sexta-feira, 16 de julho de 2010

Bakunine por Bakunine (Raúl Iturra)

 MARX E A INTERNACIONAL: CARTA AOS INTERNACIONAIS DE BOLONHA - 5 (Continuação)




Os operários de todas as profissões, de todas as comunas, de todas as regiões e de todas as nações, constituem uma grande e única fraternidade internacional, organizada para empreender esta luta contra o mundo burguês; quem falte a esta solidariedade prática na luta, indivíduo, secção, ou grupo de secções, é um traidor.


Eis a nossa lei realmente, única obrigatória. Há, além disso, as disposições do regulamento primitivo que impõe a cada secção o dever de pagar anualmente ao Conselho Geral dez centavos por cada um dos seus membros, enviar-lhe a cada três meses um relatório detalhado sobre a sua situação interna e atender a todas as suas reclamações quando elas estiverem conformes aos estatutos gerais, e eis tudo. Quanto ao resto, quer dizer, tudo o que constitui a própria vida, o próprio desenvolvimento, o programa e o regulamento particulares das secções, as suas ideias teóricas, assim como a propaganda destas ideias, a sua organização e a sua federação material, desde que nada do objectivo real esteja em contradição com os princípios e com as obrigações explicitamente enunciados nos estatutos gerais, é deixado à plena liberdade das secções.

Esta inexistência de um dogma único e de um governo central na nossa grande Associação Internacional, esta liberdade quase absoluta das secções, revoltam o doutrinário e o autoritarismo do homem de Estado – profeta Mazzini. E, entretanto, foi precisamente esta liberdade que ele denomina anarquia e que, fundada sobre a verdadeira fonte e base criadora da nossa unidade real, sobre a identidade real da situação e das aspirações do proletariado de todos os países, foi esta liberdade que criou uma verdadeira conformidade de ideias e de toda a potência da Internacional.

Até 1871, como eu já disse, a acção do Conselho Geral foi completamente nula. Ele fez intrigas e formou esse partido da democracia – socialista na Alemanha, quer dizer, viciou o movimento do proletariado alemão. Foi um mal positivo. Ele ocupou-se também da organização da Internacional em Inglaterra e na América. Isto foi positivo, mas no resto da Europa, na Bélgica, em França, em toda a Suíça romanche, na Itália, em Espanha, ele não fez absolutamente nada. Entretanto, foi precisamente durante este período da sua inacção forçada que a internacional apresentou um crescimento formidável na maioria destes países. Bruxelas, Paris, Lyon e, naquele momento, mas não agora, Genebra, formaram centros de propaganda, as secções de todos os países confraternizaram e federaram-se espontaneamente entre elas, inspirando-se num mesmo pensamento. Foi assim que membros da secção da Aliança da democracia socialista, fundada no final de 1868, em Genebra, formaram as primeiras secções da Internacional em Nápoles, Madrid e Barcelona. Hoje, a Internacional em Espanha, cujos primeiros germes foram levados por um italiano, tornou-se uma verdadeira potência. O Conselho Geral não somente não teve nenhuma parte nesta propaganda e nestas criações, como também as ignorou, enquanto as novas secções, tanto espanholas e italianas quanto francesas, não lhe notificaram a sua constituição.

Alguém poderia perguntar que utilidade pode ter tido a existência de um Conselho Geral, cuja influência sobre o caminho e o desenvolvimento de uma grande parte da Europa, e especialmente de todos os países latinos e eslavos, foi tão completamente nula.

Ora, a utilidade desta existência foi imensa. O Conselho Geral era o sinal visível da internacionalidade para todas as secções nacionais e locais. Lembrai-vos que as secções da Internacional são secções operárias; que elas são compostas de homens pouco instruídos, pouco habituados às amplas concepções e, além do mais, esmagados por um trabalho mortificante e pelas preocupações ainda mais mortificantes de uma existência quotidiana miserável.

Abandonadas a elas próprias, estas secções estenderam com dificuldade o seu pensamento e a sua solidariedade prática para além dos limites da sua própria comuna e da sua própria profissão.

