sábado, 24 de julho de 2010

Opinião. Constituição Marxista.

Carlos Mesquita


Rever ou não a Constituição da Republica Portuguesa? Há quem entenda que nas legislaturas que têm poder de revisão constitucional é obrigatório rever a Constituição, como numa almoçarada que dura até as cinco da tarde, chegada a hora de lanchar, há que comer. Tradições. Anda aí uma fome ancestral para tirar do texto constitucional menções de cariz ideológico (como se não fosse ideológico retirar as referências) enquanto outros querem manter essas alusões. Há também quem, com a sabedoria da formação milenar cristã, como Adriano Moreira, diga que “não se pode apagar a esperança”. Entre as teses da direita e da esquerda e a hermenêutica bíblica, proponho uma 4ª via, uma fórmula pós Giddens. Primeiro, e porque para mexer em leis é preciso ter formação suficiente; confesso que de Direito só tenho um irmão advogado e o ADN não é retroactivo, por outro lado ele foi colega do Durão Barroso, no tempo em que com vinte e cinco tostões na bandeira do MRPP se fazia uma cadeira, e suponho que com o equivalente a um euro, mobilava-se um anfiteatro. Como frequentei a cantina universitária terei equivalência com os matriculados formados administrativamente. Dito isto vamos ao busílis do preâmbulo da Constituição, que a torna marxista. Lê-se: “A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português (…) de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista (…)”. Isto de “abrir caminho para a sociedade socialista”, que em África poderia significar dar umas catanadas no capim, tem no Portugal de hoje conotações delicadas; a “sociedade socialista” ainda passa, é histórico e como diz Adriano Moreira “não se pode pôr em risco princípios de esperança”, mas “abrir caminhos” é polémico, relembra as empresas do regime, os ex-ministros na Mota Engil e na Lusoponte, o utilizador pagador.

 Proponho uma nova redacção. Seria assim: “ (…) assegurar o primado do Estado de Direito democrático no caminho da sociedade socialista (…). Que tal? Deixa de ter obras públicas e a trabalheira de abrir caminhos, já está no caminho. É um passo importante para aqueles que pensam que basta estar num papel que vão a caminho do socialismo, para um dia lá chegarem, e para os outros que sabem que o caminho é o mesmo, o sentido é que é inverso. Esta extraordinária ideia apenas peca por ter só duas saídas, quando é sabido que uma norma perfeita deve ter de 6 a 16 hipóteses de ser interpretada, mas é a minha contribuição mais séria para a revisão da Constituição. Por último, quero destacar que tive a colaboração na elaboração desta proposta do meu companheiro de maleitas René Goscinny; dum diálogo entre Obelix e Astérix perante uma seta que acaba de se cravar numa árvore junto a eles. Pergunta Astérix – onde estará quem disparou esta seta? Fácil – diz Obelix – e só seguir a seta, na direcção contrária que ela indica, é lógico!

Só vejo uma razão lógica para rever a Constituição que é as leis já aprovadas irem todas contra o preâmbulo dos princípios fundamentais. Afinal o que o PSD pretende é livrar o Tribunal Constitucional duma “Razão Atendível” de despedimento.

6 comentários:

  1. Meu caro, o que não há dúvida é que há uma parte da sociedade portuguesa que não quer rumar ao socialismo, e esses não podem ser excluídos da constituição.

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  2. Qual é a parte da sociedade portuguesa que está a rumar ao socialismo?
    Dito de outra maneira:
    - Esta Constituição tem impedido que o rumo seja inverso à letra da própria Constituição?

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  3. Não, por isso é que não se entende que, docemente, mantenham lá uma expressão que não tem sentido nenhum porque ninguem está interessado. Principalmente, para os partidos de governo que se dizem socialista e social-democrata.Aceito, que seja importante manter o SNS, a SS, a educação, traves mestras do Estado Social, mas socialismo? Qual? O do Sócrates? A social-democracia do Barroso?

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  4. Caro Luis, docemente quer o PSD, e à pala do socialismo, mexer em muito mais assuntos. Obama é um perigoso socialista por querer que 45 milhões de americanos que não tinham serviço de saúde passem a ter. Socialismo é um chavão. Os direitos sociais e o impedimento da arbitrariedade nos despedimentos são conquistas civilacionais, não são socialismo. Os fundamentos democráticos da nossa sociedade que se querem perverter, não são socialistas. Podemos discutir o ante projecto do PSD, ponto por ponto, mas antes dê-lhe uma olhada. Porque sai da Constituição coisas como "desenvolver as relações económicas com todos os povos, salvaguardando sempre a independência nacional"? É para tirar resquícios marxistas? Amanhã Passos Coelho vai estar em Vila Real; os transmontanos saberão que ele quer tirar da Constituição um ponto como: "Eliminar progressivamente as diferenças económicas entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior"? Pois é. No meio da terminologia ideológica para enganar papalvos, há todo um conceito de sociedade, que estou certo, é recusado pela maioria dos portugueses, sejam de esquerda, do chamado socialismo democrático ou da própria social-democracia. O neo-liberalismo só pode pegar à golpada, mas depois há os episódios seguintes, se não tivessem medo disso já tinhamos outro governo.

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  5. (civilizacionais)

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  6. Mas eu estou totalmente de acordo com o SNS do Obama, tenho vários textos escritos no aventar acerca disso, e sou um defensor acérrimo do estado Social, por isso é que sou social-democrata. O neoliberalismo já mostrou ao que vinha, os últimos 20 anos não deixam dúvidas a ninguem.Mas uma coisa que não podemos esquecer é que este Estado é abafador da sociedade civil,está abocanhado pelas corporações, ou se transforma num Estado forte, fazenco bem o que deve fazer, ou não há riqueza que chegue para alimentar esta máquina infernal. E, palpita-me, que as corporações, que sempre estiveram sentadas à mesa do orçamento, adoram um Estado "socialista" como este. Não há saída, sem uma sociedade civil forte, com iniciativa, que não precise do estado para criar riqueza, e tambem não há saída com um Estado vazio e esbanjador.

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