domingo, 30 de maio de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 13

Carlos Leça da Veiga

Viver-se-á melhor?

Perante as circunstâncias económicas e políticas, muito pouco recomendáveis que, hoje em dia, em Portugal, estão a ser vividas, só na imaginação doentia dos próceres do situacionismo actual que – como sempre – só vêm, ou só querem ver, as aparências mais convenientes, é que consegue vislumbrar-se um qualquer assomo daquilo que possa considerar-se como estar a viver-se melhor.

Sê-lo-á, sem dúvida, em relação aos tempos da ditadura salazarista, por desígnio, àqueles da sua guerra colonial, da perseguição policial, dos tribunais plenários, da censura instituída, da injustiça social, do marasmo cultural, do analfabetismo desmesurado, do ruralismo transbordante, da Universidade minimamente frequentada ou, mais outro exemplo, o da terrível e continuada emigração de salto. Dessa época tão malquista muito de mau deve continuar a dizer-se e, também, utilizar-se para cotejar o modo de vida actual, porém, em comparação com o período imediatamente posterior ao 25 de Abril – aquele em que o Povo mais ordenou – já as coisas são muito diferentes. A comparação que interessa fazer-se tem de ser cometida entre como passou a viver-se durante os cerca de dez anos posteriores ao 25 de Abril e os dias actuais, jamais com o Portugal anterior.

Dessa época inesquecível da vida portuguesa ficaram os benefícios sociais que as movimentações populares conseguiram fazer vingar e que, ainda, mau grado a sua desvalorização e distorção sucessivas, continuam a fazer sentir-se no quotidiano da vida nacional. Estão neste caso, como exemplos julgados frisantes, porquanto imensamente transformadores da realidade nacional, para além da Liberdade conquistada, a criação do Serviço Nacional de Saúde com reflexos imediatos na melhoria sensível do bem estar social, a institucionalização generalizada da Segurança Social, os aumentos salariais, a escolaridade básica universal, o décimo segundo ano na escolaridade, a corrida inteligente ao ensino superior, a autonomia ganha pela Universidade, o poder efectivo e significativo da força sindical e, como importa frisar-se, um acentuadíssimo crescimento do número e da qualidade indubitável daqueles com pós-graduações ou empenhados na investigação cientifica. É bom não esquecer que se não tem sido a população a dar rumo certo ao 25 de Abril, a Saúde, a Educação, a Segurança Social e a vida Sindical não tinham tido a enorme reviravolta que ainda agora, mesmo contra as suas mais recentes vicissitudes, continuam a assegurar algum bem-estar sensível à população. O que de bom continua a sentir-se, de verdade, foi feito antes do cavaquismo.



Se o socialismo na gaveta foi uma machadada imperdoável que tudo começou a desmoronar no sentido dos maus dias, com a chegada do cavaquismo nasceu a imposição dum retrocesso intencional e inaceitável na redistribuição da riqueza nacional que, deste modo e até hoje, com a ajuda socratina, viu-se tornada, sucessivamente, ainda mais injusta.

O aumento constante do desemprego, as dividas das famílias portuguesas, a falência em crescendo dos vários sectores económicos nacionais, os apoios sociais em rarefacção constante, a precariedade do emprego e as pesadas imposições tributárias, no seu conjunto, são a resposta que melhor retrata o retrocesso nacional, o seu mal-estar socioeconómico e aquela que está mais à mão para confrontar, em termos políticos e éticos, os vários continuadores do socialismo engavetado revestido, nos últimos anos, duma roupagem neoliberal caracteristicamente mafiosa.

Quem são e quantos acharão que está a viver-se melhor? Talvez os tais quinhentos mil que enchem todos os eventos musicais, todos os campos de futebol, todas as praias e todos os demais acontecimentos cor-de-rosa.

Se os ianques exigiram engavetar os parcos vislumbres socialistas que nos espreitaram, os europeístas têm-se esforçado, com denodo manifesto, por conseguir encerrá-los a sete chaves. Estão à vista as consequências da dependência do exterior como são, nos últimos anos, as imensas, porém hipotéticas, vantagens que a população portuguesa tem tido, e terá, por ter sido forçada a sacrificar-se na construção dum estado europeu, afinal nada mais que uma necessidade ideológica – porém patológica – sentida pelo federalismo maçónico em aliança escolhida com o capitalismo internacional mafioso. Estar-se-á a viver melhor?