Mas havia os estatutos gerais, o programa e o regulamento internacionais das secções; isso não bastava. Os operários, a grande massa dos operários lê pouco e esquece facilmente o que lê. Assim, a simples existência desse programa e desse regulamento escrito, e o seu simples conhecimento teórico, não bastavam. Sabemos por experiência que os operários só começam a conhecê-los realmente quando os praticam, e uma das primeiras condições desta prática era precisamente esta convergência unânime das secções de todos os países para um centro internacional comum. Todas as secções, os operários internacionais de todos os países, lá se encontravam, se abraçavam, confraternizavam por assim dizer, em imaginação, em ideia.

As relações reais com o Conselho Geral, é verdade, eram nulas. Mas os dez centavos que cada operário, de qualquer país e de qualquer secção que fosse, enviada por intermédio do seu comité seccional e do seu comité federal ao Conselho Geral de Londres era para ele o sinal visível, sensível, da sua adesão ao princípio humano e amplo da internacionalidade. Era para ele a negação real das estreitezas da nacionalidade e do patriotismo burguês.

O próprio distanciamento do Conselho Geral, a impossibilidade real na qual se encontrava, e na qual se encontra ainda hoje, de se imiscuir de uma maneira efectiva nos assuntos das secções, das federações regionais e dos grupos nacionais, era ainda um bem. Não podendo intrometer-se nos debates quotidianos das secções, só o tornava mais respeitado, e ao mesmo tempo não impedia as secções de viver e de se desenvolver com toda a liberdade. Ele era respeitado, é verdade, um pouco como se respeitam os Deuses, muito em imaginação.

Entretanto, ele não estava tão afastado assim para que não pudesse dizer algo quando necessário. Mas só lhe reconheciam esse direito de falar quando se tratava de lembrar a uma secção ou a um grupo algum artigo esquecido dos estatutos gerais, do qual ele era considerado como o guardião e o explicador, quando necessário, excepto o pedido no congresso, em presença do qual ele cessava de existir. Como até 1869 pelo menos, jamais tinha deixado o seu papel e havia escrupulosamente respeitado todas as liberdades nacionais e locais, quando ele falava, a sua voz era escutada por todos, com respeito. Como ele era e como permanece ainda em grande parte composto de homens que tinham tomado parte activa na própria fundação da Internacional, ele gozava de autoridade moral ainda maior porque a usava raramente e nunca havia abusado dela. Em todas as dificuldades que advinham, seja uma secção, seja uma federação regional ou nacional, dirigia-se a ele de bom grado, não como a um tutor ou a um ditador, mas como a um amigo experiente. Se se reclamasse de alguma coisa era de sua preguiça e de sua negligência, pois não respondia quase nunca, e sempre muito tarde.

Enfim, ele tinha ainda dois grande deveres práticos a cumprir, os quais, é preciso que se diga, quer por falta de tempo – os seus membros não sendo remunerados tinham de trabalhar para viver, – quer por falta de meios, ele sempre se saiu muito mal.

O primeiro dos seus deveres era o de dar conhecimento a cada grupo nacional do que se passava em todos os outros grupos. Este dever foi-lhe lembrado por todos os congressos. Nunca ele o tinha cumprido.

Outro dever era, em caso de greve de operários internacionais num país qualquer, chamar os operários internacionais de todos os outros países em seu socorro. Pois bem, o apelo do Conselho Geral sempre veio muito tarde nessas ocasiões.

Mas essas negligências mais ou menos forçadas do Conselho Geral foram suficientemente compensadas pela própria actividade das secções e pelas relações de fraternidade real que espontaneamente se estabeleceram entre diferentes grupos nacionais. Por esta federação espontânea das secções e dos grupos, pela correspondência entre elas, e não pela acção do Conselho Geral, foi que se formou pouco a pouco a unidade real de pensamento, de acção, e a solidariedade prática dos operários de diferentes países, na Internacional.

Ilustração: cartão de membro de Bakunin na Liga de Paz e Liberdade

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