terça-feira, 13 de julho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo XLVII

Décima quarta etapa: Peregrinos

Maria acaba de passar a quarta noite consecutiva sem dormir. Sente-se exausta; por isso, de maneira paradoxal, acelera o ritmo. Adianta-se e, durante metade do percurso, até Oliveira de Azeméis, não volto a vê-la. Começo por caminhar sozinha, o que também é agradável; depois, perto de Albergaria-a-Nova, aparece Martine, com a qual prossigo até Pinheiro da Bemposta.

Como, de vez em quando, temos que circular à beira da N1, cruzamos centenas de peregrinos que concluem a etapa em Albergaria-a-Velha e outras localidades aqui vizinhas. Martine mostra-se perplexa com este estilo peregrino: a N1, os grupos, os horários, o sofrimento, os coletes verdes e os carros de apoio. E, na conversa, opõe os viajantes que nós somos aos portugueses. Argumento que aqueles peregrinos representam tanto os portugueses como o público da Volta à França representa os franceses ou os bêbados da Festa da Cerveja representam os alemães. A diferença aqui é social e não nacional: o povo vai para Fátima, os doutores vão para Santiago.


Somos agora sete a caminhar para Norte: seis professores e um engenheiro da aeronáutica (Paul). Aliás, há dois dias que, de vez em quando, Maria e eu exclamamos:

- Os professores têm um problema!

A palavra peregrino junta o que é demasiado distinto para se poder associar; tivemos a prova disto no centro paroquial. Uns, sem se interessarem por paisagens, fizeram promessas e embora, na vida quotidiana, nunca caminhem, vão a pé a Fátima, com as inevitáveis consequências físicas, mas fazem-no em grupo, única maneira de conseguirem lá chegar, sem bagagens e com apoio (moral, material, médico) dos que os acompanham; os outros são viajantes solitários, carregam com a mochila mas vieram por gosto, estão habituados a caminhar (o que, ainda assim, não lhes evita as bolhas), têm outras motivações, para além das religiosas que, aliás, nem são obrigatórias: o prazer do esforço, da mudança, do movimento, da liberdade, da descoberta...

Suspeito que o pároco de Albergaria-a-Velha desconhece a credencial de peregrino não só por Santiago se encontrar em Espanha: talvez, do seu ponto de vista, não reconheça esta gente de mochila como peregrina. O que, do meu ponto de vista, é um erro. Quem pode saber as motivações profundas de uns e dos outros? Eu só conheço as minhas. E... até certo ponto! Ao longo de seiscentos quilómetros, as motivações podem evoluir e o caminho exterior tornar-se uma metáfora do caminho interior. Com rigor, seja qual for o caminho, quem parte nunca é quem chega. Ultreia, saúdam os peregrinos, ao passar. O que significa: mais além.

Bonito programa, não acham?...

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