sábado, 22 de maio de 2010

Se o pecado existisse

Ethel Feldman

Se o pecado existisse eu teria pecado cegamente em busca do amor em cada pedaço de mim. Ah, se o castigo inventado fosse a eterna busca, eu teria vivido debaixo da pena máxima de encontrar em cada segundo, o amor que se adivinha e parte...
Nunca prometemos amor eterno, nem quando ele me levou a ver o miradouro atrás do prédio de esquina. Durante o caminho lia a vontade dos outros pintadas a vermelho:
“Amo Inês” ou “quem inventou o amor passou por aqui e se perdeu”

Nos outros dias em que passeei sozinha deixava que meu olhar se perdesse pelo horizonte. O muro que nos protegia da queda certa, desaparecia e eu sonhava que tudo era possível – bastava saber o que se queria. Fossem meus braços asas, fosse meu corpo imagem da minha vontade – matéria que se modela a cada sentir.
Fui a ave caçadora em cada viagem só para matar a fome de ti. Fui o eterno sopro fraco no regresso. Lembrança de ti.

Quando voltava para casa, meu cão fugia pela ladeira fora. Longe foi o tempo em que eu corria e gritava: “VOLTA!”

Noutros dias inventei o amor a três. Ele que ama ela, ela que ama ele, e eu que amo a ideia de amar alguém. Nesse amor trocámos as mãos. Odor intenso do sexo que se adivinhou e não aconteceu. Nesses dias eu sorria e lembrava-me de ti rindo da vida.
O cão volta sempre ao dono, mesmo que o cantinho onde mora seja sombrio. Se ele soubesse como fazer, gritaria:

“SALTA! Inventa o mar, mergulha nele essa fome nunca saciada.
SALTA! Navega até te perderes.

Depois VOLTA!
VOLTA, que a casa agora é branca e o teu sorriso violeta.”

Na minha rua, mesmo na esquina, existe um prédio. Nas traseiras dele um caminho para o miradouro.

Quem está enamorado senta-se num banco de pedra e espera que o sol fique laranja até dizer adeus.

Se hoje não chover subo ao miradouro.

(A imagem - «The false mirror», René Magritte (1928).

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