A REVOLUÇÃO SOCIAL EM FRANÇA
Carta a Albert Richard
Caro amigo e irmão.
Circunstâncias independentes de minha vontade impedem-me de ir tomar parte na vossa grande Assembleia de 13 de Março. Mas eu não gostaria de deixá-la passar sem exprimir a meus irmãos de França meu pensamento e meus votos.
Se eu pudesse assistir a esta imponente reunião, eis o que eu diria aos operários franceses, com toda a franqueza bárbara que caracteriza os democratas socialistas russos.
Trabalhadores, contem agora somente convosco. Não vos desencorajeis e não paraliseis vossa potência ascendente através de alianças de enganados com o radicalismo burguês. A burguesia mais nada tem para vós dar. Política e moralmente ela está morta, e ela só conservou, de todas as suas magnificências históricas uma única força, a da riqueza fundada sobre a exploração de vosso trabalho. Outrora ela foi grande, foi audaciosa, foi possante em pensamento e em vontade. Ela tinha um mundo a derrubar, um mundo novo a criar, o mundo da civilização moderna.
Ela derrubou o mundo feudal com os vossos braços e fundou o seu novo mundo sobre os vossos ombros. Ela quer, naturalmente, que vós não deixeis nunca de servir de carótides a este mundo. Ela quer conservação dele, e vós quereis, vós deveis querer, sua derrubada e sua destruição. O que há de comum entre vós?
Levareis a ingenuidade até ao limite de acreditar que a burguesia consentirá algum dia em se despojar voluntariamente do que constitui sua prosperidade, sua liberdade e sua própria existência como classe separada da massa economicamente escravizada do proletariado? Sem dúvida que não. Vós sabeis que nenhuma classe dominante jamais fez justiça contra ela própria, que sempre foi preciso forçá-la. Esta famosa noite de 4 Agosto, na qual concedeu muita honra à nobreza francesa, não foi consequência forçada da revolta geral dos camponeses que queimaram os títulos nobiliários, e com estes títulos os castelos?
Vós sabeis muito bem que, ao invés de vos conceder as condições de igualdade económica séria, as únicas que vós podereis aceitar, eles rejeitarão fazê-lo mil vezes, sob a protecção da mentira lamentar, e, se necessário, sob a de uma nova ditadura militar.
Mas então o que vós podeis esperar do republicanismo burguês? O que ganhareis aliando-vos com ele? Nada, e perdereis tudo, pois não podereis aliar-vos com ele sem abandonar a santa causa, a única grande causa, hoje: a da emancipação integral do proletariado.
Já é tempo de proclamardes uma ruptura completa. Vossa salvação está sujeita a este preço.
Significa dizer que devereis rejeitar todos os indivíduos nascidos e criados no seio da classe burguesa, mas que, tocados pela justiça de vossa usa, virá a vós para servir esta causa e para vos dar a fazê-la triunfar? Bem ao contrário, recebei como amigos, como iguais, como irmãos, desde que sua vontade seja sincera e que eles vos tenham dado garantias tanto teóricas quanto práticas da sinceridade de suas convicções. Em teoria, eles devem proclamar em voz alta e sem nenhuma reticência todos os princípios, consequências e condições de uma igualdade económica e social séria, de todos os indivíduos. Na prática, eles devem ter resoluta e definitivamente rompido todas as relações de interesse, de sentimento e de vaidade com o mundo burguês, que está condenado a morrer.
Vós trazeis convosco, hoje, todos os elementos da força que deve renovar o mundo. Mas os elementos da força não são ainda a força. Para constituir uma força real, eles devem estar organizados; e para que esta organização esteja conforme à sua origem e a seu objectivo, ela não deve receber em seu seio nenhum elemento estranho. Vós deveis portanto manter afastado dela tudo o que pertence à civilização, à organização jurídica, política e social da burguesia. Mesmo se a política burguesa fosse vermelha como o sangue, e quente como o ferro em brasa, se ela não aceitasse como objectivo imediato e directo a destruição da propriedade jurídica e do Estado político, os dois baluartes sob os quais se apoia toda a dominação burguesa, seu triunfo só poderia ser fatal à causa do proletariado.
