Carlos Luna
Soneto a uma dama que enviou, zangada, ao poeta, uns escritos que deste recebera... e que ele queimou.
Morrei, doces despojos, que algum dia
fostes de Clori(*) persuasão gloriosa,
que a chama, ainda que triste, venturosa,
vai conservar no fogo a idolatria.
Para desprezo ser de Clori ímpia
basta arder nessa luz pouco formosa,
porque da chama, que é menos preciosa,
não fica sendo a cinza menos fria.
Não fostes cridos, viestes desprezados,
e das iras de Clori como objectos
sereis sempre uma injúria aos meus cuidados.
Eu só posso mostrar nestes afectos,
fazendo-vos agora desgraçados,
que sois constantes, e que sois discretos.
______
(*) Clóri: deusa grega das flores; a "Mulher".
Poema a uma dama que o poeta não quis ver, depois dela ler alguns versos.
Para venceres basta um só portento,
pois não foram em tudo sempre claras
as vitórias, se acaso acompanharas
com outro encanto o numeroso acento.
Se a minha vida, e o meu entendimento
já dos teus versos são vítimas raras,
serias, se o resplendor não retiraras
menos avara, e eu menos atento.
Outro espírito influi reverente
se hás-de mostrar teu rosto esclarecido,
que um, que tinha, está preso felizmente.
Ou cesse o agrado harmónoco do ouvido,
que hei-de expor a teus olhos indecente
sem mais uma alma, ou menos um sentido.
Soneto dedicado a Francisco Dionísio de Almeida, morto na juventude.
Reduzir esta vida à ombra escura,
na mais discreta, e mais florida idade,
é da morte fatal temeridade
com que infama os decretos da Ventura.
Que avisos, ou que exemplos nos procura,
se ofendido o discurso da impiedade,
toda a ira, a que a perda nos persuade,
faz esquecer o horror da sepultura?
Inveja a Parca o raro entendimento
que agora nos roubou, e ao golpe astuto
sirva de injúria o mesmo monumento.
Porque ´inda que o morrer seja estatuto,
da saudade consegue o sentimento
que pareça vingança o que é tributo.
Soneto dedicado à morte do jovem fidalgo Marquês de Gouveia.
Não extingue da morte o atrevimento
em Múcio(*) excelso a ilustre heroicidade,
muda-lhe só na iníqua austeridade
os cultos do palácio ao monumento.
Rendeu-lhe aclamações o orbe atento,
e hoje o busca no túmulo a saudade,
mas tão distinto o excesso na vontade
quanto vai da lisonja ao sentimento.
Mas intenta triunfar a morte dura,
que o afecto triste do sepulcro fia
na saudosa atenção à fé mais pura.
A memória consagra a tirania,
porque entregue a lembrança à sepultura
faz sempre religiosa a idolatria.
________
(*) Múcio: herói da Antiga Roma.
Soneto dedicado à espada de Pedro Mascarenhas, nobre guerreiro, enfim
Pendurêa(*) entre louros infinitos
Mascarenhas, o grande, a heróica espada:
porque em ara imortal seja adorada,
troque o mundo os assombros pelos ritos.
Se inveja foi dos Césares invictos,
deixe hoje na razão imaginada
a série dos prodígios, que admirada
não pode ser no ardente dos conflitos.
Cause respeito, se causou desmaio,
que admirado, e rendido eu já contemplo
Pisuerga, Pirinéu, Ebro, e Moncaio.
Descanse a espada, e a Fama no seu templo
em ídolo converta o que foi raio,
chegue a fazer deidade o que era exemplo.
_________
(*) arcaísmo.
Soneto a Afonso de Albuquerque, conquistador português na Índia, numa
ocasião em que, para salvar uma jovem indiana, deixou que se perdesse,
num naufrágio, a carga preciosa.
Não me alteras, oh mar, sempre violento
na fúria destas ondas repetida,
se estou, sendo remédio de uma vida,
contra todo o furor deste elemento.
Nos estragos me adquires novo alento,
pois ficamos com glória esclarecida,
eu assunto da fama encarecida,
tu da riqueza avaro monumento.
Pereça a oriental preciosidade,
e exista a honra da feliz violência,
que foi maior que a dita a adversidade.
Porque fica, apesar desta inclemência,
superado o interesse da piedade,
e a desgraça vencida da inocência.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário