Manuela Degerine
Capítulo I
Primeiro passo
E protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto pensar e sentir se há-de fazer crónica.
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra
Eu nasci em Lisboa, leitor amigo, em Lisboa estudei e, quando me preparava para durante trinta anos trabalhar em Lisboa, conheci um francês com quem casei; fui viver em Paris.
Mas venho a Lisboa com frequência. E, quando chego, para além de me encontrar com amigos e família, que me narram aventuras lisboetas, vejo museus e exposições, frequento cafés e livrarias, caminho pela cidade, vou a Sintra, à Arrábida e à Praia das Maçãs. A minha mãe vive em Queluz, passo vários dias em Queluz; e alguns em Tomar, outros nas Sarzedas do Vasco, uma aldeia da serra da Lousã, onde prolongo cumplicidades. Como no resto do tempo, quando estou em Paris, leio os jornais portugueses, leio livros portugueses, vejo filmes portugueses, sou professora de português – penso conhecer razoavelmente a sociedade portuguesa. Para além disto, em Portugal apanho os transportes públicos e não me esqueço de parar, escutar, olhar – os outros interessam-me, divertem-me, instuem-me. Gosto de os observar. As histórias dos outros, mesmo reduzidas a uma fisionomia e duas frases, interessam-me sempre. Penso portanto, repito, conhecer razoavelmente a sociedade portuguesa. Isto é: parece-me que a conheço tão bem como a maioria dos portugueses.
Os quais porém, na sua maioria, não conhecem Portugal. Almeida Garrett interrogava: Fazem ideia do que é o café do Cartaxo? Não fazem. Se não viajam, se não saem, se não vêem mundo, esta gente de Lisboa! E passam a sua vida entre o Chiado, a Rua do Ouro e o Teatro de S. Carlos, como hão-de alargar a esfera de seus conhecimentos, desenvolver os espíritos, chegar à altura do século? Neste princípio do século XXI, logo que podem viajar, os portugueses escapam-se para o estrangeiro, Espanha, Brasil, Croácia, Colômbia, tudo os satisfaz, desde que situado além-fronteiras; ou, se lhes faltam meios para tanto, ficam pelo Algarve – que continua um reino à parte. Não podendo escapar a este presbitismo, também eu viajei por vários continentes, antes de compreender que não conheço a minha terra.
Pois agora... decidi-me. Vou atravessar uma parte de Portugal, seguindo o Caminho de Santiago a partir de Lisboa. Para começar. A pé. Como os peregrinos da Idade Média. (O assinalado presbitismo também consiste em percorrer o país de carro: não se vê, não se sente, não se ouve, não se cheira de perto...) A realidade de um país sente-se nos pés. A pouco e pouco. Em muitas etapas que, em função das minhas disponibilidades, talvez se prolonguem por vários meses. Encontro marcado neste site, portanto, com os leitores viajantes ou sedentários para, ao ritmo das minhas peregrinações, lhes dar conta destas aventuras.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
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Que belas crónicas aqui vamos ter.
ResponderEliminarSem dúvida. Narrativas sobre uma viagem, por etapas, de Lisboa a Santiago de Compostela. Uma escritora caminhando a pé centenas de quilómetros. Uma maravilha.
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