quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Crónica de Férias. Touradas.

Carlos Mesquita
Agora que boa parte dos portugueses foi de férias para descansar do trabalho que deu fazer o mínimo possível, também eu meti um dia de férias repartidas, meio-dia da parte da tarde de sexta mais meio-dia da parte da manhã de segunda. Como vim passar os meus meios-dias de férias a quase 500 km de casa, mesmo demorando pouco mais de três horas, respeitando as leis de trânsito como todos nós acatamos todas as leis, já perdi na viagem metade do meio-dia da manhã de sexta e irei consumir mais metade da manhã de segunda. (Este período foi dedicado à terceira idade que lê o Estrolabio, e que precisa exercitar o cérebro como profilaxia das suas doenças degenerativas).

Estou na rua, na casa de família, no campo, na noite, aqui o céu tem estrelas não há luz da cidade que as apague, a mesa de mármore ainda está morna do sol, ao meu lado a Lua olha-me esperando ordens enquanto a outra, minguante quase cheia, alumia de través juntando-se à luz por baixo da latada. A lâmpada é amarela, clareando num espectro que torna o espaço cego para os mosquitos, só uns pequenos voadores verdes entram no buraco negro do cone de luz, desenhando manobras perigosas e parafusos desgovernados, caindo entontecidos como insectos, sobre a mesa. Os ralos grilam em compita; são o único som, os trinados do noitibó que costumava ouvir fizeram gazeta.

A Lua pede-me atenção com a pata na minha perna, na sua visão canina deve achar que ler ou escrever é uma perca de tempo. Tanto espaço, podíamos dar umas corridas, podias mandar uma bola uma pedra um pau e eu ia buscar, suplica com os olhos, as orelhas e o rabo abanando impaciente. Não. Basta um não suave para a Lua perceber que o camarada não vai brincar com ela, vai ficar a brincar sozinho. Deita-se pondo uma pata sobre o meu pé, o focinho alinhado em cima, e aí fica até que me levante, dormindo ou acordada é a sua posição preferida. Faz o mesmo com o resto da família, o toque corporal que as mães sabem acalmar as crianças.


Bom, o melhor é começar a escrever senão era melhor ir brincar com a cadela.
Andam por aí a proibir as touradas, da Catalunha a Viana…e não me lembro de mais lado nenhum. Ao ritmo das proibições e das suas promoções temos assunto para durar. A tourada fora das praças também é espectáculo, e algumas brigas como a de Barrancos até serviram para impulsionar a “festa”. A abordagem hostil dos militantes proibicionistas custa a dar frutos porque é errada. Já não sacrificamos pessoas aos deuses mas ainda se degolam animais em festas religiosas e pagãs, ainda há pouco se matavam em casa todos os animais para consumo da sua carne, o sangue a escorrer não emociona mais que o sumo de fruta, há quem se delicie com um bife mal passado esvaindo-se no prato. O sangue não comove ninguém e da mesma forma a crueldade, servida na hora da refeição pelos telejornais, em secções contínuas de sevícias e amontoados de cadáveres trucidados; toda a violência é apresentada como tendo razão de existir, é aprendida desde pequeno nos jogos recreativos, é normal, cada dia mais indiferentemente normal. Dizer que o fim das touradas é um avanço civilizacional é não olhar para onde caminha a civilização, será quando muito um desvio ténue da barbárie aceite pela nossa sociedade. Talvez seja mais produtivo informar os portugueses, e todos eles gostam dos animais, principalmente no prato, que umas bandarilhas mal espetadas podem estragar o cachaço e uma chicoelina que faça ajoelhar o touro pode lesionar o chambão. Um cozido à portuguesa com cachaço e chambão em mau estado é razão para embargar a festa.

6 comentários:

  1. eheheh bem visto.Eu nunca entrei numa praça de touros mas não sei se acabar com as touradas constitua um avanço civilizacional.Não sei.Em criança morei na rua do matadouro, vi matar muitas dezenas de animais ,sempre percebi que oa animais pressentiam a morte. Não sei se é melhor estar à espera no matadouro se morrer a lutar.Não sei!

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  2. É uma opinião, a meu ver, bastante falaciosa. Lá pelo facto de comermos frango todos os dias, não vamos pegar numa espingarda de pressão de ar e chumbá-los, antes de os matar, aproveitando para fazer espectáculo com a pontaria.

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  3. Adão Cruz, essa opinião não está no meu texto.

    Luís, guardo na memória o cheiro da urina misturada com o sangue dos matadouros, é do mais repugnante. Os animais não pressentem, cheiram, não sei, mas sabem do "corredor da morte". Tive de mandar abater um cão com cancro há uns anos, o veterinário perguntou-me se queria despedir-me dele, aceitei e cometi um erro que ainda pago agora; trouxeram-no, veio de cabeça baixa como não era costume, fiz-lhe uma festa, voltou-me as costas de repente e lentamente de rabo no chão e abatido voltou para a sala da eutanásia. Ele sabia e o raio desta sequência nunca mais me saiu da cabeça.

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  4. Os animais sabem que vão morrer, disso não tenho dúvidas.

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  5. Eu estou feliz com o fim das Touradas! Não há defesa possível para os maus tratos.

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  6. Sabiam que as organizações de defesa dos animais, contra os maus tratos, começaram nos EUA antes da de defesa das crianças? Dá que pensar, não?
    Carlos, invejo-te por teres um cão que te desafia para a brincadeira, mas que se consola só com a tua companhia. E preocupam-me mais as touradas fora das arenas, como dizes, se bem que passe bem sem elas... Mais uma forma de nos distrairmos do que verdadeiramente nos deveria focar a atenção e -helas - a acção!

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