acordo.Atingiu-se um grau de consumismo tal que se foi o espírito desta festa tão bonita. Eu adoro o Natal. Talvez seja essa corda de criança que faz soar em mim essa magia.

    ResponderEliminar