quinta-feira, 3 de junho de 2010

Criança - uma obra em aberto

Clara Castilho

Só remediamos? Não prevenimos?

A propósito da realização do Fórum Europeu da Saúde 2010, da Fundação C. Gulbenkian, dedicado à saúde mental (28.Abril – “Prevalência e impacto dos problemas de saúde mental na sociedade actual; 19 de Maio – “Saúde Mental: novas respostas”; 14 Outubro – “Saúde Mental: desafios para o futuro”) ocorrem-me algumas reflexões:

Temos visto que se fala, sobretudo, de “sintomas”, que somados dão quadros psicopatológicos, contra os quais é preciso intervir – quer medicamentosamente, quer com consultas psicoterapêuticas, quer a nível de cuidados de saúde primários, quer a nível hospitalar.

O conceito de “prevenção” quase não aparece.

Quanto a este assunto, lembro as intervenções de João dos Santos, quer na sua prática, quer nas suas publicações.

Quando, em 1965 foi criado o Centro de Saúde Mental Infantil de Lisboa, de que foi Director, este Centro visava “não só o tratamento, como a prevenção, considerada como um dos aspectos fundamentais em saúde mental infantil, conforme os princípios da O. M.S.” (Vidigal,1999). Em 1968, criticava o espírito que consistia em esperar pela idade escolar para adaptar as crianças inadaptadas, não à vida, mas à escola, aquela que as pessoas crescidas inventaram e defendem como sendo infinitamente a melhor para a criança: os próprios serviços de saúde mental procuravam, sobretudo, adaptar a criança à escola. E talvez não só nessa altura…

No PLANO NACIONAL DE SAUDE MENTAL (www.acs.min-saude.pt/2008/09/02/pnsm-re?r=1218) reconhece-se que os recursos atribuídos à saúde mental são indiscutivelmente baixos, se atendermos ao impacto real das doenças mentais para a carga global das doenças.

A prática do dia a dia aponta-nos isto mesmo, com a incapacidade de resposta efectiva por parte dos serviços de saúde mental infantil.

Tenho estado presente, nos últimos anos, nas sessões do Dia Mundial da Saúde Mental. São os doentes psiquiátricos que entopem os hospitais e para os quais são precisas outras alternativas, são os problemas da toxicodependência, etc. De intervenções junto de crianças pouco se ouve falar…

Ora…“A Prevenção em saúde mental tem de fazer-se, básica e prioritariamente, nos primeiros meses após o nascimento, nos primeiros meses após o ingresso na escola primária e nos primeiros anos da escola secundária. Em todos os casos, o que interessa fundamentalmente é o problema da relação da criança com o meio, através das personagens educativas: a mãe, o pai, a educadora, o professor.” ( João dos Santos 1982). Para que não aconteça aquilo para o que Teresa Ferreira (2002) nos alertou: “...Mais tarde remediamos porque não prevenimos na altura própria. As consequências são pois profundamente destrutivas em termos de desenvolvimento da personalidade”.


Pois é. Mas intervir a este nível implica não ser obrigado a contabilizar consultas, nem o tempo que cada uma leva, implica pôr equipas multidisciplinares a trabalhar em conjunto, implica auscultar a comunidade e os utentes, implica ir à procura do risco para intervir precocemente…

Continuemos sonhando.

3 comentários:

  1. Belo text - incisivo, vigoroso, esclarecedor. Sê bem-vinda ao Estrolabio, Clara!

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  2. O titulo - Criança uma obra em aberto
    despertou, pela importância que o tema tem para mim, a minha curiosiodade com a consequente leitura de todo o texto que considero excelente.
    De facto o conceito de Prevenção nunca ou raramente é abordado quando se fala de CRIANÇAS. Tal como diz a Prevenção terá de começar em casa e continuar na Escola, mas a realidade dos dias de hoje, apenas deixa aos pais o tempo necessário para levar os filhos à Escola, ir buscá-los, dar-lhes banho, jantar e deitá-los. Na escola tudo decorre da mesma forma (os professores cumprem apenas a obrigação de ensinar as matérias). QUALQUER PLANO NACIONAL DE SAÚDE MENTAL, terá como diz de passar pela familia e pela Escola. Mas então e a ajuda que deveria ser prestada por quem trabalha no Sector, concrectamente o Centro de Saúde Mental Infantil de Lisboa, que diz ter sido criado em 1965. Ainda existe ? Se sim que tipo de intervenção faz sobre o tema?. Dado tratar-se de crianças e com o conhecimento que me parece ter sobre o assunto, não acredito que seja pessoa que se contente com o "Continuemos sonhando". Julgo que todos ficamos a aguardar a continuidade da sua intervenção sobre o tema.

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  3. Sonhando e agindo, assim espero. Pelo menos eu tenciono!
    Assim que possa abordarei o assunto dos Centros de Saúde Mentais Infantis e sua extinção. Fica prometido! Obrigada pela leitura.
    Clara Castilho

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