Raúl Iturra
Se olharmos a realidade como cristãos, seremos capazes de entender a luta pelas opções empreendida por Marx e os trabalhadores. Mais uma vez, é preciso ler o já citado Sermão do Monte, para entendermos a procura de justiça da família Marx e do operariado que a apoiava. Estranhamente, desde então, não paramos de ouvir críticas aos comunistas sem Deus, implicando que o pensamento marxista não tem valores nem moralidade.
O que não é verdade, por dois motivos: o texto do Manifesto Comunista; e porque Marx era luterano. O seu ideal era libertar o povo de todos os tipos de opressão. O texto não é contra a religião, nem sequer a debate, mas, sim contra o pensamento burguês que, de revolucionário no Século XVII, passou a opressor do povo. Karl Marx, era inicialmente simpatizante da estratégia de ataque à Cristandade para sabotar o estabelecimento da Prússia, todavia, mais tarde, formou ideias divergentes e rompeu com os Jovens Hegelianos. A conclusão de Marx é que religião não é a base do poder de estabelecimento: a base que justifica a posse do capital – terras, dinheiro, e os meios de produção – que está situado no coração do poder estabelecido. Marx entendeu a religião como uma cortina espessa de fumo para obscurecer essa verdadeira base de poder, e certamente, era um amparo vital para o oprimido proletariado – o ópio do povo, único conforto na vida.
O que os trabalhadores mereciam, referem os Marxs, e poderiam obter se acordassem da sua sonolência, era o controlo do seu próprio trabalho, a posse do valor que geravam com esse trabalho e, consequentemente, a auto-estima, liberdade e poder. Os Marxs pretendiam que os trabalhadores passassem a possuir o produto do seu trabalho, acabando com a alienação. Quem pensa a obra, fica com a ideia: quem empresta por salário a sua força de trabalho, é alienado.
Esta palavra tem várias acepções como conceito. Uma é a usada na teoria da psicanálise, referindo-se, normalmente, à pessoa incapacitada de pensar por si própria sobre a realidade ou incapacitada de entender a realidade como a maior parte do seu grupo social a entende e usa. Em Freud, o conceito de alienação é a fuga ao simbólico, ao imaginário não elaborado, não trabalhado . Talvez toda a questão da satisfação narcísica na relação do ego como os outros egos, como referência analítica, esteja em torno do grau de independência ou de alienação em relação ao investimento que retorna do outro em direcção ao eu. Questão determinada pelos factores intensidade e fixidez: tanto menos alienado será quem menos estiver condicionado ao desejo do outro. O aprisionamento nesse olhar torna-se um problema que pode levar o eu às últimas consequências para se tornar o suposto ideal aos olhos de outrem .
Mas há mais para dizer sobre alienação. A mais importante é corrigir esse engano de que Marx teria escrito sobre alienação nos seus manuscritos filosóficos de 1844 e nas Grundisse de 1857-1858. Ratzinger , que, penso eu sem base nenhuma, de certeza nunca tinha lido nem estudado Karl Marx e o seu contexto histórico, como refiro na Introdução desta obra, soube ir ao sítio certo: A Ideologia Alemã de 1846, editada apenas em 1932, essa obra tão importante do nosso filósofo materialista, que tem sido ignorada, excepto pelos seus estudiosos e biógrafos. A alienação, da forma definida por Marx e Engels e aceite por Ratzinger, refere-se à pilhagem que fazem os proprietários do capital sobre o proletariado. É o que todos entendemos, vemos e analisamos, como faz Bento XVI ao reparar que o povo vive na miséria pela mais-valia que produz que é apropriada pelos donos dos meios de produção, que, em forma de salário, devolvem uma mínima parte dos bens que fazem dos ricos, pessoas ainda mais poderosas. Poderosas até ao ponto de se apropriarem do poder político, na base do seu poder económico, em consequência, adquirem um poder simbólico para mandar, conseguindo deslocar os que fazem a obra, a troco de uma miséria de salário, importância tão estreita, que têm de pensar muito antes de gastar um cêntimo que seja. Ou, como dizem Marx e Engels, toda a família tem de trabalhar para garantir uma vivência decente (super vivência), definida no Manifesto Comunista e no Tomo I de O Capital. Alienar é retirar a capacidade de trabalho artesão ao operariado, colocando o trabalhador em vias de ficar espoliado da sua obra. O proprietário do capital recebe lucro, o trabalhador, apenas o arroubamento do espírito, o que o coloca na perigosa situação de deixar de ser capaz de criar, inventar e viver harmoniosamente (espírito alto); a sua obra é tão boa, que o burguês poderoso ilude o trabalhador retirando-lhe a sua criação .
