Carlos Luna
Segue-se um poema que não é de Caetano José da Silva Souto-Maior, mas sim de Francisco de Pina e Melo, elogiando o Escurial e o Panteão dos reis de Espanha. Tem interesse, porque Caetano José fará outro em relação com este.
Que intenta esta soberba arquitectura
com tão régio, marmóreo luzimento?
Se mostra aqui distinto o nascimento,
erra, que é tudo igual na sepultura.
Por mais que doure a face à morte escura
nunca há-de desmentir o monumento;
que vale o resplendor do fingimento
aonde existe a sombra da figura?
Quanto mais se mostrar engrandecido
maior espelho oferta à vaidade
vendo-se como é, não como ha(*) sido.
Pois de que serve a fúnebre deidade,
se ainda para objecto do sentido
primeiro está o horror que a majestade?
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(*) arcaísmo já pouco habitual no século XVIII.
Caetano José fez o seguinte poema como resposta:
Padrões dedica a infausta arquitectura
à majestade a cinzas reduzida,
que sempre da grandeza destruída
alguma parte nas relíquias dura.
Da régia dignidade a sombra escura
até no último horror "esclarescida",
se não chega a eximir do estrago a vida
pode honrar no diadema a sepultura.
Na urna o ceptro, melhorado o efeito,
faz com que triste advirta o peito humano
as cinzas, que se intimam no preceito.
Que importa pois que brilhe o jaspe ufano,
onde toda a vaidade é só respeito,
e é somente respeito o desengano?
Poema a uma dama que foi ingrata com o seu amante e que chorava muito
por o ver ofendido (nota: este poema não foi publicado no século XIX,
nem no XX, por ser considerado, sabe-se lá porquê hoje em dia, erótico!)
Tarde de ingratidão, Clori(*), despertas,
pois, trocando à piedade hoje o conceito,
se ofendeste com erros o meu peito,
sentindo os meus estragos, desacertas.
Vê que em mim podem ser penas mais certas
feridas d`alma, que, com nobre efeito,
o coração em lágrimas desfeito
pelos olhos te mostras sempre abertas.
Se entre chamas terríveis me arrebatam
de amor, e emulação ardentes lumes,
pouco, oh Clori(*), outras queixas me maltratam.
Erras, se morto acaso me presumes,
que imortal devo ser, poi não me matam
nem os teus olhos, nem os meus ciúmes.
________
(*) Clori: deusa grega das flores; significa "a mulher".
Soneto a uma dama "rigorosa", na qual se notam paixão e melamcolia.
Divina, Filis(*) bela, eu te agradeço
dos teus rigores a contínua instância,
que antes, meu bem, da minha tolerância
não merecia o mesmo, que mereço.
Se o meu pesar do teu desdém foi preço,
que adquiriu entre penas a constância,
não quero a dita, quero a só jactância
de que me deves tudo o que padeço.
Não tenho nem temor, nem resistência
aos males, a que o peito não repugna,
indistinta a paixão, e a paciência.
Hoje até a glória me será importuna,
e amor, que fez costume da violência
fará também desprexo da fortuna.
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(*) Filis: mitologia grega, símbolo de amor com final infeliz.
Soneto a uma dama que disparou um tiro (!!!!) contra uma imagem de
cupido, num acesso de despeito...amoroso, claro!
Do seio de Vulcano(*) um golpe ardente
dispara Filis(**) contra a seta(***) ervada,
de um Cupido, que deixa por cortada
alfaia inútil, se troféu pendente.
Mas não foi esta acção porque hoje intente
Filis(**) mostrar-se contra Amor irada,
foi saber se frustrara, estando armada,
golpe que o abismo teme, e que o céu sente.
Rendeu-se Amor ao tiro, e as armas logo
oferta a Filis(**) no mortal desmaio,
em que acha o rendimento desafogo.
Por que se veja no primeiro ensaio,
que se dos corações Amor é fogo,
das almas, e do Amor, Filis(**) é raio!
___________
(*) Vulcano: Deus do fogo entre os romanos
(**) Filis: mitologia grega, símbolo de amor com final infeliz.
(***)Atenção: em português, "seta" significa FLECHA !!!
Soneto dedicado a uma senhora que charava dias inteiros diante da
pintura da mãe, falecida há pouco.
Senhora, esse retrato, esse portento
tanta saudosa dor nunca alivia,
que a memória da amada companhia
não melhora, duplica o sentimento.
Lembrado, o bem perdido é mal violento,
e ofende essa pintura a fantasia;
Não pode ser remédio, é tirania
fazer parcial do dano o entendimento.
Fugi dessa belíssima aparência,
queo pranto justamente vos persuade
que as lágrimas faz crédito de ausência.
E o vosso amor, das cores na verdade,
há-de achar, para abono da impaciência,
a formusura unida com a saudade.
(Continua)
quarta-feira, 30 de junho de 2010
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