quarta-feira, 7 de julho de 2010

Matilde Rosa Araújo




Clara Castilho





Foi através deste poema que entrei na primeira fase das minhas relações com a Matilde – a forma como os escritores se dão primeiro a conhecer – pela publicação dos pensamentos/emoções que querem partilhar com os outros. Esta foi a poesia escolhida de “O livro da Tila” para eu dizer, andava ainda na primária, num palco de uma vila (Belas), junto do adro da igreja, na festa anual. Vestidinho branco, como mandava o figurino da época, fitinha no cabelo…

A segunda fase foi a de a ver em minha casa, já amiga de minha mãe, companheiras de acções conjuntas na Ludus (década de 70, para lembrar o direito de brincar, facilitar o acesso ao livro, os primeiros passos da ludoteca/biblioteca).


Numa terceira fase, a partir de 1990, começámos a ser parceiras de iniciativas no Instituto de Apoio à Criança. E a minha foto a declamar o seu poema serviu de tema de paródia.


Sempre me elogiou em tudo o que fazia, deixando-me atrapalhada com tanta benevolência. E não posso esquecer o belíssimo texto que publicou sobre minha mãe, quando ela faleceu, no Jornal de Letras (8.3.94). Generosa em tudo!

As suas histórias estão cheias de ternura, de ironia, também de realismo sobre a vida de muitas das nossas crianças. Mas também era capaz de escrever: “Limpemos esta floresta que somos. Não queiramos, não consintamos a imolação pelo fogo de muitos de nós. Não consintamos olhar mais a humanidade como vítima de uma morte violenta que quer vingar sabe-se lá que deus menor. Ou sabe-se demais. Porque ela pesa. É de metal.”

Tenho em mãos uma publicação sobre “A Criança e os Direitos Fundamentais”, onde também faço uma reflexão sobre o impacto em Portugal do Ano Internacional da Criança – 1979. Por ela ter pertencido à Comissão Nacional para a organização de iniciativas, pedi-lhe recentemente um depoimento. Que ela termina desta forma: “Parto com saudade de um futuro que não viverei mas que tenho a certeza de poder sonhar. Parto com esperança.”

Arrepiei-me toda quando recebi a sua carta. Respeitei o seu sentir premonitório. Mas não fui capaz de lhe responder. E ela se foi com o meu silêncio acobardado.

Quem tem filhos, netos, trabalha com crianças, façam o favor, corram a comprar os seus livros. Só ficam a ganhar!



Este beijinho da Matilde é generalizado a todos, tal era a sua capacidade de receber o Outro, de o aceitar, de perdoar.








http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/

3 comentários:

  1. Clara, bela homenagem. Por outro lado vieste recordar aquela escola primária que também foi minha.

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  2. É verdade. Tu não te lembras as festas, mas que linda figura eu fiz! E tenho outra foto vestida de minhota!

    Os pais não tinham medo de nos deixar andar sozinhos pelas ruas. Mas os perigos eram os mesmos, o que acontecia era que não de denunciavam as coisas.A minha irmão mais velha andava a fugir do padre, à roda da mesa, quando ia ajudar a pôr as flores na igreja. E fazia-se alguma coisa? Ela contou à família, evitavam-se as situações, o dito cujo continuou a andar atrás das adolescentes...
    E os cãezinhos de barro piroso que eu comprava nas feiras? Seja como fôr, as crianças jogavam, brincavam, algumas liam.E tinham horas livres depois da escola...Vemo-nos dia 13?

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  3. Os leitores não sabem (ficam agora a saber) dia 13 os colaboradores do Estrolabio juntam-se num almoço. Das duas dúzias conheço pessoalmemte meia dúzia, esses de ginjeira. Claro que vou, Clara. Espero que também vá outra Clara, a minha querida Augusta que não vejo há anos.
    Belas foi um bom lugar para as crianças crescerem em liberdade, a minha rua na Idanha era um "bairro operário", ao fundo a vacaria onde matinalmente ia ao leite. A colectividade, "Grupo Bandolinistas 22 de Maio de 1925" (nome da trupe de jazz lá existente até 59) tem a melhor biblioteca das sociedades de recreio, foi o meu instituto de leituras e do ténis de mesa. Belas era o refúgio fora de portas para gente da cultura, morada dos ricos em grandes quintas,Pinto Bastos, Alfredo Alves, Wimmer, etc. mas também da pobreza mais cruel, recordo os miúdos dos bairros de barracas, descalços, e de fio ao pescoço com a medalha numerada que lhes dava acesso ao quarto de leite no posto da UCAL. Da minha 4ª classe e por razões económicas, só seis seguiram para o secundário. No entanto tinhamos o melhor de dois mundos, do campo e da cidade, penso que éramos felizes.

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