terça-feira, 24 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra



Manuela Degerine

Capítulo LXXXVIII

Vigésima terceira etapa: em Redondela

Pouco passava das seis quando tomei o pequeno-almoço – começo portanto a sentir apetite. Chegados ao centro de Redondela, quero comprar fruta, não é difícil, logo encontro, queijo não é necessário, resta-me metade do que ontem comprei, com odor, paladar e consistência perfeitos, buscamos em seguida ambos pão. Entramos em vários sítios; a mercadoria não nos atrai. Interrogo uma senhora idosa que transporta um cabaz de compras.

- Também prefiro esse pão... Escuro, pesado: é o melhor. Sabe onde o compro? No mercado. Não, hoje não há mercado. Agora, aqui, não sei, sinto a mesma falta, não há bom pão. Só se forem ao supermercado... Tem um integral, em saco de plástico, não é grande coisa, compro-o às vezes, não tendo outro... De nada. Bom caminho!

Entramos no supermercado, encontramos o tal pão. Não, nem pensar, recuso-me, no Caminho de Santiago, a ingerir tal coisa, parece a triste marca Jacquet que em Paris às vezes compro... e só suporto depois de torrado. (Para os amantes de pão, Paris é a pior cidade.) Não e não. Não andei tantos quilómetros para vir encorajar esta infame falta de qualidade.

A busca conduziu-nos a uma rua pedonal. Sento-me num banco, como uma banana da Chiquita ou quejanda, lembro-me que a Marlene, em Portugal, só compra bananas da Madeira, quantas lutas vamos abandonando, por preguiça, quanta qualidade vamos perdendo, por comodismo, leio entretanto a cidade, à minha volta, Axencia de viaxes, se basta palatalizar desta maneira, ambiento-me depressa, daqui a pouco passo por galega, noto viaxes sem nasal, mais um v pronunciado como b, sem dúvida, como no Minho, entretanto Sérgio entrou na Confitería Filo, comprou uma empada de cebola com demasiada cebola; não me tenta.

Buscamos a direcção de Pontevedra, sentindo-nos algo desorientados: perdemos as setas amarelas. Aliás Gérard Rousse avisa que, no início desta etapa, a sinalização é apenas ocasional; mas também nos vemos fora do percurso descrito no roteiro. Perguntamos a duas senhoras por onde passa o Caminho de Santiago, ignoram, uma delas nasceu em França, estudou italiano, começa a história da vida, sem dúvida longa, a julgar pela aparência, a narrativa interessa-nos, no entanto as mochilas pesam; abreviamos como podemos.

Subimos numa direcção que, mesmo assim, pela conversa de Gérard, calculamos ser esta, sem contudo atinarmos com o caminho, o que não pouco me inquieta pois, antes de chegar à Azambuja, caminhando na direcção certa, me encontrei num caminho errado, agora tão-pouco me atrai caminhar à beira de alguma nacional, estudamos portanto cada poste, parede, beira de passeio, buscando um elemento tranquilizador ou, o que melhor calharia, alguma seta amarela, quando vemos uma padaria. Tem bom pão, escuro e pesado? Oscuro y pesado: tornou-se um estribilho. A senhora pega num pão com meio metro de comprimento.

- Deste aqui?

Mandamos cortar dois pedações. Quando pego no saco, sinto o peso – é mesmo deste. Está ainda quente... Sigo pela rua acima comendo bocados de um pão supremo, com uma cor, com um cheiro, com um gosto, com uma densidade perfeita, achando supérfluo, inconveniente até, acompanhá-lo seja com o que for. Ah, tinham razão os bombeiros de Valença... Tenho andado pelo mundo inteiro mas só em Portugal – e agora na Galiza – encontro pão com esta qualidade. Não trocaria este pão por nenhum bolo.

Lamento não possuir o contacto da senhora idosa, haver-lhe-ia ainda hoje escrito para a informar. Não, não devemos pactuar com a falta de qualidade: em nenhuma circunstância. (Não voltarei, mesmo em Paris, à marca Jacquet.)

E, como uma graça nunca vem só, percorridos poucos metros, avistamos uma seta amarela.

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