Manuela Degerine
Capítulo XXIX
O Serviço Nacional de Saúde
Dirijo-me ao centro de saúde da Mouraria em Janeiro, quando por fim obtenho o novo bilhete de identidade da minha mãe. A qual continua acamada. Consegue, com esforço, amparo e, por vezes, algumas quedas, ir da cama para o cadeirão. É impossível ela viver sozinha em Queluz e eu, depois da agressão que sofri à entrada do prédio, também não me sinto com ânimo para lá ficar. A minha mãe reside portanto agora na minha casa, por isso transfiro-a do centro de saúde de Queluz para o da Mouraria.
Ora ela não era diabética antes do AVC mas agora é; no hospital recomendaram-me que fosse ao médico de família levando uma carta do hospital e pedisse o atestado que lhe garanta a gratuidade do tratamento. É o que eu faço.
Sou recebida aos berros.
- Não tenho aqui nada!
O centro de saúde de Queluz ainda não enviou o dossier da minha mãe. Quando lhe explicam o fenómeno, a médica lança na minha direcção:
- Quer o quê de mim?
Porém recusa-se a ouvir. Não olha para os relatórios, radiografias e outros exames que apresento. Não está ali para assinar em rectângulos brancos, afirma ela, trabalha com pessoas e não com papéis – também não se dispõe a fazer uma visita domiciliária. Eu insisto na necessidade daquele atestado, ela continua aos berros, chama-me estúpida, já devia ter percebido.
- Não anda aí a limpar escadas, pois não?
Avança na direcção da porta. Não pode chamar o doente seguinte; não havia mais ninguém na sala de espera. Eu não me levanto. Tento acalmá-la. A senhora doutora tem razão mas a minha mãe precisa do atestado. Continuo sentada. Ela exalta-se cada vez mais. Eu teimo pensando: daqui a pouco, com tantos gritos, entra o segurança. Contudo, talvez habituado, ele não aparece. A médica também não se lembra de o chamar e, quando conclui que, de outra maneira, não se desembaraça de mim, acaba por passar os requeridos documentos.
Já os tenho na mão, devera agora desandar, zarpar de uma vez por todas, não pôr mais aqui os pés, uma miséria lá fora, entre drogados e prostitutas, esta violência aqui dentro. Inquiro o que devo fazer. Ela volta a ofender-se.
- Isso é trabalho de secretaria! Sou médica, não percebeu?!
Caíam-lhe os parentes na lama se explicasse o uso e funções do “Guia da Pessoa Com Diabetes”.
Eu sinto-me cada vez mais perplexa. Então os utentes do Serviço Nacional da Saúde têm que aturar isto?
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Inacreditável! No consultório privado está muito mais calma!
ResponderEliminar