terça-feira, 15 de junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 29

Carlos Leça da Veiga

Por onde andou a imaginação dos Constituintes? Tê-la-iam?

A República actual, tal como a Primeira, por sua inconsequência, optou pelo parlamentarismo à europeia e não pelo presidencialismo à americana, afinal, no tempo, uma revisão acertada do primeiro pese embora tenha o inconveniente de prosseguir com a manutenção, que deve reputar-se de indesejável e obstinada, de impor o exclusivo do regime representativo e com esta atitude não dar azo – como deveria dar – à introdução, em paralelo e simultâneo, de eleitos compelidos a uma obediência linear ao mandato imperativo com o que, assim, começar-se-ia a suavizar o poder absoluto dos representantes no legislativo a quem, em definitivo, desde 3 de Novembro de 1774, depois do «Discurso aos Eleitores de Bristol» proferido por Edmund Burke, nada obriga a respeitarem quanto possam ter prometido aos seus eleitores.

Essa revisão acertada do modelo parlamentar substituído, então, pelo presidencialista foi obra do pragmatismo político, do espírito montesquiano e do sentido de equidade dos fundadores dos Estados Unidos da América do Norte (EUAN) que, num momento de mudança tão drástico como aquele que viviam e iriam viver, compreenderam que a sua nova História, não se coadunava com quanto a monarquia inglesa já lhes tinha dado sentir. A revolução norte-americana era um facto político arrojadíssimo, uma enorme transformação no todo mundial com, desde logo, reflexos internacionais muito perceptíveis e significativamente influentes. Assim, na maior das lógicas, não deveria servir-se – e muito bem – dum modelo constitucional insuficientemente democrático por muito que, já então, mas de forma errada, na Europa, quisesse insistir-se em querer classificá-lo de democrático. Um chefe do estado – no caso inglês, um monarca – sem voz activa cujo poder estava entregue nas mãos duma elite sócio-económica todo poderosa, não menos discricionária e toda concentrada nas decisões parlamentares e nas da política de gabinete a par, também, não menos atentatório, da correlativa falta de separação das funções que traduzem o poder do Estado. Os cidadãos norte-americanos que foram os fundadores do seu estado, na defesa esclarecida das suas vantagens próprias e, por igual da necessidade do desenvolvimento evolutivo do pensamento político do seu tempo – uma matéria política importante que devia ocupar a atenção permanente dos Cidadãos – decidiram-se pela atitude que é mais recomendável para todos quantos tenham e devam enfrentar, com sentido da sua independência, uma situação política inteiramente nova. Para mudanças políticas significativas, mudanças constitucionais significativas e não repetições bafientas. Entre nós, assim, não aconteceu. Repetiu-se o que devia ter-se esquecido.


O 25 de Abril, para a população portuguesa, não foi um acontecimento de mera rotação do poder político – é preciso não esquecê-lo – mas sim a promessa indiscutível duma imensa reviravolta na vida nacional contudo, para as organizações partidárias representadas na Assembleia Constituinte é que, verdadeiramente, passados já tantos anos, continua a não conseguir saber-se o que foi e quanto significou. Benefícios próprios, isso quiseram e, como está à vista, têm conseguido!

Há quantos séculos e bom grado passadas tantas transformações sociais é que, na Europa, as suas várias constituições políticas mantêm, desde sempre e ao arrepio dos acontecimentos mais transformadores, o mesmo modelo tal como foi herdado da tradição inglesa que, já a seu tempo, não tinha autentica correspondência sociológica. Terá cabimento esta monotonia constitucional? Que vantagens encobrirá?
Não será, apenas, um modelo de conveniência posto ao serviço dos interesses dum qualquer grupo social dominante, por exemplo, aquele dos possidentes? Apenas mudar qualquer coisa para que tudo fique na mesma; Lampedusa dixit.

Quem é que, municiado por interpretações filosóficas e doutrinas politicólogas tidas por substantivas, afirma a todo o momento e quando lhe convêm, que, agora, nos tempos que correm, as coisas são diferentes do antecedente – que a História, dizem eles, nunca tem repetições – mas, depois, insiste no mesmo adorno constitucional como resposta válida, afinal repetitória, ao que reputam de diferente?

São os mesmos que, depois do 25 de Abril e da Descolonização – na História portuguesa, uma tremenda alteração sócio-política – lá no fundo, só desejaram e pensaram que, mais tarde ou mais cedo, tudo haveria de ser como dantes – era o que lhes convinha – e entenderam que uma Constituição igual, ou quase igual, a todas as outras em uso no continente europeu, era a solução mais vantajosa. O sentir sócio-político do velho e estafado jacobinismo da Primeira República voltou a atacar!

“Na própria sociedade em que vivemos, trabalhada secularmente pelos combates democráticos e pelas exigências da argumentação partilhada e do livre-exame, está muito longe de ser adquirida a ideia de que, sendo a sociedade criação humana, nos compete elaborar conscientemente as suas instituições, assumindo que se a instituição em geral é uma necessidade, não há instituições que tenham de ser e permanecer necessariamente o que são”. O conteúdo deste pensamento da autoria de Miguel Serras Pereira, publicado em 2001, na revista “Ideia” , anos atrás, em 1975, já não podia deixar de ser conhecido ou, tão-somente, pressentido pelos Constituintes para, nessas condições, não terem feito uma obra constitucional tão despida de valor democrático, quero dizer, de valor democrático para a maioria da população portuguesa, que não, para as estruturas partidárias e para as personalidades socialmente mandantes.

Acrescente-se que a Constituição da República aprovada em 1976, sofreu, necessariamente com a alteração política – a famigerada, porém, indesejada musculação da democracia – trazida pelo 25 de Novembro de 1975 e cujos objectivos mais ambicionados, como saltou à vista – a pax ianque – foram concertados ou negociados, directa ou indirectamente, com, e entre, os maiores e mais antagónicos partidos parlamentares de tal modo acabou por liquidar as esperanças de Abril.

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