Carlos Leça da Veiga
Utopia que seja; quem quererá partilhá-la?
O homem pode ter, de si e do mundo em que vive, uma consciência tanto convergente com a realidade objectiva que o rodeia e de que é um reflexo como, pelo inverso, pode ter uma imaginada, distorcida ou, dito doutro modo, idealizada.
A consciência humana – o poder que o sujeito tem de conhecer-se, agente ou modificado – para ser um instrumento válido, de facto e de valor, tem de ser um reflexo objectivo do mundo real que o rodeia.
Na primeira circunstância, e na medida que os seus conhecimentos lho permitam, estará relativamente próximo da realidade, pelo que esse grau de esclarecimento nas múltiplas variedades do conhecimento assegurar-lhe-á uma muito melhor consciência, tanto da sua própria existência, como, daquela da organização e da estratificação da sociedade, das suas causalidades funcionais, das consequências daí advenientes, das suas mais variadas dependências e interdependências, daquilo de que deve orgulhar-se, do que deve saber recusar, do que pode reivindicar, de como deverá separar o bem do mal, do que deve condenar, ao que deve dedicar-se, das imensas injustiças sociais vividas e, sobretudo, reconhecer que, ao arrepio do que já deveria ser, nos nossos dias, tal como a sociedade humana, ainda, está gerida, a imensa maioria dos seres humanos, no mais essencial, nada mais é que mera mercadoria nas mãos e ás ordens dos grandes possidentes económicos.
Hoje em dia, ainda há muitos que continuam a não conseguir ver – e, quantos, a não querer ver – a pequenez a que Homens e Mulheres, em todo o Mundo, têm sido votados e mantidos pelas deliberações, quase sempre selvagens, desses potentados económicos que na mira constante do lucro – do lucro a todo o custo – perseguem e prosseguem na exploração do homem pelo homem. Importa que os processos de formação da consciência humana não desvirtuem as situações da existência real – social e histórica – que lhe deram origem e, para isso, cabe ao Homem promover a critica sistemática de tudo quanto se reflecte sobre si mesmo.
Não pode duvidar-se de como é importante poder alcançar-se, o mais possível, uma visão objectiva do mundo que nos rodeia para que, cada qual, por ficar mais e melhor apetrechado, tenha fôlego bastante para exigir as transformações sociais capazes de, por justiça elementar, permitirem que Homens e Mulheres deixem de ser meros produtores das mais valias destinadas ao beneficio exclusivo de muito poucos e, passem a ter força disponível para, na sociedade, conseguirem alcançar o lugar a que a sua condição humana, por justiça, tem direito natural.
Na segunda das circunstâncias apontadas – na visão subjectiva – quem a ela está subordinado, pelo contrário, está tão distante da realidade que bem pode dizer-se tê-la falseado a ponto de não estar habilitado a compreender a condição de mera mercadoria que lhe está reservada no modo de produção da comunidade social e, como assim, sem disso dar-se conta, deixar fluir as suas legitimas e justas queixas à conta do que considera uma inevitabilidade, um assim ter de ser, o fruto duma imutável condição humana, uma decorrência evidente dum mundo que já encontrou moldado e que, quantas das vezes, é aceite da maneira mais cordata e mais concordante tudo, apenas, por sentir-se obrigado a considerá-lo obra de forças intangíveis, omniscientes e omnipotentes vindas, desde sempre e para sempre, das origens dos tempos. O sujeito expropria-se a si mesmo ao deixar transferir a sua acção produtiva – o trabalho – para o objecto, ou seja, o sujeito acaba por conceber-se como um produto e, nesta condição de subjectividade, o Homem é tomado – e toma-se a si mesmo – como mercadoria.
Nesta última circunstância bem pode dizer-se que a consciência fica alienada e o pensamento, sem carácter de fatalidade, por força da substantivação das relações sociais, é determinado por formas ideológicas, ou seja, por formas de pensar estruturalmente comprometidas com a alienação. A alienação é causada e avolumada, muito substancialmente, pelas condições económicas, culturais, políticas e sociais que definem e resultam do modo de produção da sociedade humana, entendendo-se por esse modo de produção a maneira como se integram as forças produtoras e as suas relações de produção, umas e outras indissoluvelmente ligadas. Quando as primeiras estão postas ao serviço dos poucos que detêm a sua posse e são beneficiários preponderantes, senão exclusivos, desses meios de produção, então, as relações de produção caracterizam-se pela exploração económica de muitos por um punhado de muito poucos, o que significa – traduz – a apropriação unilateral das mais valias extorquidas ao esforço de quem trabalha.
Em Portugal, numa acção de propaganda vivida num crescendo constante, a força sócio-política dos grandes possidentes económicos, conforme o sabor das suas melhores e maiores vantagens – hoje em dia, nada mais, que os do capitalismo mafioso – tem sido endeusada não só pela exposição insistente e exaltante – mas não menos fantasiosa – dos seus sucessos financeiros e, também, tremenda falsidade, pela virtude socialmente meritória atribuída aos seus fins lucrativos, uma característica que, na realidade, nunca foi vista já que, bem sabido, as mais valias obtidas não só são conseguidos, por inteiro, à custa da exploração dos seus assalariados, tomados, afinal, em simples mercadoria como, jamais revertidas em favor de quaisquer necessidades sociais significativas. Alguma razão há para que seja claramente visível o aumente do fosso entre ricos e pobres e que o próprio número dos verdadeiramente ricos não cresça, antes pelo contrario, prossiga em contracção.
Ao considerarem os seres humanos como mera mercadoria, sujeita à lei da oferta e da procura, os grandes possidentes económicos têm uma prática social alienante e, deste modo, porque fazem dela o seu objectivo fundamental, fetichizam-na e criam desumanidade.
(Continua)
quinta-feira, 15 de julho de 2010
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