Manuela Degerine
Capítulo LXXI
Décima oitava etapa: de Barcelos a Ponte de Lima (continuação IV)
Passamos Tamel, Portela, Aborim... Subimos, descemos, voltamos a subir.
Caminhamos por debaixo de vinha suspensa que, com este tempo e mesmo, nesta época, não faz sombra mas, no Verão, deve ser refrescante. O alcatrão e a calçada alternam com terra e areia. Atravessamos pontes por cima de riachos, atravessamos com água pelo cimo das botas, trepamos por taludes e até paredes para evitar charcos mais profundos... As varas de eucalipto revelam-se indispensáveis para sondar a água ou para nos equilibrarmos quando avançamos com um pé em suporte instável...
Entramos em Balugães. Passa do meio-dia e chove a cântaros. Com tal ritmo a que horas chegaremos a Ponte de Lima?... Percorremos treze quilómetros e meio com esta chuva – que nunca diminuiu. Não nos sentámos durante toda a manhã, não parámos sequer para comer, pois impor-se-ia poisar as mochilas, estando tudo inundado e cheio de lama. Doem-me as costas, sinto-me gelada. Por isso, vejo um portão aberto, chamo os donos da casa. Acorre uma senhora. Inquiro se podemos abrigar-nos.
- Só uns minutos... O meu marido chega daqui por um quarto de hora e, se os vir, ralha comigo. Sabe... Muitas pessoas têm sido assaltadas dentro de casa...
Prometemos que nos sentamos e, dali por dez minutos, nos vamos embora. Ela indica, por debaixo da varanda, uma mesa e duas cadeiras. Largamos as mochilas... Sentimo-nos logo melhor. Tiro o impermeável e descubro que tenho não só o cabelo mas até a camisola molhados. Ah... Por isso sentia tanto frio.
Chega a senhora. Aflige-se quando me vê de perto, vai buscar uma toalha para eu limpar o cabelo, quer fazer um café para nos aquecermos... Digo que basta água quente, pois trago sacos de chá. Ela põe de imediato água a aquecer e traz bolachas, amêndoas da Páscoa... Nós temos comida, é pesada, importa comê-la: sandes com queijo, leite com chocolate e fruta. Começamos a comer. Entretanto a senhora insiste para eu mudar de roupa. Prefiro ficar com a camisola molhada para poder, quando chegar a Ponte de Lima, vestir suficiente roupa seca: duas camisolas de algodão, uma por cima da outra, mais a de fibras complexas, a tal, tão leve e arejada – e que afinal não aquece nada.
A senhora quer dar-me uma camisola. Replico logo que não – um pouco envergonhada. Ela não se convence, vira costas, volta com várias, mais um blusão. Eram da filha. Trouxe-os para ela os oferecer a alguém que, por ali, precise deles, a senhora lavou as camisolas, mandou limpar o blusão... Ora, declara ela, nos dias de hoje, ninguém precisa de roupa – excepto eu, neste momento. Não é completamente falso... Tenho armários cheios mas, neste instante, não me aquecem nem arrefecem. Ela continua a teimar: se não quiser carregar com o blusão, que é pesado, abandono-o em Ponte de Lima mas, ao menos, chego lá sem uma pneumonia. Acabo por aceitar. Uma camisola. E o blusão, de couro, muito pesado, de facto – mas quente e impermeável.
Entretanto chega o marido, a quem explicamos a situação. O senhor não se zanga: revela um coração semelhante ao da esposa.
Conversamos durante alguns minutos. Nós explicamos o caminho de Santiago, eles contam a vida em Balugães. A D. Graziela foi modista e fez vestidos para todas a noivas da região: uma vida inteira a vestir os outros.
Acabamos por nos despedir. A D. Graziela oferece-nos, à força, o pacote de amêndoas.
- Não vos fazem mal: vocês precisam de força para caminhar!
Sendo impossível recusar, encarrego Sérgio de as transportar – e comer.
Neste encontro houve um embaraço irresolúvel. É que, do princípio ao fim, a D. Graziela se referiu a Sérgio dizendo: o seu marido. Logo percebi que a circunstância de vir acompanhada com um homem tinha para ela implicações distintas das que lhe atribuo.
- O seu marido não é português, pois não?
- Não, não... O Sérgio é italiano.
- Pergunte ao seu marido se quer o chá com açúcar.
- Não, acho que não...
É certo que em Santiago de Compostela hei-de orar pela D. Graziela e pelo marido – eles crêem no Deus Todo-Poderoso. Que vivam muitos anos com alegria. Que nas silvas encontrem as amoras e nunca os espinhos. E que nenhuma criatura de má índole ultrapasse o limiar daquele n°32.
sábado, 7 de agosto de 2010
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