(Organizado de forma comparativa)
Raúl Iturra
B-Pilar
Hermínio corria a cavalo. Como já o tinha dito. Corria. Corria rápido. Corria rápido para fazer barulho. Barulho nas pedras da rua. Da rua do lugar de Vilatuxe, em Vilatuxe. De Vilatuxe a Gondoriz Pequeno, a casa do lar familiar. Corria no seu cavalo por cima dos seus vinte anos. Para Esperanza poder ouvir. Poder palpitar. Poder pisar a raiva do seu peito. Peito do Hermínio, que aos três anos de idade não corria a cavalo. Corria o seu pai. O José António, o senhor da metade de Vilatuxe, porque a outra metade era do seu irmão José. De Vilatuxe Paróquia, de Vilatuxe lugar, de Gondoriz Pequeno, de Gondoriz Grande. Dos Carvalhinhos. De outros sítios. José António, seu pai, era um monárquico, no tempo dos debates entre República e Monarquia, a seguir a primeira República do Estado Espanhol, em 1870. E Hermínio ouvia esse pai. Que gostava dos cavalos e que pouco ou nada fazia que não fosse cuida-los. Cavalo entre os quais Herminio cresceu e foi criado. Os cavalos que o seu pai usou até a idade da morte. O meu amigo Hermínio, usa na juventude dos seus hoje 70 anos, enquanto ensina um neto, Santiago, a ser senhor dos cavalos. A forte ideia de Hermínio foi sempre a de dominar a natureza, de semear, de reproduzir cabras e ovelhas e cavalos. Em pequeno, foi levado a casa da avó materna, Manuela Canda. Uma outra proprietária de Gondoriz, mas de Gondoriz Grande, com terras ao sul da Parroquia, quanto que as dos Medela ficavam ao norte, disseminadas por vários sítios. O lembrado minifúndio galego, do qual tantos temos falado (Iturra 1979, Beiras 1968) e que tanto deu para falar. Muita terra, mas pouco dinheiro das vendas de cereais, batatas, milho, leite. Os senhores recebiam pagos em produtos, de outras casas as quais eles alugavam as terras em enfiteuses ou contrato pela vida de três gerações. Ou alugavam por tempo certo. Hermínio ficou habituado a ser filho de senhores, mas de senhores que não tinham o dinheiro suficiente para poder entrar no mercado que a Europa estava a abrir. Com uma agricultura como a Holandesa, ou da França, ou mesmo da Castela, que ganhava em exportações a uma Galiza que estava fechada e que circulava bens em praças e feiras. Hermínio, entre o seu nascimento e o de a sua irmã Marcelina, teve a experiência de ter ao pai José António na emigração, em procura de dinheiro. E, a partir do seu nascimento, esteve oito anos em casa da sua avô materna, Manuela Canda, agora senhora de Carrefeito, Paróquia de Lebozán , onde casara.
