quinta-feira, 1 de julho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 44

Carlos Leça da Veiga

Só Portugal é que não podia ter colónias? (Continuação)

Mesmo tendo de reconhecer-se que nos anos finais do século dezoito, tal como no decurso dos do décimo nono, não estava minimamente estabelecida a noção da globalização e a história dos estados – a génese da sua explicação – teria, de sobremaneira, uma feição eminentemente idealista, apesar disso, já era impossível, a qualquer intelectualidade portuguesa, não saber e, sobretudo, não perceber que o pioneirismo português de Quinhentos, que deu ao mundo novos mundos não era – como não é – uma lenda criada por alguns entusiastas da saga dos Descobrimentos e que foi coisa de tal modo influente e consequente no viver nacional e internacional que só quem pensa perverso não conseguia, como não consegue, vislumbrar e aperceber-se das suas consequências culturais inevitáveis e, coisa indiscutível, perenes.

Mal avisado andará quem imagine conseguir poder viver-se sem uma matriz histórica, contudo, não será por querer fazê-lo que deve cair-se no erro do integralismo, como o dum Alfredo Pimenta e, proclamar – voltar a proclamar – que na História portuguesa tudo quanto a glorifique é bom e errado (falso) qualquer coisa que a manche ou infame.


Fosse no século XVIII, fosse no XIX, no XX ou, agora, no XXI o património histórico nacional e os seus reflexos inevitáveis nos vários sectores sociais nacionais têm de ter uma incidência reconhecida no modo da organização social, cultural, económica e política portuguesa. Fossem as glórias duma estratégia de expansão universal que foi e aconteceu em todos os azimutes, fossem os inconvenientes resultantes duma sua indevida compreensão e aplicação estratégica, fossem, também, aqueles outros consequentes ao seu termino inevitável, hoje em dia, como sempre, não é possível viver-se duma forma organizada sem deixar de dar-lhes o peso merecido que, goste-se ou não, de facto, não é pequeno.

Se ignorar a História é dilacerar o futuro, então, para que este esteja sempre presente e seja vivido com entusiasmo, importa dar uma ênfase constante às vivências – positivas e negativas – de todo o percurso histórico nacional e delas tirar conclusões, em particular, aquelas com influência muito provável na afirmação da vontade política de qualquer Nacionalidade.

A reorganização política necessária e consequente ao regresso à ocupação da sua posição territorial exclusivamente europeia dum Portugal que, até há bem poucos anos, tinha fragmentos territoriais – colónias – espalhados pelo mundo tem de ter linhas de força que incorporem, dum modo muito próprio, todas as consequências duma descolonização que, bem sabido, foi tanto imposta pelos de fora, como preconizada e forçada pelos de dentro fossem, neste caso, muito em especial, as próprias gentes das colónias mas, também, não deve esquecer-se, algumas da metrópole.

Na verdade a descolonização portuguesa, pelo seu carácter eminentemente transformador tanto da vida nacional, como, não pode ignorar-se, da vida internacional, acabou por gerar uma situação política verdadeiramente ímpar – verdadeiramente feliz – como é a de Portugal ser um estado em que só há, coisa raríssima, uma Nacionalidade. Nação e Estado confundem-se pelo que, no panorama mundial, esta circunstância constitui uma mais valia democrática com valor político inegável.

Ao aceitarem-se com submissão desnecessária as regras que, Oeste e Leste, quiseram impor ao jogo político mundial não se soube – não se quis – tirar partido da grande alteração política internacional consequente à descolonização portuguesa o que, para mal nacional, foi e tem sido uma constante dos que conseguiram assenhorear-se do 25 de Abril. Deste acontecimento político com importância geoestratégica não só nasceram para a comunidade internacional mais alguns estados cuja língua oficial é o português – um bem nacional com imenso significado – como, sobretudo, facto com a maior relevância mundial, Portugal, nessa data, passou a ser, na Europa, um Estado com uma só Nacionalidade, uma particularidade assinalável. Esta circunstância política de carácter histórico eminentemente democrático – Portugal não coloniza qualquer Povo – nunca foi utilizada para marcar uma presença e uma intervenção significativa, verdadeiramente ímpar no concerto internacional, muito destacável no conjunto dos Estados da União Europeia.

No discurso internacional português nunca foi chamada a atenção para a necessidade daqueles estados que oprimem outras nacionalidades – que as colonizam – terem de seguir o nosso exemplo. Recorde-se, pelo menos, o que acontece com o Reino de Castela.

Agora, com Portugal confinado, por completo, ao seu espaço europeu, este passa a ter no seu interior uma originalidade política que importa realçar e, por obrigação estrita, tudo fazer-se para que tenha consequências a jusante mesmo quando, para muitos, pareçam completamente despropositadas, fantasiosas ou, como dirão, perigosas.

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