Júlio Marques Mota*
ANEXO II (Continuação)
Excerto de uma carta enviada a um antigo ministro da tutela do Ensino Superior
Coimbra, 18 de Abril de 2008
Caro Professor:
Tomo a liberdade de lhe escrever esta carta assente em dois pontos: o primeiro, a expressar a desilusão de quem está a assistira lenta agonia das Universidades, o segundo, para lhe apresentarmos um recente trabalho de grupo sobre a crise actual.
Sobre as Universidades e numa referência rápida quero agradecer-lhe a leitura cuidada que fez dos meus dois textos sobre o ensino superior. A escrevê-los hoje seria mais duro, pois, parafraseando um dos homens que mais me marcou em questões de educação e um texto que lhe mando em anexo, Antoine Prost, tenho o sentimento e a certeza de que estamos perante um Munique pedagógico e científico: capitulamos face à destruição rápida das Universidades, hoje a serem transformadas em liceus de má qualidade. Estamos silenciosamente a destruir ou a impedir que se crie a inteligência futura do nosso país. O termo Bolonha, mas não a declaração de Bolonha que é claramente muito mais séria, é o pretexto, é a capa, apenas isso, sabemo-lo hoje. O objectivo é a redução do défice, é a aplicação estrita de um modelo neo-liberal puro e duro, conduzido desta forma por socialistas, o que é estranho, é a aposta exclusiva nas formações curtas e num momento da curva da História que nos diz que tudo deve ser repensado, curva esta que, no dizer de Fukuyama, se iniciou com Regan e se conclui com a actual crise financeira. A actual política do ensino superior é ao mesmo tempo a aplicação cruel duma lógica de desrespeito total pelos nossos filhos e netos numa sociedade cada vez mais insensível e mais implacável, mais desregulamentada e a partir do próprio Estado, o que ainda é mais estranho. É esta mesma lógica que leva a que jovens com apenas 20 anos, diplomados e desinformados, credenciados por um diploma superior garante da sua não empregabilidade e da nossa incapacidade, sejam atirados para a fogueira do mercado, onde tudo é valido pela ausência de valores que neste predomina, como se tem estado a ver. Mas, agora, atiramo-los em nome da responsabilização individual. Os romanos davam a isto um outro nome, professor!
Certo da sua atenção, pedimos desculpa pela liberdade assumida e pelo tempo tomado e apresentamos sinceramente os nossos cumprimentos.
Atenciosamente
Júlio Mota
ANEXO III
Carta enviada à direcção do Jornal Público
Caros Senhores Jornalistas do Jornal Público
Foi com satisfação que li a vossa recente reportagem sobre o ensino em que assisti a uma muita boa denúncia do que neste campo está a ser feito em Portugal. Digo satisfação, não pela realidade “ilustrada” pois ninguém pode ficar satisfeito com o que aí se diz, com o que aí se mostra, digo satisfação pela coragem havida, quer dos jornalistas quer dos professores que se pronunciaram. Estar fora do mundo de Pangloss não é hoje permitido. O silêncio que tem havido à volta de tudo isto é disso uma clara ilustração. Já era tempo de quebrar esse silêncio. Os senhores fizeram-no. Felicitações
No entanto, uma pequena falha se instala, uma pequena dúvida percorre o raciocínio dos leitores da mesma reportagem. Fica-se com a sensação de que o problema está fora da Universidade, que o problema é apenas o ensino secundário. Não é verdade.
Hoje, do meu ponto de vista, as faculdades tornaram-se, sob a protecção de Bolonha e com o silêncio de muita gente, verdadeiras fábricas de produção de diplomas superiores da ignorância. Uma outra reportagem sobre este nível de ensino seria, do meu ponto de vista, a sequência daquela reportagem, seria mostrar, face ao que se disse na reportagem anterior, o que se faz nas Universidades a muitos daqueles alunos. Eu digo-vos: possivelmente passam-nos, e com o grau de mestre.
Sugiro-vos então uma “viagem” ao mundo da ignorância das Universidades e compreender-se-á o que é, afinal, ensinar “melhor” a alunos piores, em menos anos e em menos aulas por semana. Um milagre que seria bom que desvendassem. Prestariam assim um bom serviço às gerações futuras e, porque não, ao futuro deste nosso país.
E é tudo. As minhas desculpas pela liberdade da sugestão.
Júlio Marques Mota
FIM DOS ANEXOS
Talvez esteja enganado, bem gostaria de o estar, mas aqui lhes deixo as minhas impressões sobre Bolonha.
* Docente na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
segunda-feira, 26 de julho de 2010
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Excelente texto, pode dizer-se agora que ficou completo. Estas reflexões demonstram até que ponto o modelo de sociedade em que vivemos condiciona tudo e todos. Até a Universidade, outrora tão ciosa da sua independência, é forçada a alinhar pela onda de «pragmatismo» que nada poupa. Tudo estaria bem se a qualidade científica do Ensino aumentasse. Verifica-se que não. Bolonha é uma forma de tentar ajustar as estruturas do ensino superior às necessidades do mercado de trabalho. E duvido que esse ajustamento seja eficaz. Como o Professor Júlio Marques Mota também duvida e, de forma tão eloquente, no-lo explicou.
ResponderEliminarSão óptimos textos que dão uma perspectiva de quem sabe.
ResponderEliminarO estranho é que só as Universidades portuguesas estão a criticar Bologna. Na Alemanha, França etc. Está tudo a correr muito bem.
ResponderEliminarTambem pode ser uma reação corporativa à mudança, isso é verdade.
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