Hermínio foi criado pela avó e pelo filho de ela, o Padre Balbino, um frade muito estrito e disciplinado. Enquanto os seus pais andavam pelos Estados Unidos, o pai, e a mãe pelo Uruguai, Montevideo, a fazerem dinheiro em trabalhos comerciais. E é aí onde aprende de cavalos e de tomar conta de eles, até regressar a casa, à volta dos pais. O próprio Herminio vai a Escola de lugar de Carvañiños, sem saber uma letra antes: de agricultura, muito, de letras, nada. Ainda que em casa, houvesse um letrado, ainda que em casa as pessoas todas fossem letradas e descendentes de letrados. O próprio Hermínio trabalha a terra e não é letrado como os seus pais, avos e tios, porque a época não era propícia. Lentamente, o sistema estava a declinar. Teve que confrontar, a seguir o seu nascimento, a abolição dos direitos de foro ou enfiteuses, e perder as terras pelas quais os seus pais foram demandadas. A crise do ano de 1929 que afecta ao Estado Espanhol, como a todo o mundo ocidental, acaba com os direitos senhoriais, a Monarquia, estabelece a II República, e suporta a guerra civil, que em Vilatuxe é vivida calmamente. Hermínio nem tinha que ocultar as suas simpatias pessoais pela causa republicana. Havia, como ele diz, um acordo entre o Pároco desse tempo e o chefe dos republicanos, que salvou a muita pessoa de desaparecer o ser levada à tropo ou à cadeia. Ele próprio, menino, lembra e observa, e essa observação é transferida aos seus filhos, que acabam por ser pessoas de democracia, de bom contacto com os vizinhos, fosse o que for a cor dos seus pensamentos. Caracteriza a Hermínio a sua tolerância e simpatia com as pessoas. Defende as causas justas, da liberdade as pessoas, não julga, aceita e opina em privado as pessoas o que ele pensa que deve ser feito. È verdade que corre a cavalo entre as mozas, porque o sente o seu dever de cavaleiro e cavalheiro, o seu desejo natural. Esse que não tem porque deixar de satisfazer como achar melhor. E não publicita o que pensa ser o seu direito privado. É o que Pilar vê e aprende. Como vê e aprende a famosa frase do pai, é a vida e é preciso aceitar. E é o que diz aos seus irmãos e sobrinhos, que teñem por ele um carinho especial e tenro. Ocupado nos seus assuntos, não é por isso que larga a sua família, a que atende todos os dias. Infatigável trabalhador, cria esse espírito nos seus filhos, incute a justiça e a calma. Diz Hermínio que um dia o seu filho José de 23 anos, vem falar com ele e diz que a sua namorada está grávida. E diz que diz a Pepe, os José da língua Galega e Castellana, que é melhor casar para evitar problemas a rapariga. Casar, se estão namorados. E Pepe diz estar. Hermínio oferece a casa dele para eles viverem e trazer aí ao pequeno cativo. E decide alargar a casa com o próprio José, esse Pepe, um bom albañil, pedreiro em luso português. Que sabe que constrói para ele, para a sua mulher e para o seu descendente, que acaba por ser uma filha, Mónica. È, o que Goody tem persistido em dizer (1966 e 1973), um Grupo Doméstico. Como é todo Vilatuxe. Que acolhe aos seus, desde que os seus façam como o patrão da casa diz. Porque o próprio Hermínio tem que fazer a sua casa, (como está narrado no capítulo 1 do livro de 1998, de onde tenho retirado esta parte do texto) porque casa com uma tornalera campónia. A Mama Esperanza, Nai ou Mamá da sua filha mais velha e grávida do próximo, que acontece ser José. Hermínio é capaz de juntar aos parentes em uma permanente entreajuda, em uma permanente tornajeira de trabalho, que tenho relatado incansavelmente a traves dos anos e em varias línguas (1977, 1978,1981, 1988, 1989, 1990,1991,1998). Uma tornajeira que divide o trabalho por especialidade e por necessidade: o cavalo dele, o de David seu vizinho e amigo, o tractor do seu sobrinho filho de irmã, António O Ferreiriño, a força de trabalho do seu cunhado Amado irmão de Esperanza, e outros, da denominada cooperativa, com a qual tanto trabalhara eu ao longo de anos, faz já 26 anos atrás. Grupo que hoje em dia está incrementado pelos filhos casados que trabalham a agricultura, inda que nem todos