sexta-feira, 28 de maio de 2010

Carta de Carlos Leça da Veiga a Carlos Matos Gomes

Há dias, no Estrolábio, numa sua mensagem dirigida ao Carlos Loures, fez alguns comentários a propósito dum texto de minha autoria.

Agradeço a atenção que fez o favor de dispensar-me mas, sem querer polemizar sinto-me obrigado a considerá-los, apenas e sobretudo, como subentendidos deduzidos – mas mal – do meu texto sobre a, para mim, muito desejável Independência da Galiza.

No meu escrito não há nenhuma referência a Liberdade, a associação de nacionalismo com liberdade nem, tão pouco, a base religiosa e étnica.

Para quê entrar nesses terrenos. Falei de Independência Nacional, de Direitos Humanos e de Democracia. Há terrenos que não pisei pelo que, para lá, não devo ser empurrado. Se lá tivesse estado – e nunca estive – pelo certo, retirar-me-ia, porém, sem espírito de recuo. São áreas demasiado especulativas para as minhas capacidades.

“Tenho um conceito de Liberdade – escreve o Matos Gomes – que não se sente ameaçada, nem ofendida por a Galiza não ser independente”. Não consigo acompanhá-lo mas o que está em causa é saber se o conceito de Democracia (Democracia e Liberdade não são sinónimos) está ameaçado e ofendido. Para mim está e está definitivamente. Pode haver Liberdade e não haver Democracia. Em Portugal, por exemplo, há Liberdade (isto é, a Constituição reconhece e codifica as Liberdades políticas) mas, em minha opinião – e estou bem acompanhado – não há Democracia. A Constituição não permite chegar a tanto, excepto se o modelo conceptual constitucional, velho de milénios, for julgado como uma boa resposta. Para os possidentes, é.

No caso do estado espanhol até pode haver todas as liberdades políticas mas se há – como há – Nacionalidades oprimidas, então, não há Democracia. E, antes do demais, é isso que está em causa.

Haverá Democracia num Estado – o tal Estado-Nação – em que há Nacionalidades oprimidas? A partir da nossa fronteira terrestre, por essa Europa fora, são imensas.

Para o Matos Gomes há dificuldade em definir o que é uma Nacionalidade o que, em meu entender, só pode decorrer da confusão imposta pelos Estados expansionistas que inventaram o tal conceito de Estado-Nação.

O que é, por exemplo, um espanhol? Um alemão? Um italiano? Um russo?


Os R eis Católicos, Napoleão, Cavour, Bismarck e Ivan III, cada qual na sua modalidade, inventaram os Estados-Nação. Por cá não se chegou a falar dum Portugal do Minho a Timor? A Inglaterra, sob a designação Reino Unido, coloniza a Escócia, a Irlanda do Norte e o País de Gales e, sem propriedade mas astúcia vai ao ponto de chamar-lhes britânicos; rouba-lhes a indicação da nacionalidade em favor daquela da insularidade!

Tentar definir o que é uma Nacionalidade não pode ser feito em função das designações que os Estados-Nação a si mesmo deram mas sim em respeito pelas designações históricas que, sucessivamente, foram submetidas e esbulhadas das suas autonomias políticas. Dever-se-á contemporizar com os crimes de usurpação? Aceita-se a sua prescrição?

Um alsaciano ou um loreno, como exemplos bem frisantes, têm sido, sucessivamente, alemães e franceses, quando, afinal, só devem ser alsacianos e lorenos, estes últimos só incorporados no reino francês, em 1738.

No meu texto sobre a Independência da Galiza não há qualquer sugestão de fazer substituições dos múltiplos invasores que proliferam na Europa por qualquer religião ou qualquer etnia (uma designação sem qualquer sentido) tal como nada de semelhante é preconizado em relação a qualquer Estado doutros continentes. O que haverá no meu texto que justifique haver tais referências, ou inferências? Quem o ler como irá situar-me? Não gosto.

A Ordem Internacional é justa? Não deve ser contrariada?

Só os portugueses é que não podiam ter colónias? Os outros têm outros direitos?

O Matos Gomes fala do grande sucesso dos Estados-Nação porém, se as coisas forem bem medidas e melhor avaliadas, os seus resultados mais influente foram e têm sido muito prejudiciais, tudo por força dos efeitos dos seus vários expansionismos – os seus imperialismos – que vivem em contradição constante com os seus tão apregoados equilíbrios estratégicos.

Um dia conversaremos.

Um abraço do

Carlos Leça da Veiga

1 comentário:

  1. Caro Leça da Veiga, apenas umas notas sobre o que quis dizer ao referir os assuntos que levantou. Os blogues, mais do que outros meios de comunicação, têm a característica de desvendar as prioridades nas preocupações dos seus autores. O que mandamos para ser editado é, em princípio, o que pensamos ser mais importante de transmitir e de expor aos outros. Mais do que o conteúdo de cada um dos assuntos, o interessante é ver que assuntos são colocados (abordados). Julgo que o Leça da Veiga aborda a questão das independências nacionais como algo inerente à liberdade dos povos, logo um direito e uma condição de felicidade de cada povo e de cada um dos seus elementos. Os seus textos sobre a Constituição e o sistema de alianças de Portugal reforçam essa minha convicção de que esse assunto é de importância capital para si.
    Eu não tenho essa prioridade. Isto é, a questão da nacionalidade - logo de independência nacional - não é para mim um assunto decisivo para eu me realizar como pessoa. Digamos que nem a Nação nem a Religião, nem a Língua são condições para a minha felicidade. Admito sem pestanejar que podia adquirir outra nacionalidade e que a adquiriria se essa outra entidade me proporcionasse melhor bem-estar, poderia tornar-me fiel de qq religião (que admitisse que um dia podia deixar de ser religioso) se essa adoppção fosse condição para viver com uma mulher que amasse, para viver numa terra que me fosse acolhedora e poderia adoptar uma outra língua desde que ela me permitisse comunicar melhor com os outros do que aquela que hoje falo.
    O Leça da Veiga pergunta-se o que é um Francês, um alemão, um Inglês? Também não sei. Mas tambem não sei o que é um galego (um tipo que nasceu em Vigo? Um tipo que casou na Corunha? Um confrade de Santiago?) e um Alsaciano, o que o distingue de um saboiano? E um alentejano é mais alentejano em Portalegre, em Beja, ou em Évora? E um portuense é um tipo adepto do FCP, ou um natural da cidade do Porto? Isto é e em resumo, que factores definem uma nacionalidade? Eu sei qual os meus: aqueles que me proporcionem sgurança e bem estar. Não sei quais são os dos outros. Digamos que sou nacionalista de uma nacionalidade com um só nacional: eu. A partir daí tenho de entrar em conflito: domino e sou dominado. Acredito que, sendo eu agnóstico, não me devo dispor a sacrificios por um Deus em que não acredito porque não preciso dele. Do mesmo modo, só sou nacionalista enquanto sentir que a nação à qual pertenço me oferece melhor vida do que aquela proposta pelos que a atacam. Só falo a minha língua porque ela me é mais fácil para me fazer entender.
    O estado-nação não é o estado final da organização política e social, mas como não acredito em paraísos, admito que é a construção organizacional mais eficaz para proporcionar a convivência entre as comunidades humanas e entre os humanos entre si.
    Um abraço
    Carlos Matos Gomes

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