Carlos Leça da Veiga
Uma outra Constituição Política (Continuação)
Se houvesse uma Democracia verdadeira, então, os próceres instituídos não estariam sempre a falar na sua existência e, com isso, a refugiarem-se numa aludida vontade dos eleitores que, eles mesmos, com melífluidade, souberam instrumentalizar e alienar. Cada vez é mais visível que, em última análise, tudo fazem em proveito dos possidentes e fazem-no, sobretudo, para esconder as malfeitorias sempre em marcha, tanto as deles como as das suas clientelas. Querem ludibriar alguém – a população – e, para tanto, sabem que a repetição, levada à exaustão, de qualquer mentira acabará, por força das circunstâncias, por ser tomada como coisa verdadeira. Não será por proclamarem haver uma Democracia ou, por igual, como repetem, um Estado de Direito que isso basta para havê-los.
A Constituição actual permite uma imensidão de irregularidades, logo defrauda a Democracia e remete para as calendas gregas o Estado de Direito.
Importa recusar-lhe todas as facetas deletérias e passar a defender-se uma Terceira República apetrechada com uma Constituição política que seja geradora pertinaz e defensora acérrima, com clareza máxima, dos direitos democráticos, neles incluídos, de sobremaneira, com toda a precisão formal e consistência substantiva, os direitos promocionais, aqueles que no século XXI têm de exigir-se com uma intransigência limite por serem, necessariamente, o complemento indispensável da transformação da Democracia política – aquela dos direitos, liberdades e garantias – na do Estado de Justiça.
Para começar importa ter de seguir-se e de usar-se, sem entraves nem receios, a sentença sábia deixada por Miguel Torga que, a todos, ensinou ”Temos nas mãos o terrível poder de recusar”.
Reconheça-se, então, que neste final de 2009 – e, ainda, a procissão vai no adro – há imenso que recusar e, desde logo, antes doutra coisa mais, isso é fundamental, a Constituição em vigor.
Mas que alternativa?
Nos termos mais gerais, opta-se pela defesa do regime presidencialista, contudo, como é uma exigência republicana que deve entender-se como coisa básica, com um Conselho Presidencial a substituir a figura isolada dum Presidente, afinal, nada mais que um monarca, descartável a prazo previsto. Cultivar personalidades não é uma tarefa republicana.
Este é um aspecto constitucional que parece merecer uma ponderação empenhada já que tem que ver com a natureza verdadeira duma República e que nunca, entre nós – que seja conhecido – mereceu receber qualquer contemplação, pelo menos uma qualquer que tenha chegado ao grande público. Com efeito, numa República, por definição, não há chefe de estado.
É essa a sua diferença fundamental face a uma Monarquia na qual a existência dum chefe é primordial, “sine qua non”. A Primeira República Francesa, de vida breve, chegou a instituir esse comportamento tal como, assim, continua a acontecer na Confederação Helvética – a única República do mundo – na qual, em vez dum chefe, como sua substituição, há um colégio com as funções executiva e presidencial.
Não é aceitável haver um Presidente da República nem mesmo, tão pouco, no regime que se advoga, o presidencial. Neste, e no condicionalismo defendido, não parece curial dar o encargo de extrema responsabilidade a uma só personalidade que, por desígnio, terá diante de si as maiores e mais difíceis decisões, nomeadamente, por isso ser constitucional, para além do encargo da Representação da República, aquelas da função Executiva do poder de Estado. Parece perfeitamente compreensível, senão mesmo exigível, que actividades tão complexas não devam recair sobre um só indivíduo antes, sim, para poderem obter-se muito mais garantias democráticas, por um colectivo – o Conselho da Presidência da República – eleito por sufrágio universal, em lista composta por, como bastará, cinco elementos que, uma vez eleitos, tudo decidam por maioria inclusive elejam entre si, quem Presida a esse Conselho seja, ou não, por rotatividade. Também, por necessidade de trabalho, reconhecida por um Congresso da República, o Conselho Presidencial da República poderá agregar, sob consentimento expresso duma Assembleia Judicial, os Secretários de Estado considerados necessários que, cada qual, só terá responsabilidade política perante esse Conselho Presidencial.
O regime presidencialista dá á população eleitora a capacidade de, pelo seu voto directo, eleger quem vai constituir o Conselho da Presidência da República, logo quem, para além da Representação Nacional vai assumir o Executivo Nacional e que, como entidade política, fica sujeita, apenas, à escolha feita pelo eleitorado nacional, à apreciação da opinião publica, às deliberações políticas próprias do Congresso da República, à obediência rigorosa às leis oriundas da Assembleia Legislativa, à aceitação das decisões próprias da Assembleia Judicial e às daquelas dos organismos judiciais dela dependentes tal como, também, se for caso disso, a uma eventual demissão por factos susceptíveis de accionarem o mecanismo político do “impetchment” proposto pela maioria de dois terços do Congresso da República e, depois, julgado pela Assembleia Judicial.
Nos dias de hoje, a opção constitucional pelo modelo parlamentar de natureza representativa, velho de séculos, para além duma comprovada ineficácia política, cultural e social é, para mais e para pior, um órfão da devida separação, total e rigorosa, das funções do poder do Estado em que avulta como particularidade mais iníqua a situação de dependência política da função Justiça, uma circunstância que é uma vergonha clamorosa e um autêntico atentado à Democracia. O Parlamento, isto é, a Assembleia da República, isto é o Legislativo Nacional, na sua ânsia dominadora, atribui-se poderes de ingerência na organização da cúpula da Justiça. É prioritário reformular a organização da Justiça e de tal maneira que, em definitivo, ganhe a independência total necessária.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
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