eles. Pilar vé colaboração, vé reciprocidade, vé e non crítica, vé carinho, vé calma com os caprichos, vé justícia no mal comportamento. Vé castigo quando corresponde. Ve uma crença que não se exibe, e uma fidelidade e respeito à família. Tem todos os dados para entender as opções. Sabe tanto, que é inda difícil viver com uma pessoa que todo entende, que todo resuelve, capaz de construir o contexto do problema, para o resolver. A pessoa ideal para procurar para os trabalhos. Como vê o papel da sua Nai, Esperanza Dobarro, filha e neta de tornaleiros sem terra, imigrados desde Ourense, outra Província Galega, para a de Pontevedra, em Vilatuxe. A Nai ou mamá como fué mencionado antes, tem que trabalhar a terra desde muito nova e tomar conta dos pais, como a cativa mais nova que ela era. Conforme com todo, não teve ambição especial desde nova. Diz um dia, enquanto falávamos, que o seu primeiro bebé estava a nascer, como fiz referencia no capitulo 1 do livro, que sujeitou ao bebé até acabar o trabalho. Foi logo a casa, teve o bebé, e no dia seguinte estava outra vez a trabalhar, como sempre a família toda. Família sem terra, pedreiros, jornaleiros, sapateiros, até comprar a pouco e pouco a terra deles. Não tinham a facilidade de Hermínio, proprietário que perde a terra pela nova lei dos anos vinte deste século, mas que, com a sua longa permanência de seis anos de emigrante em Venezuela, a trabalhar na indústria primeiro, em cavalos depois, poupa para investir nas tecnologias precisas na altura. A mamá Esperanza é silenciosa, fala o que o marido diz e aceita sem comentários os seus deveres domésticos. Habituada a trabalhar toda a vida, metera miedo a Pilar. Que vive com um padrão difícil de medir, o seu próprio pai. Um pai que sempre queria mimar aos seus filhos, mais não tinha como o fazer. E por isso que emigra durante esses seis ou sete anos. Tempo que Esperanza e os filhos nascidos, ficam a viver com a abuela paterna. Abuela de muito má humor, que diz aos pequenos que o pai ou papá não os queria, por isso tinha emigrado. E os filhos mais velhos, Carmen, José e Olga, crescem com essa ideia na cabeça. Pilar é que nada de isso sabe e ouve, e recebe o carinho do pai a construção da nova casa que os acoge. O pai é uma medida pela qual ela era capaz de encontrar a o homem com o qual casa e que se metera com o filho, como Hermínio dos seus. Pilar é a reprodução do que o pai faz na vida. Da forma em que o pai foi feito, com pais sempre ausentes e zangados, ela não é assim criada e até pode ter o luxo de estudar música. Pilar, a filha preferida de Herminio, que passou por todos os ciclos da História de Espanha, já relatados. Pilar, habituada a crianças, capaz de criar a sua, mas menos capaz do que o marido, como a sua mãe, que pouco tempo tem para os seus filhos, por se dedicar mais ao trabalho do marido e a acompanha-lo. É Esperanza quem diz um dia na cozinha, eu faço na intimidade, o que o meu marido diz e quando quer, e quando não quer, nada. É o modelo de Pilar, como diria um Freud ( ), uma Klein, uma Alice Miller. Especialmente Miller, capaz de analisar a vida de Hitler, Mussolini e Picasso, a partir do estudo dos seus papás ou pais, especialmente da sua mamá. O Guernica ( ) de Picasso, seria o resultado da guerra que ele viu bem antes da guerra civil de Espanha, como a mamá a dar a luz no meio da fugida a França. Os gritos, a casa desfeita, os animais bombardeados, são as memórias de dias tristes, que ele exprime no desenho. Como Pilar exprime o seu carinho pelos seus, na música. E na capacidade de ensinar doutrina aos outros meninos, uma catequista de Vilatuxe, que não guarda a ideia de ser livre, com todo. Sem viver oprimida ao bem e o mal, sem pensar no pecado, só agir. Agir no bem dos outros. Com as críticas necessárias nas pessoas da família que não tratam dos filhos, como ela sinte que foi tratada, ela e Miguel, esse irmão filho que tan temprano para ela, chegou. Uma capacidade de construir o real e de se habituar as mudanças, retiradas do exemplo do pai e da distanciada nai. Com um acolhimento aos outros, que