Como consequência de todo o debate anterior, parece-me pertinente perguntar: dos trabalhadores, quem se importa? Até aqui, tenho debatido a cultura dos doutores sobre a economia. Seriam os trabalhadores o objectivo da família Marx? Digo família , porque não era apenas, nessa altura da vida, como narrei em capítulos anteriores, só Karl Heinrich quem lutava pelo operariado. O seu genro Paul Lafarge, historiador e marido de Laura Marx, a própria Laura, Charles Longuet (a quem Marx, proibiu o matrimónio com Eleanor, por causa de Longuet ser um historiador anarquista, no entanto, como já vimos, acabou por ficar dentro da família, ao casar com a filha mais nova, como narro no Capítulo 2, Jennifer Caroline). De todos, Eleanor era a mais combativa pela causa dos trabalhadores. Foi uma espécie de filho que Marx e Jenny nunca tiveram e secretária especial de Karl Heinrich. Tudo o que o pai não podia realizar, era feito por ela. Era a família Marx a que lutava em prol dos proletários. Como já sabemos, Eleanor, após secretariar o seu pai, teve o seu próprio lugar na história do movimento dos trabalhadores.
Nos seus textos aparece provado pelas suas actividades públicas em política, nas suas relações com os trabalhadores e nos seus estudos solitários das formas de produção do passado cronológico, reflectidos nas Grundrisse de 1857-8 ou Crítica à Economia Política, que o levaram a preparar a sua obra maior, O Capital, especialmente os Livros I e II: análise crítica do processo de produção do capital , jamais falou contra as ideias de fé. No seu afamado texto, O Manifesto Comunista, publicita o seu nome, a sua fama, a sua teoria, conjuntamente com Friedriech Engels e a redactora do Manifesto, a sua mulher Jenny Marx, faz um apelo aos trabalhadores para se juntarem na luta contra a mais-valia retirada pelo proprietário, mas não menciona o sentimento de fé. Menciona, sim, a religião. Religião e sentimento de fé são diferentes. O primeiro conceito define noções para orientar o comportamento das pessoas em sociedade, um sistema de rituais, com hierarquia pontifical. O sentimento de fé, é a própria orientação da pessoa dentro dos cânones do seu acreditar.
Comentava estas ideias por causa de O Manifesto Comunista, texto que tem mudado de nome conforme as conjunturas da história. Na época da euforia de Marx com Babeuf, para criar uma sociedade de iguais, designava-se Manifesto do Partido Comunista; a seguir à chacina da Comuna de Paris, passou a Manifesto Comunista. Na sua ansiedade de pôr em acção a luta de classes para o proletariado não viver mais em desgraça sob o poder do capital, o denominou da forma referida antes, junto com os seus co-autores Friedriech Engels e Jenny Marx. Como McLellan narra e prova no seu livro de 1973 , o título nem sempre foi o mesmo. É mundialmente sabido que o texto, na urgência dos autores das ideias e da redactora do mesmo, Johanna von Westphalen ou Jenny Marx, de combater a burguesia, foi, primeiramente, intitulado Manifesto do Partido Comunista. Com a restauração da República em França, em 1848-1857 e as revoluções na Europa, passou a ser denominado só Manifesto Comunista. Marx e Engels pensaram-no em 1847, Jenny Marx escreveu-o seguidamente e foi publicado a 21 de Fevereiro de 1848. As ideias básicas estavam já contidas no texto de Engels: Os Princípios Básicos do Comunismo , em forma de Manifesto ou exposição de ideias, geralmente escritas, em que se manifesta o que é preciso, ou o que se deseja que se saiba.
O que os Marxs pretendiam, era a autonomia do povo, a sua não dependência nem de ideias religiosas incutidas pela burguesia, nem de salários mal pagos, mas nada tinham, a ver com a fé. A fé como é possível ler no Manifesto Comunista, era individual e privado. Especialmente entre pessoas de fé como a família Marx.
É preciso ler o já citado em outros textos sobre Marx, O Sermão do Monte, para entendermos a procura de justiça da família Marx e do operariado que a apoiava. Estranhamente, desde então, não paramos de ouvir críticas aos comunistas sem Deus, implicando que o pensamento marxista não tem valores nem moralidade.
O que não é verdade, por dois motivos: o texto do Manifesto Comunista; e porque Marx era luterano. O seu ideal era libertar o povo de todos os tipos de opressão. O texto não é contra a religião, nem sequer a debate, mas, sim contra o pensamento burguês que, de revolucionário no Século XVII, passou a opressor do povo. Karl Marx, era inicialmente simpatizante da estratégia de ataque à Cristandade para sabotar o estabelecimento da Prússia, todavia, mais tarde, formou ideias divergentes e rompeu com os Jovens Hegelianos. A conclusão de Marx é que religião não é a base do poder de estabelecimento: a base que justifica a posse do capital – terras, dinheiro, e os meios de produção – que está situado no coração do poder estabelecido. Marx entendeu a religião como uma cortina espessa de fumo para obscurecer essa verdadeira base de poder, e certamente, era um amparo vital para o oprimido proletariado – o ópio do povo, único conforto na vida.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
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