Carlos Loures
Cultura e televisão, será que ainda têm alguma coisa em comum? No começo da década de 90, Marlon Brando dizia numa entrevista que já não faltaria muito para que algum «génio criativo» se lembrasse de, num reality show, pôr pessoas a defecar perante as câmaras. Numa roda de amigos comentou-se na altura esta profecia do grande actor e, embora reconhecendo que a qualidade da televisão generalista baixava de ano para ano, pareceu-nos exagerada. Não havia ainda aqui a moda dos reality shows. Quando a inefável TVI lançou o Big Brother, alguns dos mesmos amigos recordaram a entrevista de Brando e começaram a perceber onde ele queria chegar. O nível cultural dos participantes era tão básico, o léxico e o universo conceptual utilizados tão rasteiros, que não exigia grande esforço imaginar qualquer deles a concretizar perante as câmaras a profecia de Marlon, caso tal lhes fosse pedido pela «realização».
Um dia em que, conversando com Mr. Hugh House, director do departamento de cursos de inglês da BBC, me queixava da má qualidade dos programas televisivos em Portugal ele respondeu-me: - Então você não sabe que a principal função da televisão é ser de má qualidade? Estávamos nos anos 80 e eu ainda acreditava que a televisão, meio ao qual me prende um vínculo afectivo, como terei oportunidade de explicar, poderia cumprir uma importante função pedagógica na efectiva criação de uma mentalidade democrática.
Quando, ainda a propósito da entrevista de Marlon Brando e falando dos programas actuais, alegou-se como desculpa a falta de cultura dos portugueses, o baixo índice médio de escolaridade. Alguém disse - «Mas o conceito do Big Brother não é português». E outro recordou - «Há trinta anos, com um índice de escolaridade mais baixo, as ruas das cidades ficavam desertas nas segundas-feiras à noite, pois estava quase toda a gente a ver o Zip-Zip, um programa que, apesar do bom nível do conteúdo era apreciado por uma larga faixa da população. Hoje em dia, as audiências aumentam na razão directa do número de telenovelas que um canal apresenta. Se às telenovelas, geralmente más, se somarem os tais reality shows e uns concursos idiotas, os índices de audiência sobem em flecha. A televisão generalista percorre uma espiral descendente – os canais na sua fúria de competirem na guerra das audiências, procuram colocar-se ao nível da incultura geral e, nesse esforço de «chegar às massas», com telenovelas tontas, talk shows inqualificáveis, concursos de pseudo cultura-geral, contribuem para o défice cultural dos telespectadores que terão tendência cada vez a preferir programações mais pobres. É sempre a descer.
Sobre este tema, encontramos palavras esclarecedoras num pequeno livro de Karl Popper, um grande filósofo britânico de origem austríaca (1902-1994) – Televisão Um Perigo Para a Democracia: "Por ocasião de uma conferência que dei há alguns anos na Alemanha tive o ensejo de conhecer o responsável de uma cadeia (de TV) que se deslocara para me ouvir juntamente com alguns colaboradores. (...) . Durante a nossa discussão fez afirmações inauditas, que se lhe afiguravam naturalmente indiscutíveis. «Devemos oferecer às pessoas o que elas esperam», afirmava, por exemplo, como se fosse possível saber o que as pessoas pretendem recorrendo simplesmente aos índices de audiência.
Tudo o que é possível recolher, eventualmente, são indicações sobre as preferências dos telespectadores face aos programas que lhes são oferecidos. Esses números não nos dizem o que devemos ou podemos propor, e esse director de cadeia também não podia saber que escolhas fariam os telespectadores perante outras propostas. De facto, ele estava convencido de que a escolha só seria possível no quadro do que era oferecido e não perspectivava qualquer alternativa. Tivemos uma discussão realmente incrível. A sua posição afigurava- se-lhe conforme aos «princípios da democracia» e pensava dever seguir a única direcção compreensível para ele, a que considerava «a mais popular». Ora, em democracia nada justifica a tese deste director de cadeia (de TV), para quem o facto de apresentar programas cada vez mais medíocres corresponde aos princípios da democracia porque é o que as pessoas esperam. Nessas circunstâncias, só nos resta ir para o inferno!» Um inferno ao qual vamos descendo, abandonando toda a esperança, como preconizava Dante, sempre que accionamos o comando. Um inferno onde vale meter todo o lixo.
Já para não falar nas manipulações…
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Nota: Tendo mostrado um momento alto do Big Brother português, preparava-me para ilustrar este texto com um outro vídeo da 9ª edição do Big Brother italiano - Grande Fratello - que foi emitida em 2009. Um concorrente ameaça defecar em frente das câmaras (“Allora io adesso mi metto a cagare e pisciare qui in giardino, va bene? ” ). O vídeo não pode ser reproduzido, mas está disponível no You Tube. A profecia de Marlon Brando, não era, afinal, tão exagerada quanto parecia.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
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