Raúl Iturra
Nos dias da minha inocência, escrevia estes textos.
Nos dias de hoje as ideias mudaram. Vou lembrar essas palavras, essa minha premoniçao…Especialmente pelos assassinatos na faixa de Gaza pelos hebraicos, que enterraram o seu holocausto, para criar outros…
Com a licença das pessoas que acreditam em Deus. Queiram estimar que o que vou dizer é apenas uma análise do observável na população. Dessa população da qual eu também sou parte. Uma população não apenas portuguesa, mas ocidental e das suas antigas colónias. Com a licença das pessoas que acreditam serem criadas por uma divindade eterna e omnipotente. Uma divindade que dá descanso eterno no prazer do não trabalho, ou trabalho eterno na ira do mau comportamento. Como cientista social, só posso observar o agir dessas pessoas e respeitar a sua forma de pensar e de sentir a existência duma divindade, o que é denominado fé. Fé na existência duma testemunha que observa todos esses agires, desejos e pensamentos. Como se fizesse observação participante dos afazeres de todos, em todo o sítio.
Acreditar que provêm da circulação das ideias entre pessoas ao longo do tempo. Que nasce do que nós próprios observamos como ritual da nossa conduta, como explicação do que pensamos ser correcto. Eu denominaria esta ideia, a lógica religiosa do comportamento. Uma lógica que advém do que nós gostamos de designar como pensamento analógico, ou pensamento retirado do que somos capazes de observar. Um pensamento mímico, que reproduz fora da interacção quotidiana, o ideal do que gostaríamos de viver: eternamente, quer dizer sem tempo; omnipotente, quer dizer fazer sem comprometer o corpo, a saúde, as forças: só com o pensamento. Um pensamento analógico é a lógica orientada pela abstracção do real, em símbolos. O mundo é de interacção, é caótico na sua interacção, é hierárquico na sua interacção, é tendencialmente igual na sua interacção. E, no entanto, socialmente desigual na dita interacção. Caótico, porque há a luta pelo poder. Caótico, porque há a luta pelo ganhar. Caótico, porque é preciso dar nas vistas. Dar nas vistas com a roupa, com os factores que dizem publicamente quanto é que temos, logo, quanto podemos. Caótico, porque um dia ama uma pessoa, para, depois, passarmos a amar outra. Caótico, porque abandonamos. Caótico, enfim, porque subjuga outros pela produção, de que poucos de nós lucram. Para usarmos o que somos como garra de poder. Garra que agarra a opção dos outros, ao nosso pensar, sentir, interpretar. Então se o mundo, na sua interacção é tão caótico, como é que vivemos em paz?
Como é que podemos viver em paz? Queremos viver calmos, serenos, em comunhão de debate, em respeito pelo contexto de ideais e feitos do qual depende o pensamento e o agir do outro. Queremos viver uma vida de qualidade, na qual as nossas acções sejam respeitadas e sábias no pensamento do outro. É o ver, ouvir e calar até sermos perguntados ou solicitados, que vamos procurando na vida. Procura desaparecida desde o dia em que o lucro económico, passou a ser um objectivo que define a paz procurada. Paz procurada na base dos outros fazerem por mim e para mim. E de eu ser capaz de ocupar o meu tempo a tecer pensamentos, observar para decidir, desenhar as cores da pintura que desejo materializar, definir as leis pelas quais o outro e todos os outros, se devem orientar. E administrar a justiça que a minha mente pensa ser fundamental para o convívio sereno que me traz prazer. É o objectivo que tenho vindo observar entre seres humanos de vários continentes e de vários grupos ao longo da minha (comprida) vida, já quase gasta e desejosa de acabar. Não por desilusão, mas sim por abatimento.
Abatimento que todo o ser retira do processo estruturado de proibições que comanda a vida. Processo, conjunto de mandamentos e proibições, a que a mente humana obedece desde os inícios dos anos mil, aquando do surgimento dos manuscritos dos Mandamentos. Que me dizem que aos domingos não devo trabalhar, que devo ser fiel à mãe e ao pai, e leal à companheira. Que me mandam traçar um círculo entre o que é meu e o que é do outro mas, ao mesmo tempo, falam da caridade de dar e entregar tudo o que eu tenho, a todos os que não têm. Um conjunto de contradições para orientar a minha disciplina e conservar o corpo descansado, esse corpo que serve, se estiver descansado, para trabalhar. Para trabalhar para os outros. Um limite entre o meu agir e o agir dos outros. Imitando o que faz bem ao social, fugindo do que não deixa o social em paz, ainda que me apeteça não fugir. Sei que se não fujo desse segundo desejo de desandar pelo mandado, vou ficar melhor, andando que desandando. E andando, demanda de mim a lealdade ao compromisso social. Há esse ver, ouvir e calar e falar só quando for solicitada a minha opinião.
Entender ser uma imagem das ideias que a humanidade me fez herdar, e não o original. O original é que vê, sabe, percebe antes, julga, decide.
Abatimento por estar cansado de debater entre iguais e não acumular riquezas entre seres que disputam, lucram, subordinam, afastam, não trazem o amor a si próprios nem aos demais. Abatimento pelas causas perdidas que cumprir o mandado faz. Cria. Envergonha. Fuzila em vida. Mete a vida numa prisão vital. Prisão dita dourada. Mas é preta. Abatimento das contradições que o amar dá. Que o esperar, dá. Abatimento que me disseram, era vida normal, por amor à imagem que devo imitar para ser bom. Que a política do religioso, denominada Igreja, manipula com os exemplos mais neurotizantes, que a obedecer me manda. É como ver a vida de Ghandi, é como ver a vida de São Vicente, a de Santo António, o Lenho da Cruz que me faz ressuscitar um dia. A mão de Teresa de Ávila, que tanto tempo acompanhou o ditador do país vizinho. Abatimentos por não entender porque são condecorados os que mais matam pessoas, que mais roubam pessoas no salário, que mais exibem a sua capacidade de mandar, de se juntar, conjunturalmente, para se desfazer de quem pensa na persistência do servir. Abatimento, enfim, incutido na catequese que ensina a não dormir pelo temor dos sonhos, a não dizer pelo temor ao compromisso, a não amar com devoção e compromisso a paixão que esbarra nos pensamentos diferentes do meu. E que eu posso bater, por não entender. Enfim, a contradição entre o mandado e o querer fazer. E cuja via é inventar uma fantasia para nunca dizer o que se quer.
