domingo, 29 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra



Manuela Degerine
Capítulo XCIII

Vigésima terceira etapa: em Pontevedra

Encontramos no albergue de peregrinos um ambiente de cortiço com numerosas abelhas a zumbir, passar, sair e entrar... Somos cordialmente acolhidos pelo alberguista, que nos saúda em galego, pede, como é costume, a credencial, o bilhete de identidade e cinco euros – e nos entrega os lençóis e a fronha. Propõe-nos um bordão, uma vieira e uma cabaça, 2010 é ano de jubileu compostelano, chegou uma quantidade, cumpre agora escoá-la, porém bordões já temos, as cabaças parecem frágeis e, para a água, trazemos garrafas, quanto às vieiras, Sérgio já suspendeu uma na mochila e eu nada quero acrescentar ao meu excesso de peso. Não, esses emblemas pertencem a outros caminhantes; até o folclore evolui. E Pontevedra ainda se encontra longe de Santiago.

Como a maioria dos peregrinos percorreu apenas a etapa de Redondela a Pontevedra, vinte e um quilómetros, apresentou-se quando o albergue abriu, às quatro horas; alguns jazem agora nas camas – a descansar. A camarata encontra-se às escuras e, quando entramos, produzimos o mínimo possível de ruídos.

O espaço é um dormitório único, de 64 lugares, com beliches em duas filas, encostados dois a dois: cada beliche tem, de um lado, outro beliche, do outro lado, um espaço de acesso e, ao fundo, o corredor central. No chão amontoam-se, por todo o lado, mochilas, cantis, botas, varas, roupa, sacos e mais sacos... Fora de alguns centímetros, aliás bastante variáveis, no corredor central, há que poisar o pé com precaução, afastando o que sentirmos debaixo da bota, antes de alcançar o chão de ardósia.

A impressão que me invade, fitando este espaço, não é a desordem, inevitável, com tanta gente, sem possibilidades de arrumação, mas a uniformidade: vestimo-nos todos de maneira semelhante e trazemos os mesmos equipamentos, por fazermos o mesmo, termos as mesmas necessidades e – sobretudo – por comprarmos nas mesmas lojas. As maiores diferenças aparecem nas cores... Há os que se cobrem de azul, os que preferem o verde, os que ousam o amarelo ou o vermelho, os que misturam os tons, uns ao acaso, outras, quase sempre mulheres, de maneira calculada. Alguns distinguem-se até pelo integralismo na etiqueta: antes de falarem, reconheço os franceses, cobertos com a marca Quechua, distribuída pela Decathlon. (Olho para mim: eu própria, avessa a uniformes, não consegui evitar várias peças denunciadoras.) Esta uniformidade monstruosa paralisa-me durante alguns segundos.

Consigo encontrar um beliche superior, protegido dos ratos, afastado da porta e, espero, talvez mais sossegado, embora aqui o sossego, num espaço sobrepovoado, se anuncie algo duvidoso. Sinto apenas vontade de cair na cama; porém a chegada não implica um descanso imediato.

Começo o número dos sacos de plástico. Tentando não fazer ruído, procuro o da roupa seca, que vestirei após o duche, abro outro para cheirar a suja, acrescento à roupa seca um par de peúgas ainda molhado, penduro o outro nas grades do beliche, busco os produtos de higiene, depois o saco dos crocs, tiro o do saco-cama, estendo este para reservar o beliche onde, na próxima noite, pretendo dormir... Suspendo as botas dentro de um saco – meio aberto – às grades do mesmo beliche, arrumo na mochila tudo o que não fique em cima da cama ou vá para o duche, senão some-se neste oceano de tralha idêntica e dispersa... Nada possuo de precioso porém, até ao fim da viagem, preciso do que trouxe e, nas terras por onde passo, nos horários em que passo, corro o risco de não poder substituí-lo. Acautelo os fechos da mochila para que ninguém os pise e parta.

Sigo enfim para o duche. (Após ter caminhado quase quarenta quilómetros com uma mochila demasiado pesada: um momento de supremo bem-estar.)

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