sempre serei capaz de agradecer, devido a sua companhia e aprendizagem do estudo de arquivos. Os papási furan feitos de forma diferente. A mamá, o acolhimento de um lar que tinha que trabalhar unido para poder reproduzir a vida, o esforço de todos para pagar em bienes. O pai, em um lar muito dividido e pouco amados os indivíduos, dispersos pelas casas familiares. Unha Nai sem bens, que sabe optimizar a falta de eles. Um pai, de uma classe social que está a cair e desaparecer. Um comportamento o de ambos os dois, diferenciado pelo contexto interactivo. Donde, o comportamento de Esperanza ganha ao de Hermínio. É Esperanza a que, em silêncio, cria a solidariedade que Hermínio anda a praticar. Uma solidariedade doméstica que começa pela subordinacón ao homem e o pedido as filhas para fazerem o mesmo, bem como a pedida as noras de serem calmas com os maridos, com os seus filhos. Pilar aprende de Esperança, a reprodução afectiva e económica da casa. E do pai, o entendimento do comportamento e a ironia. Uma herança dupla, como a de Victoria, de uma correlação emotiva de dois seres feitos por conjunturas históricas diferentes e contraditórias. A de Hermínio, classe senhorial, a mandar. A de Esperanza, classe de serviço, a obedecer. A se dar aos outros, enquanto Herminio espera dos outros. E mais uma contradição na herança de Pilar. Seja qual for a sua classe, é homem, e na Galiza, mandam. E Esperanza é mulher, feitas na Galiza para servir. Mais outra ainda, a de uma Lusitanidade introduzida por Afonso Henriques de Portugal, no século XII do presente milénio que agora acaba. Uma Galiza, reino autónomo e com ideias e cultura celta, sueva e visigótica, animista, como a de Victoria e os seus Picunche. Que vé reforçados os elementos cristãos suevos, como o catolicismo castellano de Afonso Heriquez, primeiro rei de Portugal, e primeiro rei português na Galiza. Factos da história, que aparecem na herança de Pilar, entre a autonomia galaica da mulher e a sua igualdade com o homem, e a subordinação católica franco-castellana dos lusitanos que os invadem com comportamentos, até o dia de hoje. Comportamento luso galaico reforçado na luta contra Castela, mais importante que a luta já morta, contra o condado Portucalense do dito Afonso Henríquez. É por isso que Pilar e os seus pares, leen Castelão e Rosália de Castro. E falam uma combinatória de duas línguas, feita uma hoje, o luso-castellano, a fermosa língua galega. É a herança de Pilar, dos seus irmãos, dos seus pares, mais ainda, do que nunca foi dos seus pais e ascendentes. Esse. Lutavam pela terra: para a gañar, para a não perder, conforme. Com as novas leis da União Europeia que retira da propriedade privada a todo trabajador no reprodutor, as preocupações têm-se diversificado e só um mínimo de eles, ficam interessados na terra, enquanto uma grande maioria, fica preocupado das habilitações, do saber e dos lucros. É assim que era Pilar. É assim que foi feita, assim que existe, assim a sua herança, contraditória como a de Victoria, sintetizada por ela no seu saber ao longo do tempo. Como fazem os seus irmãos e pares do tempo. É assim Pilar. Como foi com os seus papás que a fizeram. Como os seus pais, como ela própria, como os seus ancestrais. Do que vamos falar depois. Porque agora interessa entender que a existência da criançada crescida, é a coordinación de informação transferida em curto espaço de tempo, para situações diferentes. É só entre os começos do Século XVIII e do dia de hoje, que a Galiza está a se reformular sistematicamente, entre Monarquias absolutas, constitucionais, duas repúblicas, duas guerras, uma ditadura, uma democracia, uma construção de uma sociedade mais igual, como Victoria, que os seus pais não viveram e toca aos filhos e netos fazer. Mas, insisto, do qual vamos falar depois, para ver como é Anabela e os seus que a fizeram. Como a Victoria e a Pilar, esse dois dos três elos que me estruturam a etnografia e a etnologia de meu trabalho de campo dos últimos três anos.
segunda-feira, 17 de maio de 2010
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