Queira desculpar o leitor. Mas, já percebeu que vive num país anticlerical, berço da República? Que confunde a República com o não amar o outro como um igual, como a si próprio? Não reparou o leitor, por acaso, que a República é cristã? E que cristã não quer dizer católica, ou anglicana, ou presbiteriana, ou budista, ou maometana? Já percebeu que a lógica da sua cultura é a lógica do religioso, isto é, da ordem, do caos abatido e ordenado pelos mandamentos? Mandamentos, mesmo no melhor dos ateus, vivem em nós? Quem de nós é poligínico, poliandrico, adúltero, bissexual, mono sexual, ladrão, que penetra o círculo íntimo do outro? Que dessa intimidade do outro, fala em conversas de corredor? E que tem um espelho fácil e simples para poder fazer como melhor entender, e arrepender-se depois, na confissão? E os seus manuais, pelos quais percorre a sua situação ideal para ser (sempre) perdoado? E que ser sempre perdoado é a prática típica do amor ao próximo? Porém, pode-se sempre falar? Queiram desculpar os pais, formados na mais antiga catequese, a de Pio XI, a de João XXIII, e não na do João Paulo II, ou de quem por ele escreveu, mas, por acaso, a disciplina do ser não está na lógica que, sem saber, anda a governá-los? Como governa os seus filhos? Num país cristão que nem tem reparado que a sua economia é derivada do pensamento de Agostinho de Hipona - esse São Agostinho – e de Tomás de Aquino. Esse São Tomás dominicano, em livros escritos há séculos (IV o primeiro, XII o segundo), em África A cidade de Deus; e em Paris e Peruggia a Summa Teológica. Fontes básicas para o desconhecido Tratado de Economia Política do parisiense Henri de Montchrestien do século XVI, da famosa Riqueza das Nações de Adam Smith do século XVIII, do seu homónimo actualizado Liberdade para Escolher de Milton e Rose Friedman de 1979. Esses textos que hoje nos governam e que são ensinados na catequese ou na conversa diária ou na prática de sermos bons parentes, vizinhos e amigos. Ou de cantarmos como Godinho já cantou, que força é essa amigo que te cresce nos dentes….
Quem entende de economia, é porque entende de religião. É porque, saiba ou não, todo o princípio económico é derivado dos textos antigos e modernizados nos recentes e recalcados Direito Canónico feito Civil pelo original liberalismo de Napoleão Bonaparte. Esse que se fez Imperador para mandar nos reis e incutir o fim da escravatura subjugada do homem que deve dar a metade dos seus bens ao proprietário, ao patrão, ao banco. País fatimizado, todo o Ocidente. Que junta, sem dar por isso, o lucro e o credo. Esses conceitos batidos pela Enciclopédia já morta, ainda que cantada no Schiller de Beethoven, no Requiem do Mozart: alegria, o primeiro, descansa, o segundo. País fatimizado no qual aprendem as nossas crianças. Crianças às quais ensinamos o saber fazer económico, sem sabermos que essa lógica advém do religioso. Fatimizado, metáfora de vitimizado pela ignorada crença de que a lógica do religioso é a divina economia que perdoa juros e benefícios. Como dizem os manuais de confissão, esses que manipulam politicamente a dita lógica. Lógica religiosa que organiza toda a sociedade e toda a cultura: esse comportamento social interactivo, desejado igualitário, mas impossibilitado pela corrida que faz já sete séculos, o ocidente criou….Para travar quem ganha… Incentivando a concorrência….Fatimizando a meditação…
Mesmo no dia do desfile de milhares que pela estrada procuram alívio, à hoje ilusória necessidade de lucrar. Porque o crédito que dá estatuto à vida deve-se sempre pagar…. Aos modernos bonapartistas.
Epistemologia da criança assim criada. Saber sobre a criança. Um saber sem o qual não há médico que cure, analista que oriente, professor e catequista que ensinem, pais que amem, actor que divirta, media que comunique como a divindade encarnada na economia, manda. E, se se manda e não se faz, ai do pecador! Que leva à pobreza como Max Weber, em 1905, diz na sua Ética Protestante. Reproduzida a partir do ético fundador, em 1776, da Riqueza das Nações, Adam Smith. Incutida em nós pelos cristãos novos Milton e Rose Friedman em 1979. Esses que nos fazem acreditar na Liberdade de Escolha. E que nos ensinam que, se não fizermos como está mandado, andamos da falta de lucro, à pobreza; da pobreza à solidão; da solidão à delinquência; da delinquência à prisão; da prisão, à solidão que na vida diária nos agarra. Até morrer. Sem ter. Sem ser.
Epistemologia da criança que o senhor leitor nem sabe que sabe e pratica de forma lógica, quer no santuário, quer no banco, ao mesmo tempo. De forma igual, com o mesmo espírito.
Homens de fé, criam religião, arrebitam holocaustos, assassinam…e passeiam nas praias do mundo feliz.
Donde, em vozes e badaladas…cantamos…calculamos… Avé, Avé…
sábado, 4 de dezembro de 2010
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