sábado, 26 de junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 39

Carlos Leça da Veiga

O substrato mafioso do neoliberalismo económico

Num discurso nacional começado a afirmar-se, com toda a razão de ser, por alturas da governação joanina do século XVIII, muito vivificado no consulado pombalino e, mais tarde, sem a razoabilidade e a oportunidade mais exigíveis, tornado num discorrer reiterado, insistente e desmesurado era reclamada a necessidade imprescindível duma pronunciada renovação da vida portuguesa que, conforme afirmado e reafirmado era, como continua a dizer-se, uma necessidade nacional irreprimível e inadiável, face ao que, já lá vão dois séculos, passou a ser designado ora por decadência nacional, ora por atraso nacional.

Embora nada deva opor-se, bem pelo contrário, ao inquestionável desiderato nacional de, a todo o custo, querer buscar-se para a sociedade portuguesa, com afinco máximo, um desenvolvimento político, económico, cultural, ambiental e social passível de poder reconhecer-se como justo, digno, saudável e democrático, importa contrariar-se sem receio – como não tem acontecido – um mero crescimento económico imaginado – como tem acontecido – primeiro sob o signo da modernidade, anos depois sob os auspícios do modernismo ou, como nos dias de hoje, sob o clamor europeísta e dum modo um tanto possidónio, da modernização.


Importa defender-se que o maior objectivo antevisto e proposto deva ser o da procura duma efectiva justiça social distributiva, fácil de reconhecer-se e que, para assim poder considerar-se, tem de estar assegurada por um caminhar sustentado numa Democracia verdadeiramente participada que ofereça as máximas possibilidade de realização do ser, do ter e do saber. Importa, também, que esse caminhar não seja alicerçado, como tem sido tentado, inconsequente e sucessivamente, desde o alvor da República, na transitoriedade dum positivismo filosófico posto ao serviço do jacobinismo político, na entrega do país aos ditames inconcebíveis duma ditadura fascista, na subserviência vergonhosa, como o foi, face a quaisquer dos dois expansionismos imperialistas em disputa ou, ainda, como tem sucedido nos últimos anos, nos sustentáculos economicistas rendidos à omnipotência do mercado neoliberal que se, ao longo de muito tempo, conseguiu permanecer servido por um racionalismo de sabor romântico, agora, nos últimos anos, a acompanhar de muito perto as imposições da multilateralidade política europeia, aparece enroupado com tiques um tanto messiânicos que, todos eles, uns após outros, ao falharem, acabaram por revelar o seu substrato mais verdadeiro, de sobejo, o mafioso.

Aquilo que para o futuro dos portugueses e das portuguesas deverá ser uma necessidade programática indubitável e premente, tem de ser escorado – para que não claudique – nas exigências dum pensamento dialéctico que só ele é susceptível de formular, por devir, um projecto de desenvolvimento autodinâmico capaz de ter em permanência e em linha de conta, sem hesitar, acima de tudo, a evolução histórica do país. Tem de reconhecer-se, que desde o término da sua hegemonia mundial, nos finais do quinhentismo, Portugal, pela mão das suas classes sociais dominantes e à revelia dos interesses da arraia-miúda, tem sofrido múltiplos e variados atropelos inclusive retrocessos que, quantos deles, dir-se-ão muito gravosos, porém, nada aponta no sentido de não ser possível e muito desejável querer repará-los ou, apenas, de tentar querer fazê-lo. Actualizar o país com a Democracia que não tem havido e considerar garantida, sem apelo, a equidade social mais imprescindível é, sem margem para dúvidas, a tarefa mais premente e a que tem de tornar-se no escopo dum novo estatuto constitucional capaz de fundar uma Terceira República.

Na ânsia da chamada “modernização” (um mero crescimento económico produzido a qualquer preço e sem olhar à justeza da sua redistribuição) tem sido esquecido, como continua a fazer-se que, Portugal, com séculos duma continuidade histórica, boa e má – coisa que, agora, não vem ao caso – tinha e deve ter ao seu serviço, como qualquer Nacionalidade, as particularidades estratégicas e de circunstância reconhecidas como as mais aptas, umas e outras, para afirmarem a defesa intransigente do seu legítimo percurso histórico e da sua própria evolução política, embora – como deve ser e por sua vontade expressa – uma evolução aberta ao mundo na tarefa nobre de defesa da Paz mundial e na do entendimento solidário de todas as Nacionalidades.

(Continua)

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