Em nome da Democracia, a política nacional tem sido conduzida em detrimento da defesa dos interesses da população e, vergonha das vergonhas, os Órgãos da Soberania aceitaram a integração nacional em espaços políticos multilaterais (OTAN e UE) sem nunca terem perguntado à população se aceitava, ou não, dar o seu acordo directo e imediato. Tudo feito, inclusive, sem dar ouvidos ao expresso na Constituição da República!

Os subsídios europeus, tão glorificados pelos sucessivos governos, na triste realidade das coisas, só têm incentivado tanto a corrupção política, económica, financeira e fiscal como, também, o abandono deliberado, diga-se premeditado, de quase toda a produção nacional que, quando funcionava, não só dava, pelo menos, emprego a milhares de Homens e Mulheres, animava a parca exportação e, também, muitíssimo importante, limitava consideravelmente as importações, cujas, reconheça-se, no médio e no longo prazos, só têm trazido demasiado inconvenientes à maioria da população portuguesa porém, em contrapartida, mau sinal dos tempos – isso não pode esquecer-se – dividendos excelentes aos estados europeus exportadores e aos execráveis intermediários de oportunidade que, às mãos cheias, pululam entre nós. Viver-se-á melhor?

Não é a abundância de “electrodomésticos” que define um qualquer desenvolvimento sócio-económico verdadeiro, muito menos pode preencher a ideia de estar a “viver-se melhor” mas, a sê-lo, mesmo isso, só poderia traduzir-se como coisa positiva se essa abundância não fosse conseguida através dos empréstimos facilitados pela insídia bem trabalhada da indústria bancária e sim, como devia ser, á custa do rendimento alcançado pela remuneração adequada do trabalho produzido.

Para fugir-se a uma redistribuição justa do rendimento nacional e, em simultâneo, criar-se a ideia dum viver confortável, a banca e os governos conluiaram-se numa política nada correcta da concessão fácil de empréstimos bancários que, como está à vista, alguns anos passados, colocam milhares de Homens e de Mulheres numa insolvência antevista como de solução muito mais que difícil.

É bom não confundir certas modalidades de comportamento meramente mundano, nem aqueloutras dum espírito demasiado consumista e, muito menos, algumas tantas demonstrativas dum alardear de sinais de riqueza para daí poder concluir-se que, entre nós – isso é mentir – está a viver-se melhor. Por inferência da espurcícia de Bruxelas nós, portugueses, não temos recebido nem bom vento, nem bom casamento.

Não é verdade que esteja a viver-se melhor ou, então, o actual descalabro económico, social e cultural – para os novos situacionistas – é sinónimo de progresso e bem-estar social. Basta que haja os tais quinhentos mil portugueses a viver bem para que todos os acontecimentos mundanos tenham a florescência bastante para iludir quem vê, porém, sem olhos críticos.

Será um indiciador social de estar a viver-se melhor que haja, entre os portugueses, muito mais que seiscentos mil desempregados cujos, na sua esmagadora maioria, jamais voltarão a obter qualquer emprego? Haverá alguma sustentação económica possível para a própria manutenção do, ainda vigente, trem de vida nacional?

Está, ou não, na linha do horizonte, um regresso a uma ruralidade bem mais pobre que a anterior? Quantos, dentre os desempregados, até dessa mesma solução estão privados por já nem possuírem a velha courela que fornecia o caldo e ajudava ao magro presigo!

Só à margem da União Europeia e, em particular, fora de tudo quanto pertença aquela sua fracção continental, é que Portugal poderá ter hipóteses de alcançar e desenvolver, com sucesso, um comerciar razoável de tal modo, possa olhar para o futuro com alguma confiança se bem que não possa pensar noutra coisa mais que numa vida modesta.

(Continua)

1 comentário:

  1. É óbvio que tudo é muito injusto e que há muita ladroagem no recreio, mas a maioria do povo vive muito melhor, até porque tem acesso ao SNS, à SS, à Educação...
    Bem andaríamos se nos juntassemos para defender essas vitórias que fazem a diferença!

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