Ethel Feldman
Inventou o silêncio antes de me dar o bom dia. Sentou-se. Olhou em volta. Olhou-me. Devagar, afagou minha cabeça, distraído sorriu. Do lado de fora, depois da janela, o Inverno queimava toda a colheita de outrora.
Acordei sorrindo com a minha descoberta:
- Acho que mudei de estação…
Com um olhar vago abanou a cabeça afirmativamente.
- É Inverno e eu estou na Primavera. Não fui eu que inventei o tempo. Este aqui onde estou é o meu, sem dias de ano novo, nem fatias douradas, ou bolo-rei. Prefiro mil vezes a flor da amendoeira. Agora existem sempre romãs doces e vermelhas por dentro…
Abraçou-me. Exausto silenciou minha boca com um beijo. Ainda tentei desfazer-me dos lábios que me impediam de falar, mas ele delicadamente impediu-me. Seu braço pesado esqueceu-se do abraço em mim. Devagar olhei em volta. Devagar olhei para o chão coberto de folhas rabiscadas. Desenhos ou letras, pouco importa. Nada se lia. Já não havia mais nada a escrever.
Na noite passada ele tinha brilhado no palco. Cantou todos os seus poemas. No regresso à casa, abracei-o sem nunca dar conta do seu cansaço. Enrolei meu corpo no dele como se fosse meu e nunca vi seu olhar vago procurando a janela do lado de fora.
Esteve aqui em todas as estações do ano, entre o palco e a folha branca preenchida até não restar o branco.
Na manhã em que descobri a Primavera, antes de partir, mostrou-me seu corpo tatuado. Em todo o pedaço de pele li: “Depois de tudo resta o tédio”.
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domingo, 13 de junho de 2010
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Morre-se de tédio?
ResponderEliminarDe alguma forma sim. O que achas?
ResponderEliminarNo sentido fisico acho que não, mas morrer de tédio por uma tarde, acho que sim.
ResponderEliminarTemos um leitor de Coimbra que está permanentemente ligado ao estrolabio.Deve estar a morrer de tédio.Neste sentido acho que sim (nós somos bons mas não ter mais nada que fazer...)
ResponderEliminarDeixem o Fernando intrometer-se no vosso diálogo:
ResponderEliminarTudo menos o tédio, me faz tédio.
Quero, sem ter sossego, sossegar.
Tomar a vida todos os dias
Como um remédio,
Desses remédios que há para tomar.
Tanto aspirei, tanto sonhei, que tanto
De tantos tantos me fez nada em mim.
Minhas mãos ficaram frias
Só de aguardar o encanto
Daquele amor que as aquecesse enfim.
Frias, vazias,
Assim.
O Fernando tem esse inconveniente. Diz tudo, e sem discussão lá vem o tédio...
ResponderEliminardescanso no poema dele "fria, vazia, Assim"...
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