sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo LXXXIV

Vigésima primeira etapa: de Valença ao Porrinho (continuação)


A partir de Tui contamos com mais esta facilidade: o caminho é assinalado através de marcos quilométricos que indicam a distância até Santiago de Compostela.

Entramos na cidade, chegamos à catedral. Vemo-nos perante uma estrutura compacta, pormenorizamos a fachada e o portal românico, depois poisamos as bagagens, visitamos o museu, com as demoras que merece, observamos o interior da catedral, subimos ao terraço, espreitamos do miradouro... Avistamos algumas casas em ruínas: sintoma funesto. Na catedral encantam-nos as representações do céu, do inferno, do purgatório e dos limbos... Uma imagem de Santiago lutando com os sarracenos recorda-me: é o santo da reconquista.

Até à crise de 1383-1385, os portugueses invocavam Santiago, porém a partir daí, sobretudo nas lutas com Castela, passaram a invocar S. Jorge: Santiago era o protector dos inimigos. Terá isto contribuído para o esquecimento da peregrinação jacobeia, juntando-se aos factores que, por toda a Europa, causaram tal declínio? Nos textos lidos, a partir do século XVI, encontro com mais frequência a palavra romeiro do que a palavra jacobeu. Romeiro ganhou, a pouco e pouco, o sentido de peregrino, provando ser a peregrinação a Roma mais frequente do que a Santiago.

Descemos umas escadas, passamos pelo Túnel das Clarissas, continuamos na direcção do rio. Saímos de Tui por um caminho agradável, passamos por uma igreja e um cruzeiro e, mais adiante, ao lado de uma ponte medieval... O céu cobre-se de lã cinzenta. Choverá?... Caminhamos à beira de uma estrada, na qual todavia não circulam demasiados carros e, no ponto quilométrico 109.278, alcançamos outra mais estreita e sossegada, que nos conduz enfim a um caminho. Atravessamos uma pequena mata. Almoçamos na clareira de S. Telmo. Cai uma chuva miudinha.

No percurso através de Tui não encontrámos bom pão; resta porém, a cada um de nós, um pouco de fruta e de pão com nozes. Compartilho com o meu companheiro de viagem uma barra de proteínas; ele oferece-me uma dose de mel. A vantagem de comermos os restos é prosseguirmos agora com as mochilas mais leves.

Prolongamos a conversa começada no caminho para Barcelos. Os projectos. As amizades. As leituras. O que observamos. As dificuldades do caminho. A chuva que começa a cair... (Trago dentro da mochila a roupa molhada mas, por enquanto, é evidente, não posso pendurá-la a secar.)

Hoje é o quarto dia que em caminhamos juntos. No que me toca, gosto de caminhar sozinha, de seguir no meu ritmo, de me concentrar na paisagem; indo acompanhada, disperso-me, sem dúvida, mais um pouco. Por outro lado, uma companhia reduz os riscos: ser atacada ou cair e não poder chamar os socorros. Ambas as situações trazem vantagens e inconvenientes. Para além disto, um encontro é uma aventura humana – sempre única – e, para mim, o contacto com habitantes ou caminhantes no Caminho de Santiago não conta menos do que as paisagens, por isso sentia-me muito contente caminhando sozinha porém, tanto com Maria como com Sérgio, aprecio igualmente caminhar acompanhada. (Incomoda-me um pouco que agora, por sermos um homem e uma mulher, os outros caminhantes nos interpretem às vezes como um casal). Em contrapartida, tendo enviado a Maria várias mensagens que não obtiveram resposta, interrogo-me sobre a validade dos encontros neste mundo paralelo; para a vida verdadeira transitarão apenas as experiências fundamentais. Mas que importa?.. A minha vida resulta da interacção de tudo quanto vivo e, por agora, ignoro se é ou não fundamental caminhar, neste instante, na direcção do Porrinho.

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