sábado, 1 de janeiro de 2011

VerbArte - Revista Pirâmide


Grupo Surrealista de Lisboa -I (Exposição dos Surrealistas, Junho/Julho, 1949).
Na foto, da esquerda para a direita: Henrique Risques Pereira, Mário Henrique Leiria, António Maria Lisboa, Pedro Oom, Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas, Carlos Eurico da Costa e Fernando Alves dos Santos.
Carlos Loures

A revista «Pirâmide» da qual, entre Fevereiro de 1959 e Dezembro de 1960, se publicaram três números, e da qual fui um dos coordenadores, teve uma história curta, mas atribulada. Na Primavera de 1958, passei a frequentar o Café Gelo, onde se reunia o grupo dos surrealistas, com figuras como Mário Cesariny, Luiz Pacheco, Raul Leal, António José Forte, Ernesto Sampaio, Virgílio Martinho e tantos outros, surrealistas ou não. Havia os que não eram tão assíduos, como o João Vieira, o Gonçalo Duarte, o Mário Henrique Leiria, o Manuel D’Assumpção e muitos outros.

Participara na edição de um «poema-manifesto» - “O Menino que não saltou a Cancela”, coisa incipiente, reflectindo a confusão que me ia na cabeça: leituras apressadas, de Marx, Sartre, Breton, alguma determinação antifascista e pouco mais. Porém, o opúsculo serviu de cartão de ingresso naquela tertúlia tão elitista como permissiva. Bastava ser-se um pouco louco, ou mesmo apenas fingi-lo, para se ser aceite. A figura dominante era Cesariny, que funcionava como aglutinador de personalidades tão diferentes como Luiz Pacheco, Herberto Hélder, Raul Leal, Manuel de Castro, António José Forte, Ernesto Sampaio e outros. O deus tutelar, António Maria Lisboa, que morrera em 1953, deixando uma obra reduzida em extensão, mas plena de sugestões geniais.


Um depoimento que prestei ao Daniel Pires para o seu «Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa», diz o essencial. Daí transcrevo algumas linhas: «Com a impaciência, o pragmatismo e o voluntarismo próprios de quem quer resolver a sua confusão interior pela ordenação do mundo exterior, nós, os recém-chegados ao grupo, entendemos que era importante que aquela reunião quotidiana de talentos se traduzisse em algo de concreto - uma revista. A ideia foi acolhida com alguma ironia pelos elementos mais parasitários e com entusiasmo pelos mais valiosos, nomeadamente por Cesariny, que sugeriu o título e que organizou verdadeiramente o primeiro número, o mais ortodoxo dos três que se publicaram.» (…)
«Dadas as vicissitudes de um grupo tão heterogéneo como aquele, onde a intriga representava um papel determinante, o segundo número, surgido em Junho de 1959 (quatro meses depois do primeiro), representava já uma contestação à “liderança” de Cesariny. «O número 3, publicado em Dezembro de 1960, estava já quase totalmente esvaziado do inicial conteúdo surrealizante. É, no entanto, o mais autêntico, pois é o único em que ninguém nos “segurou a mão”. Aliás, foi já realizado fora do grupo do Gelo, com gente que parava uns metros adiante, no Café Restauração». Grupo constituído pelo Alfredo Margarido, Edmundo Bettencourt, Manuel de Castro e outros.




Por mérito dos «conselheiros», a Pirâmide, apresentou colaboração literária notável. Entre outros, Antonin Artaud, «O Teatro e a Ciência» ; António Maria Lisboa, «Aviso a Tempo por Causa do Tempo»; Mário Cesariny de Vasconcelos, «Mensagem e Ilusão do Acontecimento Surrealista»; Herberto Hélder, «Poema»; Luiz Pacheco, «O Surrealismo e Sátira» e «A Pirâmide e a Crítica» ; Pedro Oom, «Um Ontem Cão»; Raul Leal, «Psaume»; Virgílio Martinho, «A Propósito do Movimento 57» Apresentou ainda colaboração literária inédita de Alfredo Margarido, Ángel Crespo, Manuel de Castro, Edmundo Bettencourt e de Ernesto Sampaio, bem como reproduções de obras de Amadeo de Souza-Cardoso e Manuel D’Assumpção. Eu colaborei com uma colagem no número 2 e, no número 3, com uma «Carta aos Ladrões de Fogo».

A crítica instalada não recebeu muito bem a revista. À direita. suspeitava-se que aqueles poemas estranhos e aqueles textos desconexos não podiam ser coisa boa. Pela esquerda, gente na sua maior parte, ligada ainda que só ideologicamente ao Partido Comunista, a recepção foi ainda pior. Havia velhas contas a ajustar com os surrealistas e a «Pirâmide» veio mesmo a calhar. João Gaspar Simões, um homem com quem podia não se concordar, mas que teve um papel extremamente positivo na divulgação da literatura portuguesa, nomeadamente de Fernando Pessoa que apenas era conhecido por uma elite, dedicou-nos uma crítica dura na sua página literária do Diário de Notícias. Mais incisivo foi António Ramos de Almeida que, no Jornal de Notícias, ia ao ponto de chamar a polícia ou alguém com um colete de forças.

Luiz Pacheco respondeu-lhes num vigoroso e satírico artigo publicado no número dois. Um dia destes, volto a este assunto.

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