terça-feira, 24 de agosto de 2010

Notas de cêntimo (6) - Produtividade

Carlos Mesquita

O Homem actual prepara-se em grande parte da sua existência para trabalhar mas como em todos os desígnios só alguns têm sucesso no trabalho. Quando não basta trabalhar, mas se exige alta produção por pouca retribuição, a labuta já não é projecto próprio é levar uma vida de trabalho para quase nada e carregar a maior parte das vezes as culpas da improdutividade. Cada um de nós terá as suas experiências. Na cadeia do trabalho desempenhei várias funções, de operário a industrial, quadro intermédio e superior e coisas similares. Numa das profissões fui técnico de produtividade se é que isso existe; deram-me um curso de MTM, em português, metodologia de trabalho e tempos e controlo de produção.

Quando ouço falar em produtividade não recordo o tempo de operário ou de industrial, mas a prova, de aferir as performances laborais de centenas de postos de trabalho numa multinacional americana que estava cá para explorar a mão-de-obra barata. O objectivo do MTM seria a eficiência na produção industrial para reduzir custos, baseada na desmontagem e análise dos sistemas de fabrico e do trabalho como acção, procurando novos métodos optimizadores da mão de obra e a introdução de apoios tecnológicos que acabassem com os desperdícios, digo seria porque na prática os ganhos de produtividade conseguiam-se através da exigência do aumento das cadências laborais e quase nenhuns projectos de reengenharia eram adoptados, a mão de obra era tão barata e as leis de protecção laboral inexistentes que era preferível puxar pelos operários até ao limite que investir em equipamentos e sistemas (robotizado, segundo me lembro, só para fazer parafusos). O ordenado mínimo mensal que o 25 de Abril trouxe era mil e trezentos escudos, (não chegava a seis euros e meio por mês) portanto fazer aqui, em Singapura ou na Polónia, alguns dos países onde o grupo tinha fábricas era o mesmo. Trabalhar ao limite para conseguir produtividade era por exemplo não tirar os olhos de lentes de aumentar que permitiam mexer em semicondutores e algum tempo depois ter problemas visuais, diminuir por isso a produtividade e ser despedido, trabalhar sem direitos nenhuns, de baixa só com autorização do médico da empresa que até mantinha ao serviço pessoas com fracturas. Baixar a cadência significava despedimento e a substituição por outro trabalhador dos muitos desempregados que a cintura industrial fornecia, levando alguns a empenhar-se nas tarefas mesmo doentes, até ao limite.

Hoje diz-se que os direitos que os trabalhadores conquistaram impedem a produtividade, e que os ordenados fabris põem em causa a competitividade; só é certo se o preço da mão-de-obra é a única vantagem competitiva (na verdade a relação entre salários e produtividade dos portugueses e dos restantes europeus desmente que cá a produtividade seja menor) a questão é se Portugal precisa desse tipo de empresas, e se a forma como vamos concorrer no mercado internacional, é voltando a estes tempos que presenciei e os operários chineses vivem todos os dias. Há quem o defenda.

(continua)

1 comentário:

  1. Completamente de acordo! Tambem sou do tempo em que os operários eram sugados até à medula, uma distração e lá ía uma mão ou um dedo.E a produtividade tambem ía para o hospital com o operário, pois havia que formar outro.Até se perceber que a "curva da experiência" era fundamental para os ganhos de produtividade e se começar a proteger quem trabalha, foi uma luta contra muitas ideias feitas.

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