terça-feira, 11 de maio de 2010

Resistir ou colaborar?

Carlos Loures

No convívio com franceses, apercebi-me de que, muitos anos depois da ocupação alemã ter acabado, persistiam em vastos sectores da população, nomeadamente nas camadas mais pobres, ódio e preconceito contra os judeus. Ouvimos, lemos, vemos filmes sobre as o heroísmo da Resistência, mas a outra face da moeda foi o colaboracionismo. Porque durante uma ocupação ou uma ditadura, à maioria das pessoas oferecem-se duas possibilidades. Resistir ou colaborar.

O conceito de resistência abrange um vasto leque de opções que vai desde a distribuição de panfletos à luta armada contra o invasor. Colaborar é também conceito abrangente, indo desde não fazer nada, aceitando as ordens de quem manda, até à denuncia dos resistentes. Em Portugal, durante o período da ditadura, grande parte da população colaborou, mais que não fosse com a sua passividade, embora houvesse quem preenchesse as fileiras das forças repressivas ou se alistasse na Legião Portuguesa. Como se sabe, houve também quem resistisse.

Estamos a falar de coisas diferentes. Resistir em Portugal, contra a ditadura, ou em França contra o ocupante alemão, significaram graus de risco não comparáveis. Aqui, houve quem fosse assassinado, houve prisões prolongadas, torturas, represálias. Em todo o caso, muitos dos que resistiram, sobreviveram para narrar o que lhes aconteceu. Em França, fuzilamentos, campos de concentração e câmara de gás, depois da prisão e da tortura, foram a regra. A sobrevivência, foi a excepção.



Vêm estas considerações a propósito de um filme estreado recentemente em França, “La rafle” (“A Rusga”). Realizado por Roselyne Bosch, decorre em 1942 e conta uma história que até agora foi tabu – a rusga do Velódromo de Inverno de Paris, onde foram concentrados mais de 13 mil judeus, mulheres e crianças na sua maioria. Às quatro horas da madrugada de 16 de Julho de 1942, teve início a operação. Os polícias franceses receberam ordens para ir de casa em casa actuando «com a máxima rapidez, sem palavras inúteis e não fazendo qualquer comentário». Os solteiros foram transferidos para Drancy, a norte de Paris, escala prévia para a deportação para os campos de concentração alemães. As famílias ficaram no Velódromo, situado junto da Torre Eiffel.



No meio de um ruído infernal de choro e gritos, mais de oito mil homens, mulheres e crianças, sobreviveram sem água e sem comida durante cinco dias. Alguns conseguiram fugir. Os outros foram levados para campos de detenção e daí para Auschwitz. Do Velódromo, demolido em 1959, só resta uma pequena placa evocadora do que aconteceu naquele Verão de 1942 e da rusga apenas ficou uma fotografia na qual se vêm as camionetas em que as famílias foram transportadas. Como se quisessem apagar a memória.

“La rafle”, com um elenco onde se destacam Jean Reno e Mélanie Laurent, permite lembrar essa página negra da história recente de França e recuperar a memória perdida de um episódio histórico escamoteado durante anos. Só nos anos oitenta, houve tímidas referências nos livros escolares. Em 1995, Chirac reconheceu a responsabilidade francesa na deportação maciça de judeus: «A loucura criminosa do ocupante foi, sabemo-lo, secundada por franceses, pelo Estado francês.» disse num discurso histórico. Este vergonhoso episódio não ocorreu na chamada “França Livre”, sob o regime do marechal Pétain, mas na zona ocupada. É verdade que os invasores exigiram que lhes fossem entregues judeus franceses para os campos de trabalho. Contudo, foi iniciativa francesa a de nesta rusga incluir menores de 16 anos. Como no filme se salienta, a intenção foi a de não ficarem com o problema dos órfãos.

Resistir ou colaborar? É um dilema terrível para quem tem de tomar a decisão. Resistir implica abdicar de uma vida normal ou até abdicar da vida. Colaborar, nem que seja pelo silêncio, significa para quem tem consciência, envergonhar-se de olhar o espelho, mas permanecer vivo. Numa situação-limite, muitos optam por colaborar, fingindo que resistem. Fique claro que não estou a extrapolar uma realidade tão dramática para aquela que estamos a viver. Comparar esta democracia, mesmo chocha como é, com a ocupação nazi ou até mesmo com o salazarismo, seria faltar ao respeito devido à memória dos muitos que deram a vida pela liberdade.

Mas não terminarei sem uma referência à nossa realidade - Mutatis mutandis, na nossa cinzenta situação e na minha opinião, a dicotomia coloca-se assim: colaborar, é apoiar o Governo (seja ele do PS ou do PSD) ou atacá-lo na perspectiva do «maior partido da oposição» (seja ele o PSD ou o PS). Resistir, é recusar e denunciar este simulacro de democracia que encobre a oligarquia que, em nome dos valores democráticos, nos tiraniza.

3 comentários:

  1. Em primeiro lugar um bem-haja pela informação referente ao filme que, pelo tema que aborda, é de classificar como " A NÃO PERDER".

    Sobre a passividade de uma grande maioria dos portugueses, durante o período da ditadura em Portugal, a mesma estava relacionada com o nível cultural da população que o regime pretendia fosse o mais elementar possível. Na Alemanha queimaram livros das bibliotecas. O regime em Portugal, controlava o que se publicava.
    Extrapolando para os dias de hoje eu diria que agora impera o medo da represália. O medo da exclusão. Esse medo reflecte-se na conivência dos colaboradores dos meios de comunicação social, que escrevem para o dono e para quem manda.
    Resta-nos a liberdade de podermos falar uns com os outros sem, por enquanto sermos presos, mas sem qualquer protecção jurídica se nos quiserem incriminar e tudo isto porque o polvo tem tentáculos por todo o lado.
    Vamos tentar, com artigos como o teu, lutar contra as injustiças e a liberdade em que acreditamos.

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  2. Obrigado, Luís. Sabes como sou crítico relativamente aos partidos do bloco central - PS e PSD, para mim, ainda que teoricamente diferentes, são frutos da mesma árvore. No entanto, não perfilho a tendência que leva muita gente a comparar a actual situação com a que vivemos durante a ditadura. Não há comparação possível. A mordaça, que no salazarismo atingia todos os que contestassem a situação, hoje atinge principalmente os oportunistas da oposição que contestam os oportunistas que estão no poleiro - é uma luta de cães por um mesmo osso, o osso do poder, das sinecuras. Os laranjas falam muito nos jobs for the boys, mas a mágoa que têm é a de não ser eles os contemplados. É uma guerra de gangues bandalhos contra crápulas. Não tomo partido. Mas não façamos comparações que ofendem os que morreram no Tarrafal, os que foram assassinados, os que passaram anos de juventude encarcerados... Um grande abraço, Luís.

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  3. Só há um partido. O do Centrão, o dos Interesses!

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