Carlos Loures
A desigualdade entre homens e mulheres, sobreviveu à democracia grega (onde elas não tinham quaisquer direitos), não melhorou durante a Idade Média. Não se diluiu com o humanismo renascentista e o século das luzes apenas lhes deu algum protagonismo no palco da cultura. Na Revolução Francesa as «cidadãs» lutaram ao lado dos homens (e foram guilhotinadas em perfeita igualdade de circunstâncias), mas logo o Império as remeteu de novo para a cozinha ou, no caso das burguesas e aristocratas, para os salões, bordando, tocando piano, recitando poesia e cantando nos serões.
Veio a Revolução Industrial e lá foram elas para as fábricas com salários ainda mais miseráveis do que o dos homens. A Revolução soviética também não extinguiu as desigualdades. Em 1905, quando Christabel( 1880-1958) e sua mãe Emmeline Pankhurst (1858-1928) interromperam um comício do partido Liberal, fazendo perguntas incómodas sobre os direitos das mulheres, desencadeava-se um processo irreversível. Até hoje não parou.
As sufragistas eram frequentemente presas, acusadas de desacatos e de outros crimes - alcoolismo e prostituição, entre eles, calúnias com que as tentavam desacreditar, a elas e ao movimento. Em todo o caso, havia quem acreditasse e, não raro, quando desfilavam empunhando orgulhosamente os seus estandartes e dísticos, nos passeios, mulheres do povo, pelas quais elas principalmente lutavam, lhes gritavam o equivalente a: «Vão coser meias!». Não faltava quem fosse mais longe e lhes chamasse «putas» e «bêbedas». Nas prisões onde as condições de higiene eram mais do que precárias, faziam greve da fome. Eram hospitalizadas, alimentadas à força e voltavam para a prisão. Mãe e filha, dedicaram as suas vidas à causa do sufragismo. Emmeline, no ano em que morreu (1928) teve a alegria de ver consagrado na lei britânica o direito de as mulheres votarem em pé de igualdade com os homens.
E em Portugal?
Em Portugal, destaca-se um nome: Ana de Castro Osório (1872-1935) que terá ficado conhecida sobretudo por ser uma pioneira da literatura infanto-juvenil. Casada com um tribuno republicano, Paulino de Oliveira, publicou em 1905 «Ás Mulheres Portuguesas», obra considerada como um manifesto do movimento feminista. Fundou a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, criada oficialmente em 1909. A propósito, um ilustre republicano, um democrata, terá comentado - «Causa patrocinada por senhoras, é causa vencida!».
Proclamada a República, Ana prosseguiu a sua luta, pois o novo regime foi tímido no reconhecimento da igualdade de géneros. Foi consultora de Afonso Costa, ministro da Justiça do Governo Provisório, aconselhando-o na elaboração da Lei do Divórcio, promulgada em 3 de Novembro de 1910, menos de um mês depois da Revolução. Esta lei, pela primeira vez no nosso País, concedia à mulher os direitos dados ao homem, no que se referia aos motivos do divórcio e à tutela dos filhos. E novas leis foram sendo aprovadas, baseando o casamento no princípio da igualdade, deixando a mulher de dever obediência ao marido e passando o crime de adultério a ser julgado de igual maneira, fosse cometido pela mulher ou pelo marido. Tudo isto hoje nos faz sorrir, pois parecem-nos questões ultrapassadas. Mas há cem anos estas medidas foram recebidas com sorrisos de outro género, com aqueles com que se acolhem as utopias.
Indiferentes ao cepticismo, as heroínas prosseguiam a sua luta. Em 1911, as mulheres ganharam o direito de trabalhar na Função Pública. Antecipando-se à lei, a médica Carolina Beatriz Ângelo, viúva e com filhos a seu cargo, votou para a Assembleia Constituinte. A Lei dizia que os chefes de família votavam e para o legislador era tão óbvio que o chefe de família teria de ser um homem que Carolina pôde votar, deixando o presidente da mesa de voto a coçar a cabeça, perplexo. Carolina teve um neto que, como advogado, se distinguiu na luta contra a ditadura salazarista: Jorge Fagundes, que há dias nos deixou.
Posteriormente, a lei foi revista - só podiam votar os chefes de família «do sexo masculino».
Mas as coisas não paravam – nesse mesmo ano Carolina Michaëlis de Vasconcelos, mulher do grande filólogo Leite de Vasconcelos, foi a primeira mulher a ser nomeada para uma cátedra universitária, neste caso a de Filologia na Universidade de Lisboa. Ainda em 1911 se assinalou a criação da Associação de Propaganda Feminista. Para rapazes e raparigas, foi estabelecida a escolaridade obrigatória entre os sete e os onze anos. Em 1918, foi autorizado o exercício da advocacia às mulheres, em 1926, foram autorizadas a leccionar em liceus masculinos, em 1931 é concedido o direito de voto às mulheres diplomadas com cursos secundários ou superiores (aos homens basta fazer prova de que sabem ler e escrever). Em 1933 a Nova Constituição Política do Estado Novo, no seu artigo 5º, estabelecia a igualdade dos cidadãos perante a lei, «salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família».
Todo o edifício jurídico da igualdade laboriosamente construído, se desmoronava com esta frase singela que deixava as portas escancaradas à continuação da desigualdade. Num País moldado à medida das fantasias de um ditador tacanho, o lugar da mulher era em casa, junto dos filhos. Disse-o por diversas vezes. E sempre houve mulheres que concordaram com esta visão do seu papel na sociedade. Quando, em 1935, Ana de Castro Osório morreu, outra grande defensora dos direitos femininos se destacou – Maria Lamas (1893-1983).
E a luta continuou.
Só a Revolução de 25 de Abril começaria paulatinamente a acabar, a nível legal, com as todas as diferenças. Uma luta que em Portugal ainda não acabou. A guerra silenciosa da violência doméstica, por exemplo, não cessa de fazer vítimas. Não que a lei a consinta, mas talvez tivesse que se criar uma moldura penal muito mais dura para quem a comete.
Mulheres e homens somos diferentes biologicamente, mas iguais perante a lei. Corrigidas as leis, consagrada essa igualdade, é preciso agora que sejam escrupulosamente aplicadas. Porque Lei e realidade, têm andado desencontradas.
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* Dedico este texto à memória de Jorge Fagundes,, que faleceu esta semana, neto de Carolina Beatriz Ângelo. Como sua avó, indiferente a perigos e a incómodos, defendeu sempre as causas em que acreditava.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
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Está muito bom Carlos. Seria interessante que no nosso blogue aparecessem posts sobre mulheres, de que hoje pouco se fala, mas que bem merecem ser recordadas. Por exemplo Angelina Vidal (julgo que saiu há pouco tempo uma biografia dela), Elina Guimarães, Adelaide Cabete e tantas outras.
ResponderEliminarJoão, podes avançar com essas biografias, pelo menos com uma delas. Aqui só recordei estas quatro mulheres. As que dizes foram também grandes lutadoras e merecem ígualmente um ou mais posts.
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