Manuela Degerine
Capítulo VI
Etapa 3, da Azambuja a Vila Franca
Primeira parte
O pinhal da Azambuja mudou-se.
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra
Saio dos bombeiros às seis e meia da manhã. Prevejo um dia de caminhada através do campo – se não me perder. A aventura de ontem impõe-me esta regra que, daqui em diante, respeitarei com rigor: logo que me sentir perdida, retrocedo até ao ponto em encontrei a última indicação certa e segura.
A etapa de hoje é de trinta e dois quilómetros. Para já: são dez até Reguengo. Atravesso para o outro lado da estação, avanço à beira de uma estrada sossegada, passo numa ponte, encontro o caminho arenoso com a ajuda de setas amarelas que mãos caridosas, diria quase carinhosas, sem vandalismo, pintaram nos postes de electricidade. Este caminho não pareceria desagradável, não fora o rio malcheiroso que o acompanha... Aliás rio malcheiroso tornou-se nesta região um pleonasmo. Se há água, na melhor das hipóteses, tem que ser mal-cheirosa e, em muitos lugares, como ontem, na estrada para Castanheira do Ribatejo, nem se pode já chamar água àquilo: no espaço onde devia correr água grudou-se uma pasta negra como o petróleo. O caminho alarga-se, piso um pavimento com grandes lajes de pedra, entre canviais. Avisto uma quinta. Surgem os primeiros campos de tomate mais ou menos apanhado. Poder-se-iam encher camiões com o tomate e os marmelos que, ao longo do dia, vejo abandonados pelos campos ou à beira do caminho. O resto são canaviais. O pinhal?... É evidente que também não se mudou para aqui.
A temperatura é fresca, o entusiasmo grande, o bem-estar intenso, sinto a mochila leve, tudo corre pelo melhor até ao momento em que, após hora e meia de caminhada, começo a sentir sede. Poiso a mochila, bebo água, como as primeiras bolachas vitaminadas, mais um pedaço de chocolate preto. Volto a pôr às costas a mochila, porém escorrega-me uma alça, fica todo o peso suspenso na outra – que se parte. Não a alça propriamente, que aguenta muito mais peso, mas o parafuso que a unia ao saco. Fito a mochila com a maior perplexidade. Não é possível... Outro defeito do equipamento? Outra traição das técnicas experimentadas em laboratórios? Peço a esta mochila duas únicas qualidades, ser leve e resistente, avaliei todos os pormenores excepto este, não desconfiei da qualidade dos metais. E agora? Se com as duas alças e o cinto, o peso bem distribuído e assente nas ancas, eu tenho dificuldade em transportar o meu fardo – como é que posso continuar? Abandono as bagagens? E o que visto nos próximos dias, onde durmo, o que bebo?...
Angústia crescente. Que fazer?
terça-feira, 1 de junho de 2010
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Todos os dias de manhã acordo com essa angústia. E se o esquentador não funciona?
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