Carlos Leça da VeigaQue garantias para os direitos sociais?
De facto, a dependência político-económica do país, ao contrário do que devia ser, não é formal, convincente e decididamente condenada na letra da actual Constituição da República e, também, em nenhuma das suas disposições há uma qualquer formulação taxativa na determinação indubitável de tudo dever fazer-se para o seu completo impedimento. No seu Artigo 9º está escrito que são tarefas fundamentais do estado, entre várias outras, a de “garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam”. Desde logo garantir é muito diferente de estar obrigado e, depois, criar as condições nada diz sobre a imposição estrita de criá-las e, por igual, de criá-las em que prazo e, sobretudo, com que dimensão. E quais destas condições e dos seus resultados, tantos anos passados, já foram vistos ser implementadas e, como mais interessa, implementadas com carácter absoluto e irreversível?
Como é fácil observar-se, a Constituição da República Portuguesa contempla tanto os direitos formais como, também, aposta – e aposta com muita ênfase – na enunciação dos direitos sociais promocionais. Se, por um lado, não pode aceitar-se – e muito bem – que a perenidade e a garantia dos primeiros possa sofrer quaisquer restrições, antes pelo inverso, em quaisquer condições, até deverão de ser objecto de todos os reforços e de possíveis ampliações, por outro lado, os direitos sociais promocionais, ao contrário dos formais, não estão total e inequivocamente assegurados e esses, a avaliar por quanto é dedutível do texto da actual Constituição portuguesa, ao contrário do desejável, acontece ficarem entregues ao sabor das conveniências estratégicas e tácticas das maiorias parlamentares, isto para não falar do poder decisivo – que faz sentir-se – das ingerências alienígenas. A incongruência é evidente e a bastante para classificar mal o regime político em que temos de viver. Democrático é que, de verdade, não pode chamar-se-lhe.
Esta circunstância inaceitável só pode demonstrar que não foi atingido o objectivo constantemente anunciado de viver-se em Democracia. Em primeiro lugar, por não ser possível que, de facto, os primeiros direitos possam considerar-se como realizados quando os segundos não tenham conquistado todas as posições e garantias que a civilização democrática actual tem de exigir. Em segundo lugar porque os segundos daqueles direitos só podem ter a sua concretização plena e efectiva quando os primeiros forem uma realidade e, na verdade, nestes últimos, há aspectos muito importantes em que o não são. Por exemplo, quem é eleitor não pode ser eleito caso não pertença ou tenha o favor dum partido político, isto é, de quem nele manda, isto é, de quem, de fora, nele tudo decide e, também, outro exemplo, aliás já atrás referido, é o da inexistência de círculos eleitorais uninominais, uma circunstância que é mais outro condicionalismo a funcionar como uma amputação – uma castração – da livre iniciativa política dos Cidadãos. A este propósito deve citar-se uma autoridade na matéria como é o Professor Bernardino Bravo Lira, da Universidade do Chile que escreveu «E – o que é a chave do sistema – o eleitor depende do eleito. Como sabemos deve-lhe uma submissão incondicional, ainda que tenha votado por outro ou que nem sequer tenha votado» e, logo em seguida, cita que «na expressão de Duverger só se pede aos cidadãos que repartam as cartas e designem os jogadores, ao mesmo tempo que são excluídos do jogo».
Se os artigos da Constituição atinentes à organização do poder político e muito em especial aqueles que dizem respeito aos Órgãos de Soberania tivessem sido redigidos com a fluidez e imprecisão que sobressai da leitura daqueles outros destinados à salvaguarda tanto dos direitos e deveres económicos, como dos direitos e deveres sociais e, também, dos direitos e deveres culturais ver-se-ia como era impossível a organização do Estado. Se, à semelhança com quanto consta para estes últimos direitos e deveres, para aqueles outros referentes aos Órgãos de Soberania os termos das suas definição, eleição, elegibilidade, candidatura, data da eleição, competências, etc., etc., tivessem sido contemplados com, apenas, o mesmo cuidado oferecido àqueles direitos promocionais, então, como funcionaria o estado? Estaria escrito, por exemplo, que o Estado Português tem o direito de ter um Presidente da República, que deve ter uma Assembleia Legislativa, que é preconizada a existência dum Governo, ou que, mais outra hipótese, é promovida a existência de Tribunais, em suma, direitos que deverão – apenas, deverão – ser assegurados pelo Estado ao qual incumbe a sua promoção – apenas a sua promoção! Que razão haverá para que todos os direitos sociais, em última análise, estejam dependentes da vontade programática mais ou menos interveniente do Legislativo e do Executivo Nacionais e só aqueles outros dos direitos de primeira geração estejam submetidos – e muito bem – ao rigor e à precisão quase milimétrica dum lote imenso de artigos constitucionais? Se os limites determinados pelas maiorias parlamentares, ou pelos Governos, para o direito à assumpção dos benefícios da Educação, da Saúde, do Trabalho, da Segurança Social e da Habitação, entre nós, podem ser objecto circunstancial de avaliação, redução ou aumento, então, por exemplo, aqueles de liberdade de opinião, de reunião ou de associação – para citar só uns – também deveriam estar sujeitos a condicionantes idênticas e, desta maneira, qualquer maioria legislativa poderia determinar a sua redução ou aumento, mesmo à revelia dum declaração prévia dos estados de sitio ou de emergência. Que razões haverá para tantas contradições? Onde está a equidade?
«O que parece esgotado não é o Estado, naturalmente, mas sim as suas formas constitucionais que o mantêm enclausurado segundo esquemas mentais do século XVIII», como, assim, foi escrito pelo Professor B. Bravo Lira e vem inserto na «Teoria do Estado Contemporâneo», de Fevereiro de 2003.
No caso duma maioria parlamentar absoluta constituída à custa dum só partido, o que, no caso português, como regra, não será mais que um facto meramente circunstancial e excepcional, por isso mesmo, não devia poder autorizar-se que prosseguisse com efeitos políticos durante quatro anos sucessivos sem ser sujeita a verificações intercalares, por si, capazes de poderem aferi-la. Na situação de ditadura – não pode dar-se-lhe outro nome – duma maioria absoluta formada à custa dum só partido político, a Presidência da República, na ausência de qualquer aferição eleitoral intercalar e para, pelo menos, protecção dos seus próprios eleitores, deveria vetar a promulgação de “qualquer decreto” para além daqueles já previstos no número 3 do Artigo 136 “bem como dos que respeitem” às suas alíneas a), b) e c) para saber da possibilidade, ou não, de, na circunstância, mercê dalgum acordo parlamentar negociado, poder vir a verificar-se uma nova aprovação, agora, tornada realmente válida por ser a deliberação duma maioria de dois terços dos deputados parlamentares que não, pelo poder discricionário da maioria absoluta dos deputados dum só partido, esses mesmo, como regra, coagidos a votar em uníssono pela força da disciplina partidária imposta pelo “chefe”.
domingo, 13 de junho de 2010
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A ligação ( no caso, não ligação) do eleitor/eleito é de uma importância fundamental, mas não vejo vontade política de a implementar.
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