domingo, 16 de maio de 2010

Manuel Fernandes Laranjeira



António Sales

O homem só chega à verdade pelo caminho da dúvida, escreveu Manuel Laranjeira no artigo “Mocidade Idealista”. Eis como é diferente a filosofia deste pensador do início do século XX de políticos portugueses do início do século XXI. O neo-liberalismo económico e globalização parecem guardar em si todas as virtudes como se tudo já tivesse sido pensado, dito e experimentado. Essa infalibilidade não tem sido uma característica dos portugueses que viveram (e vivem) na dúvida das suas capacidades e qualidades. Salvo casos de afirmativa personalidade de quem “raramente se engana e nunca [tem] dúvidas” ou, como Salazar afirmou num discurso de posse na Sala do Risco, “Sei muito bem o que quero e para onde vou”, o português é dotado de constantes interrogações sobre a sua energia e firmeza em desafiar o futuro.

Foi este o caso do escritor Manuel Fernandes Laranjeira, idealista marcado pelos choques com a realidade, sobretudo com a realidade triste de Portugal, característica dessa época (mas alguma vez a realidade portuguesa deixou de ser triste?). Indivíduo carregado de dúvidas sobre as quais reflectiu com lucidez e inteligência em muitos dos seus escritos, porque o idealismo não o impediu de ser um ensaísta dotado de lógica analítica. Todavia, sobre muitas dessas dúvidas não chegou à verdade, nem podia já que um século depois ainda persistem. E das verdades a que chegou foram bastantes as cruéis que espalharam a viscosa baba do desencanto.

Manuel Laranjeira é um dos escritores que melhor representa o pessimismo lusitano do início do século XX, cuja correspondência com os amigos é bem mais estimulante de ler do que o Diário Intimo. Por aqui vagueia o tédio epicurista, o seu permanente descontentamento face à vida traduzido na indolência nata de um sentimento próximo da tragédia. Ao “Diário” não escapa, como a Pessoa não escapou muitos anos mais tarde, a sensaboria medíocre do seu romance com Augusta que terá contribuído para o seu estado depressivo até porque com as mulheres tinha tendência para o chinelo.

D. Miguel Unamuno, amigo de Laranjeira e por aquele admirado, encontrou nele um representante do que chamou a “alma trágica” de Portugal representada pelo suicídio de alguns dos nossos intelectuais. Aos 27 anos, já depois de terminado o seu curso de medicina, o autor de “Dor Surda” fala da “angústia suicidária”. Essa angústia não o impede de desenvolver uma dramaturgia social (“Amanhã” e “Às Feras”), todavia dolorosa, e o ensaio em termos de uma lógica analítica capaz de colocar de lado aspectos sentimentais. Vive uma sucessão de amores frustrados e a amargura da solidão profunda e perversa é também potenciada pela componente física de um acumular de doenças fatais, como a sífilis medular e a tuberculose de que morre uma irmã e um irmão. Os acontecimentos da sua vida encaminham a sua personalidade literária e de pensador para um decadentismo romântico que viria a contribuir para a tragédia suicida muitas vezes sugerida na sua correspondência aos amigos. Não foi exclusivamente a angústia da sua indiscutível personalidade psicótica a culpada mas também o desencanto e a dor espiritual e física. Sofreu por si e por quanto ia assistindo à sua volta. A sua alma sensível habitava um corpo solitário minado pelo tédio e pela descrença de um homem que “sente um desânimo infinito”.
No Outono de 1911 agrava-se o estado de saúde do escritor acentuando todo o conjunto de dúvidas verdadeiras e verdades duvidosas que acabam por levá-lo ao suicídio, dando um tiro na cabeça aos 33 anos, nas areias da praia de Espinho, no dia 22 de Fevereiro de 1912. Nascera a 17 de Agosto de 1877 no lugar de Vergada, freguesia de S. Martinho de Moselos, Vila da Feira.


Consulta: “Obras de Manuel de Oliveira” – I e II volumes – Edições Asa (Porto) – Abril 1993

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