quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo LXXXIII

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Vigésima primeira etapa: de Valença ao Porrinho

Perguntará agora o leitor... Então as Novas Viagens na Minha Terra entram pela Espanha dentro?

Pois é verdade: entram. Vão pela Galiza até Santiago de Compostela. E as razões parecem-me evidentes, não por o Caminho de Santiago prosseguir, Almeida Garrett foi a Santarém e voltou para trás, eu posso chegar a Valença e retornar a Lisboa; ou prosseguir até Santiago não incluindo esta parte nas Novas Viagens: concluiria agora uma narrativa que já vai em oitenta e três capítulos. (Sinto vontade de voltar à escrita de um romance.) Teimo porém em incluir a Galiza na minha terra, não por razões nacionalistas, claro, mas por razões culturais e linguísticas.

Agora enervam-se os leitores galegos. Vamos lá ver se nos entendemos... Eu não pretendo que os galegos falam português, menos ainda o meu português de Lisboa, que tão-pouco, é evidente, os brasileiros ou os angolanos falam. Os galegos falam galego; os que o falam.

A questão linguística é, na Galiza, das mais complexas. Eu sei... Conversei, há pouco, em Lisboa, com uma galega, que interrogou: Falar galego, sim, mas qual galego? Quem impõe a norma? E quanto aos escritores? Será que, por ter escrito em castelhano, o Camilo José Cela não é escritor galego? E concluiu que prefere falar castelhano do que alinhar com a maioria das pessoas que, na Galiza, defendem o galego.

Não quero entrar num debate que não aprofundei – nem de perto nem de longe. Eu, por enquanto, da cultura galega, conheço as cantigas de amigo que, claro, para mim, são portuguesas, conheço o Camilo José Cela e a Rosalía de Castro. É pouco: eu sei.

E não é pouco por acaso. Tirei um curso de língua e literatura portuguesa que incluía cinco cadeiras de língua e literatura francesa; mas só estudei o espanhol como opção. Calhou-me, sem dúvida graças ao Almeida Garrett, uma Literatura Oral e Tradicional: a cadeira mais ibérica. E, quanto à literatura brasileira, às literaturas africanas, à literatura galega – nada de nada. A política, a história e a economia orientam, em boa ou má direcção, os currículos das universidades... Ignoro como se perfilam agora, passadas não sei quantas reformas, mais os acordos de Bolonha, os cursos que descendem do meu. Claro que eu teria hoje, se recomeçasse, voltado a estudar a língua e a literatura francesas; mas parece-me essencial haver, no mínimo, três cadeiras que conduzam os estudantes a reflectir sobre a diferença e a identidade linguística e a terem – ao menos – uma perspectiva das diferentes literaturas.

Há muitos anos, o meu irmão e eu encontrámo-nos, em Madrid, à hora portuguesa do jantar, em busca de um restaurante. Era cedo demais para os espanhóis, muitos lugares se encontravam fechados, acabámos por entrar num que parecia mais aberto. O empregado veio acolher-nos.

- Ah! Fala português?...

- Falo galego.

Encomendámos uma sopa e um guisado de borrego. Qual não foi o nosso espanto quando provámos: pareciam, sem tirar nem pôr, a sopa de nabiças e o guisado da nossa mãe.

Compreendi então que a Galiza vive dentro da Espanha, tem portanto muito de Espanha – mas exprime igualmente uma profunda comunhão com a cultura portuguesa.

Por isso sinto agora, ao atravessar o rio Minho, uma grande curiosidade.

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