Manuela Degerine
Não pertenci à categoria de adolescentes que cobria as paredes do quarto com imagens dos ídolos. Eu naquela época escrevia poemas-de-álvaro-de-campos ao quilómetro e à compita com a Ana Rodrigues; uma amiga. Reuníamo-nos para ler uma à outra as respectivas obras que achávamos quase tão geniais como as do Poeta. (Anos mais tarde, os textos pareceram-me insuportáveis e, talvez por revelarem, de maneira ingénua e sincera, facetas que preferia ignorar, deitei-os no lixo – o que agora lamento.)
Naquele tempo tão distante que sinto tentações de empregar o latim, in illo tempore cheguei a ter na mão uma fotografia de Fernando Pessoa porém, em vez de a pregar na madeira da estante, o primeiro impulso – arrumei-a numa gaveta. É que, então, para mim, o poeta futurista não se podia confundir com aquele bisavô de chapéu. O Álvaro de Campos continuava a ter constipações e dúvidas metafísicas, era meu contemporâneo e, compreendo agora, por me falar de mim, não podia ter rosto.
Descobri na mesma época as canções de Sérgio Godinho. Perguntará o leitor: qual a relação?... Pois: tal como o Álvaro de Campos, o Sérgio Godinho emprestou-me palavras para a conquista de mim. As suas canções dizem a poesia, a revolta, o amor, a liberdade... Traçam um percurso que, não raras vezes, se cruzou com o meu.
Ouvir uma canção, ler um poema ou um romance, é entrar em colisão com a singularidade de um autor, por isso todos vivemos grandes paixões com os nossos autores preferidos. Durante a adolescência o meu coração balançou muito entre o Álvaro de Campos e o Sérgio Godinho; comparados com eles, os colegas do liceu diziam-me frases bem triviais...
terça-feira, 31 de agosto de 2010
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Eu gosto das letras dele mas nunca fui muito à bola com a pessoa.Começo a perceber porquê, mas tarde como sempre...
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