quarta-feira, 30 de junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 43

Carlos Leça da Veiga


Só Portugal é que não podia ter colónias?

Entre 1808 e 1850, Portugal foi vítima de transtornos políticos não só memoráveis como, também, dum vulto tal que arrasou, com um imenso significado e consequências irreversíveis, o património económico nacional. Continua a ser difícil compreender-se como conseguiu sobreviver ao cariz gravoso – imensamente gravoso – das circunstâncias subsequentes e, apesar de tudo, ter conseguido sair, com certo donaire, dos descalabros político, económico e social em que, sucessivamente, teve de viver.

A agressão militar da França napoleónica cujas acções de pilhagem deixaram marca indelével para todo o sempre têm de somar-se várias outras vicissitudes, todas muito perturbadoras, inclusive criminosas, como tenha sido a sujeição ao despotismo duma década de ocupação militar inglesa, como foi a imensa alteração económica causada pela inevitável independência do Brasil, como foi a traição da “Abrilada” e o seu repugnante miguelismo absolutista a exigir, como aconteceu, a consequente guerra civil entre 1832 e 1834 para, depois, até á regeneração em 1850, o país ter passado a ser vitimado por quanto ficou consagrado como “devorismo”, nele incluído os desmandos do “cabralismo” e os episódios fratricidas, imensamente debilitantes, da guerra da Maria da Fonte em 1846, como, depois, em 47, da guerra da Patuleia, qualquer das duas acabadas às mãos dos interesses do exterior, para tanto coligados.


A política nacional portuguesa – sempre vigiada de perto pelo imperialismo do “aliado” inglês – foi vitima de distorções ou de interpretações paroquiais com cujas, por necessário, falharam – teriam de falhar – as várias tentativas de intervir com autonomia política, bom grado, aceite-se, as suas boas intenções. As obras públicas do fontismo, por exemplo, se foram, de facto um beneficio inquestionável para o património nacional português, foram, em especial, um bom negócio para os estrangeiros que por cá vieram construí-las, instalá-las e explorá-las porém, bom grado tanta obra pública e tanta “modernização”, a emigração para o Brasil, bem vistas as coisas, tornou-se, na realidade, a única saída satisfatória para um contingente imenso da população que, jamais deverá esquecer-se, anos a fio, foi o produtor efectivo das remessas financeiras capazes de compensarem os gastos nacionais com as importações, uma compensação financeira de tal modo significativa, que permitiu um viver descuidado na inconsciência duma possível crise nacional de bancarrota. O historiador Oliveira Martins deixou escrito que na opinião dos capitalistas estrangeiros “Portugal pareceu por largos anos um bom país a explorar, e as bolsas estrangeiras, passando a esponja do esquecimento sobre as bancarrotas passadas, abriram os seus cofres”.

A economia do País – a que interessa, a da arraia-miúda – andou para trás e, anos após, ainda na Monarquia, quase paralisou para, depois, com a República, num novo assomo de “modernidade”, entender-se dever fazê-lo no convívio social com os vários dirigentes políticos do ocidente europeus enquanto cinquenta e cinco mil portugueses conheceram horrores inimagináveis ao obterem a sua “modernidade” na agrura das trincheiras da Primeira Grande Guerra com o que, resultado brilhante, exauridos os cofres do Estado, sem ganhos significativos no crédito político internacional, aos seus dezasseis anos de vida, a República haveria de ser liquidada pelas consequências nefastas do 28 de Maio de 1926 para, depois, durante os cinquenta anos de fascismo e da sua obra de “modernismo”, aqui e nas colónias, o País não só ficar amordaçado como, triste sina, a ser forçado a uma emigração desmesurada, a ter mortos e estropiados numa guerra injusta de treze anos para, no seu fim, aliás muito feliz, quando era esperado desistir-se da prática saloia de ter-se a todo o custo, uma “modernidade” ou um “modernismo”, copiados do que era feito lá fora, nada disso aconteceu e, ao seu invés, como está à vista, tudo tem sido gasto numa montagem da “modernização” – tão querida do montanheiro – cujos resultados consequentes, falaciosos no mais essencial, dão medida do recuo pronunciado do posicionamento do País conforme verificado em variados indicadores económicos e sociais.

Na realidade, a perspectiva daqueles racionalistas que, entre nós, reclamava a tão proclamada necessidade de “ser-se moderno” (uma cópia em pequenino do que era visto fazer-se nos estados centro-europeus em expansão) só teria tido razão de ser caso não fosse, como foi, alicerçada na transitoriedade inevitável dum positivismo exaltado, estéril e inconsequente mas sim escorada num pensamento dialéctico susceptível de levar em linha de conta – goste-se, ou não – a evolução histórica do país.

Já na época pombalina, quando eram agitadas as mais influentes recomendações para acorrer-se ao chamamento e á cópia das práticas políticas, cientificas, comerciais e industriais dalguns estados da Europa central que os intelectuais desse tempo, aqueles apontados como esclarecidos – se o eram – já tinham de ter a obrigação de saber que o passado histórico nacional – um passado imponente com um desmoronar brutal – tinha de ter reflexos inelutáveis e inexoráveis em quaisquer acontecimentos e comportamentos posteriores. Com efeito, tinham de aperceber-se da dificuldade – senão mesmo da incongruência – de ser impossível não levá-los em linha de conta quando propunham mudanças tão avançadas no remanso tradicionário da vida paroquial portuguesa.

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