Carlos Leça da Veiga
À espera duma Terceira República (Continuação)
A economia de mercado, baseada no sistema da troca não regulamentada e com o afastamento deliberado do poder competitivo do capital estatal, está condenada a ter de continuar a sua caminhada para um ocaso inexorável pelo que, para tentar começar-se uma transição pacífica para uma economia de redistribuição equitativa é imperioso o pressuposto da construção duma Democracia em que a participação activa e decisiva dos Cidadãos seja uma realidade irrecusável e insubstituível e, em definitivo, uma responsabilidade partilhada de tal maneira ninguém possa afirmar-se como Pilatos.
Em Portugal, num ineditismo mundial e por intermédio dum processo arrastado entre os anos trinta e sessenta do século XIX – de 4 de Abril de 1835 a 19 de Maio de 1863 – gerou-se, em definitivo, o fim do regime do morgadio e em sua consequência, poucos anos após, ficava liquidada a única forma nacional (a propriedade imobiliária rural e urbana) que realizava, com significado económico, a acumulação primitiva do capital e, desta maneira, pela primeira vez na Europa, foi provocada a morte histórica dum autentico capitalismo que, tempos após, os sucessivos “patos bravos”, de procedências as mais variadas – tantos tem havido e deles nem rasto ficou – nunca conseguiram compensar pela razão simples de não terem acumulado o imprescindível saber, fruto consequente da falta do mais necessário pedigree sócio-cultural que, este, não pode improvisar-se e, muito menos, comprar-se.
O único capitalista português, consagrado pela evolução histórica nacional e chegado aos nossos dias, é o Estado Português que, nos últimos anos – azar nosso – depois da submissão à Europa e em obediência ao neoliberalismo da rapina imposta pelo eurocentrismo, não só teve os seus poderes financeiro e económico colocados à margem da competição económica, não fosse prejudicar as ambições dos privados como, também, foi-lhe imposto que invista – invista desmesuradamente – em obras públicas cujo retorno económico nunca será compensador, que não seja para a bolsa dos fornecedores europeus.
Em consequência, sem um forte investimento público nos sectores produtivos da economia nacional não haverá geração de riqueza como seja a de desenvolver alguma capacidade exportadora e, sobretudo – aspecto muito importante – a possibilidade francamente alcançável duma redução acentuada de muitas das importações, um aspecto económico muito significativo, suprível pelo esforço nacional e, fundamentalmente, pela possibilidade política de ser possível limitarem-se as importações supérfluas. Assim, como consequência lamentável duma economia gerida pelos interesses expansionistas centro-europeus, assistir-se-á a um avolumar irreprimível e irremediável da decrepitude dos panoramas nacionais económico, cultural e político cujos efeitos sociais serão totalmente indesejáveis.
A decrepitude nacional, que não só tem tido de acompanhar – quantas vezes como coisa desnecessária – o evoluir negativo do mundo chamado ocidental, o europeu em particular, como, também, por ser um elo muito fraco da cadeias dos interesses do capitalismo europeu, é obrigada a apresenta-se com uma fragilidade que, isso não pode esquecer-se, tem, também, na sua génese, a força de pressões seculares, sempre presentes, sempre em remodelação e sucessivamente mais intensas, como foram e têm sido, as das perdas da opulência dos mercados coloniais, as das subidas do nível real médio dos salários, as dos custos de produção constantemente inflacionados, as dos aumentos especulativos dos mais diversos materiais, as do crescendo insuportável dos impostos, aquelas da perda crescente da legitimação das estruturas estatais e, não menos condenável, as duma corrupção desenfreada que, qualquer delas, ou o seu conjunto, contribuem decisivamente para, com peso muito negativo, abalarem decisivamente os alicerces da democratização e, deste modo, liquidar a possibilidade de instaurar-se um regime de justiça social efectiva. “A dominação pelo mercado e pelo consumo que, na sua aparência niveladora, não cessa de paliar a condição dos dominados extermina, “in ovo”, toda a possibilidade de oposição”, assim ensina H. Marcuse no seu «Homem Unidimensional».
Veja-se, pelo menos, quanto essas pressões, na variabilidade das suas nuanças, fazem sentir-se nas áreas nacionais da Justiça, da Educação, da Saúde e da Segurança Social em que, desde os passados anos oitenta, o descalabro constante das suas estruturas, dos seus processos e dos seus resultados tem sido acentuado, objectivo e indiscutível, mormente anestesiado por algumas benfeitorias de fachada, afinal, circunstâncias de simples propaganda político-partidárias, que não e nunca, demonstram ser a decorrência dum qualquer aperfeiçoamento do regime Democrático. De facto, tal como está a viver-se, não pode reconhecer-se haver o bem-estar social que, nos dias de hoje, é de toda a justiça exigir-se. Assim – conclusão imperiosa – não há uma Democracia ao serviço da generalidade da população. Trabalhe-se, então, nesse sentido, tudo em favor da Terceira República.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
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