terça-feira, 29 de junho de 2010

Caetano José da Silva Souto-Maior, um alentejano na corte de D.João V e uma figura popular de Lisboa - 4

Carlos Luna

Simples curiosidade histórica: sonetos completos - os 22 sobreviventes do oliventino Caetano José da Silva Souto-Maior, o "Camões do Rossio" (1694-1739):

Soneto dedicado à mártir cristã Santa Bárbara, quando era despida pelos seus algozes


Virgem bela, não julgues tirania
ser despojada desse adorno insano;
não se cobre um planeta mais que humano
e despido aparece à luz do dia.

Toda espírito o orbe te advertia,
e o decreto infalível do tirano,
mostrou que em ti, com raro desengano,
no mortal o imortal não se encobria.


A beleza, em que o véu ditas apura
desprezando essas galas infelices (*),
brilha triunfante, resplandece pura.


Jesus foi, não violento que existisses
sem manchas no esplendor da formosura,
porque vestido o Sol padece eclipses.
___________

(*) -Forma moderna: infelizes


Soneto a D. João V (o Rei !), mandando celebrar exéquias do Papa Clemente XI

Túmulo excelso a régia potestade
na morte erige do Pastor Romano,
qu`o afecto do Monarca Lusitano
excede a vida, e chega à eternidade.

No sentimento empenha a majestade,
pois vendo que da Parca o raio insano
profanou o alto Sólio Vaticano
a obediência converte hoje em piedade.


Das cinzas frias à memória rara,
na funesta, magnífica estrutura,
Triunfo, ´inda que fúnebre, prepara.


Pois nesse altivo mausoléu procura
que pareça o respeito da tiara
ornato, e não despojo, à sepultura.

Soneto dirigido ao príncipe, por ocasião do beija-mão

Da Líbia ardente o morador adusto
teme o ver-me, senhor, de vós honrado,
pois nessa mão se admira vinculado
de Lísia (*) o bem, da Mauritânia o susto.

Receia que esse braço, sempre augusto,
dos portugueses todos adorado
seja com vaticínio antecipado
pródigo de valor triunfante, e justo.


Conhece que os turbantes orgulhosos
cheguem, senhor, a ter tantos perigos
quantos tendes agrados decorosos.


Publique a minha dita os seus castigos,
que a mão, que fez vassalos venturosos
é o mais certo terror dos inimigos.
___________

(*) figura mitológica greco-latina

Soneto a uma Senhora nobre que fugiu para Espanha com um Marquês,
tendo-se depois arrependido e recolhido a um Convento

Esse claustro, em sagrada penitência,
pio te esconda, oh bela criminosa,
econverta-se em sombra a luz formosa
que ardeu nos sacrifícios da indecência.


Tolera da prisão toda a violência,
perdida já a nobreza generosa,
fique ainda entre a culpa indecorosa,
benemérita, ao menos a paciência.


Principia a morrer nessa clausura,
encobrindo um descrédito infinito
no antecipado horror da morte obscura.


Mas, oh!, se em ti, por último conflito,
como vai sendo a vida sepultura,
chegasse a ser cadáver o delito!


(Continua)

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