quinta-feira, 1 de julho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra



Manuela Degerine

Capítulo XXXV

Passeio pelos museus (conclusão, por ora)

Museu Nacional do Azulejo: O vermelho e o preto

O Museu do Azulejo expõe um trabalho intitulado Casa Perfeitíssima, 500 anos da fundação do Mosteiro da Madre de Deus, 1509-2009. Esta exposição – de paredes vermelhas, uma cor aqui, esta sim, muito significativa – centra-se na figura da fundadora, a rainha D. Leonor, esposa de D. João II e irmã de D. Manuel I, fundadora não só deste convento mas também das Misericórdias e do Hospital das Caldas da Rainha. O conjunto é composto por peças encomendadas pela rainha, oferecidas à rainha ou, de alguma maneira, significativas do ambiente cultural e religioso em que ela viveu. Por exemplo: a Noticia da Fundação do convento da Madre de Deos de Lisboa das religiosas descalças da primeira regra de nossa Madre Santa Clara, publicado em 1639. Ou a tapeçaria de lã e seda, fabricada em Bruxelas, representando o Baptismo de Cristo, uma encomenda de D. Leonor para o convento. Ou o Retábulo das Sete Dores da Virgem, do pintor flamengo Matsys, por ela comprado para o altar da igreja.



D. Leonor atravessou os reinados de D. Afonso V, D. João II, D. Manuel e até o início do reinado de D. João III, o que fez dela uma contemporânea dos faustos, mudanças e inovações trazidas pelos descobrimentos. Não só rainha mas também rica (tanto por herança do pai – o Infante D. Fernando, duque de Viseu e Condestável do Reino, herdeiro universal do Infante D. Henrique – como por mercês a ela atribuídas por D. João II e D. Manuel I), encoraja o teatro de Gil Vicente e a introdução da imprensa, compra – como esta exposição mostra – numerosas obras de arte, vive rodeada pela elite intelectual do seu tempo, funda instituições de socorro a pobres e doentes... Defensora da devotio moderna, numa prática austera da fé, funda em 1509, já viúva, o convento da Madre de Deus, onde se recolhe e fica sepultada – no chão, à entrada da igreja, num espaço de passagem e com a simples inscrição: Aqui está a rainha Dona Lianor mulher del-rei Dom João o segundo que é fundadora deste convento. Ao lado jazem a primeira abadessa do convento e Dona Isabel, duquesa de Bragança, irmã da rainha.

A chegada das relíquias de Santa Auta a Lisboa em 1517, oferecidas pelo imperador Maximiliano I, suscita a encomenda de um retábulo a um pintor cujo nome desconhecemos: o mestre do Retábulo de Santa Auta. Um dos quadros mostra a cerimónia da entrada das relíquias no Convento da Madre de Deus. Vemos, no canto inferior direito, quase fora da imagem, um músico a tocar, da direita para a esquerda vai a procissão – só de homens – transportando as relíquias na direcção da igreja, cujo portal se encontra forrado com panos de brocado. E, do lado esquerdo, por detrás da figura evocadora da santa, num estrado com toldo, igualmente revestido de brocado, acompanhada por outras senhoras, trajando o hábito de religiosa – encontra-se a rainha. Numa modéstia emblemática, não se pode falar aqui de retrato, apenas de uma silhueta… Ou antes: de um acto de presença pia.

Outro presente do imperador Maximiliano, um grande quadro a óleo intitulado Panorama de Jerusalém, chegou a Lisboa com um espaço reservado para ali ser pintada a imagem da rainha. De facto nele aparece, orando, com o hábito negro de religiosa, de joelhos através dos séculos, a rainha D. Leonor, modelo das virtudes que o seu tempo concedia à mais poderosa das rainhas: Princesa Perfeitíssima.

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