A burguesia, por sinal, que chegou ao último grau de impotência intelectual e moral, é incapaz de fazer hoje uma revolução por ela própria. Só o povo a quer e terá a força para fazê-la. O que quer, pois, esta parte avançada da classe burguesa, representada pelos liberais ou pelos democratas exclusivamente políticos? Ela quer se apoderar da direcção do movimento popular para usá-lo mais uma vez em seu proveito, ou, como eles próprios o dizem, para salvar as bases do que eles chamam de civilização, quer dizer, os próprios fundamentos da dominação burguesa.
Os operários desejarão mais uma vez representar o papel dos enganados? Não. Mas para não se tornar enganados o que devem fazer? Abster-se de qualquer participação no radicalismo burguês e organizar fora dele as forças do proletariado. A base desta organização está dada: são as oficinas e a federação das oficinas; a criação das caixas de resistência, instrumentos de luta contra a burguesia, e sua federação não somente nacional, mas internacional; a criação das câmaras de trabalho, como na Bélgica.
E quando a hora da revolução tiver soado, teremos a liquidação do Estado e da sociedade burguesa, incluindo todas as relações jurídicas. A anarquia, quer dizer, a verdadeira, a franca revolução popular: a anarquia jurídica e política, a organização económica de baixo para cima e da periferia ao centro, o mundo triunfante dos trabalhadores.
E, para salvar a revolução, para conduzi-la a um bom fim, no meio mesmo desta anarquia, é necessária a acção de uma ditadura colectiva, invisível, não revestida de uma força qualquer, mas, sim, eficaz e possante, acção natural de todos os revolucionários socialistas, enérgicos e sinceros, disseminados sobre toda a superfície do país, mas unidos fortemente por um pensamento e por uma vontade comum.
Tal é, meu caro amigo, segundo meu pensamento, o único programa cuja aplicação ousada trará não novas decepções, mas o triunfo definitivo do proletariado.
Ilustração: Monchal, Charles Perron, Mikhail Bakunin, Giuseppe Fanelli e Valerian Mroczkovsky em 1868, por ocasião do congresso da Basileia da Associação Internacional de Trabalhadores.
sábado, 10 de julho de 2010
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Os textos de Bakunine que o Prof. Raul Iturra tem vindo a publicar,pela parte que me toca são úteis porque esclarecem aspectos do pensamento do revolucionário soviético e do contexto da revolução que, sob a figura da ditadura colectiva do proletariado,acabou por constituir a ditadura "selectiva" dos líderes que muitas vezes desrespeitaram esse proletariado que representavam.
ResponderEliminarÉ verdade, António Sales. E contribuem para restituir a Bakunine o lugar que merece na história do pensamento revolucionário. Aqui há dias, no lançamento do site "Memoriando", o Carlos Antunes disse, mais ou menos isto:"Ao longo da História tem prevalecido sempre a versão dos vencedores; actualmente, as novas tecnologias, permitem que a versão dos vencidos também seja conhecida". O movimento anarco-sindicalista foi vencido, esmagado. Para falar só num exemplo . com as tropas fascistas às portas de Barcelona, preocupação dos estalinistas - acabar com os trotskistas e os anarquistas - autocarros das carreiras urbanas, transportavam-nos para as praias e fuzilavam-nos em massa. Foi-me contado pelo Fèlix Cucurull que viveu estes acontecimentos dramáticos, pois era tenente no Exército Republicano. Bakunine aparece aqui a uma luz diferente, sem ser pintado com as cores sinistras da traição à Revolução. A verdade é que a Revolução para ele era algo diferente do que era para Marx. Era isso um crime?
ResponderEliminarNão,não era um crime,mas foi à luz dessa intolerância que ruíram sem ninguem a defende-los.
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