Ethel Feldman
- Aloísioooooooooo! Aloísio, só por um segundo ... espera. Ontem, lembras-te de ontem? Sim ontem, quando tentaste sair da mesa de jantar e caíste? Broc no chão? Ninguém nem deu por nada, mas lá estavas tu feito um tomate sem vida. Não te lembras? Quando olhei para trás para te chamar e não te vi pensei que tivesse sido um milagre, alguém lá do céu, um desses santos misericordiosos que tivessem vindo te buscar... Pois claro, tanto sofrimento merece uma recompensa, senão como suportar as rugas que teu corpo albergou em menos de um mês, tua face encovada, teu olhar vazio? Pensei: levaram meu Aloísio para descansar, lá no céu onde nenhum anjo tem sexo e não é pecado amar. Tu sabes que sempre tive fé, tu sempre soubeste que rezei por ti. Todas as noites, antes de me deitar, mesmo quando dormíamos juntos eu rezava e pedia a Deus que fosses feliz. Tu dormias feito um santo – já era prenúncio do teu sofrimento. Lá estavas tu tremulo, a tentar sair do chão em busca de um tempo que nunca foi teu, mostrando-me um tempo que nunca foi meu.
Aloísio antes de saires traz-me toda água que encontrares. Tamanha é a minha sede. Afoga a minha dor. Deus segredou que nem tu nem eu seremos santos. Tanto sofrimento em vão!
Rica a língua que confunde pelo som o comum dos mortais. Tua mãe equivocada quis teu nome sinónimo de lugar de descanso dos justos. Antes do sono sorria-te carinhosa:
- Aloísio meu filho serás o abrigo dos heróis, dos santos, dos poetas e deuses...
Pobre mulher iletrada nunca soube que elísio nada tem a ver com aluísio. No dicionário sequer existes. Na vida sempre foste o equívoco. Nenhum anjo te aliviou o peso do erro.
Em criança gritavas sem fé:
- Viajo pela diagonal, atravesso a montanha de outubro a dezembro. Vuuhhh... E teu peito sentia a mentira
Já adolescente desconfiado do destino apregoado pela tua mãe ameaçaste revolta.
Perdida na estrada, adolescente encontrei-te sem rumo em busca do nada. Fomos no encontro do acaso a dor repartida – cem mil vezes repetida. E se um dia no passado esmaguei minha cabeça contra a parede, tu ontem abraçaste o chão.
Dizem que o mundo é perfeito. Se assim não sentimos é somente porque não vemos as coisas como elas são.
Se penso em Deus quando mal te sustentas, se invento que és anjo e não te vejo asas, é porque procuro o paraíso fora de mim.
Quando saires deixa a porta aberta. O vento é de sudeste – são os ventos elísios. Seja esta a casa que deixas, lugar onde repouso, abrigo do viajante desconhecido.
Seja esta casa o abrigo de um beijo na face que descansa tímidamente nos lábios.
quarta-feira, 23 de junho de 2010
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Contos deliciosos.Onde foi a "caçadora de estrelas" descobrir o Aloísio? No nosso caso não será mais heloísio?
ResponderEliminarSabes que não faço a menor ideia? Entro em transe (vuhhhh, não sou responsável por nada do que escrevo (sorriso).
ResponderEliminarAcho que tens mesmo razão Heloísio!