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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra




Manuela Degerine

Capítulo CIV

Vigésima quarta etapa: de Pontevedra a Brialhos (conclusão)

Cai agora uma chuva miúda. À beira de uma linha de comboio encontramos o português que Sérgio conheceu no Porto e a rapariga espanhola que ontem fazia anos. Ela tem bolhas nos pés e, sobretudo, dores nas omoplatas; o português alivia-lhe a mochila. Ignoro se são um casal, parece-me que não, creio notar, nas posturas de um e do outro, que ele gostava de, mas ela muito menos. Conversamos um pouco, depois eles prosseguem; nós sentamo-nos a comer fruta.

Quando chegamos a Santo Amaro, a chuva passou a aguaceiros. Caminhamos agora, de vez em quando, à beira de estradas com alguma circulação. Sucedem-se os prados coloridos com giestas, digitálias e malmequeres.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Esperanza - una historia de vida (1), por Raúl Iturra

La conocí vestida de luto . Su padre, Antonio Dobarro, por el lado de su padre, Domigos Dobaro Touves e de su madre, Teresa Dobarro, había fallecido dos años antes de yo llegar a sus tierras, la Paroquia de Vilatuxe como se dice en luso gallego. No carecía de sentimientos, su tristeza venia de ese fallecimiento. Había sido una familia muy unida e cariñosa en sus relaciones, no apenas en la casa donde morava, bien como con el resto de la familia que en la jerga antropológica denominamos la familia extensa o extendida. Su tristeza era para ella, los otros no tenían que soportar su dolor, no era falta de ellos que su padre se hubiera muerto. Los años y el duro trabajo de jornalero, lo habían matado.


Antes de Esperanza existir, Galicia había sido gobernada por varios Condes y Condesas, Reyes y Reinas, como relato en el texto que sigue a estas palabras. De todos ellos habla la Historia, excepto de la mejor Reina que Galicia tubo, Esperanza de Vilatuxe, cuya historia queda grabada en este texto, texto que la hace parte de lo que un día fue el Reino de Galicia. Esperanza, que gobernó una familia inmensa y supo saber cómo hacerlo, en compañía de su marido Herminio, que la ha sobrevivido.

Su padre había nacido en el lugar de Vilatuxe , uno de los catorce lugares en que la parroquia estaba diseminada, en el año de 1893, a los 76 años de una vida dura y muy trabajada, personas sin tierra, que tenían la necesidad de arrendar tierras a las casas propietarias, que, por su vez, necesitaban mano de obra para obtener los productos que la tierra da, que esos propietarios precisaban para vender y acudir al mercado. Como he definido en otros libros sobre Vilatuxe, existía el contrato de usufructo, el más usado entre la inmensa población de esta circunscripción de Vilatuxe. Es necesario recordar que, siendo Galicia un país católico, la división de esta parte del país, eran las parroquias que, por su vez, pertenecían a un Concejo, en este caso, al de Lalín, uno de los varios que constituían la Provincia de Pontevedra. Pontevedra, por su vez, era una de las cuatro provincias que constituían el antiguo Reino da Galicia – Galiza, en luso gallego-, que, en esos tiempos, como hoy, ya no era monarquía.

Novas Viagens na Minha Terra -



Manuela Degerine


Capítulo CIII

Vigésima quarta etapa: de Pontevedra a Brialhos (continuação)

Alguns anunciam o albergue fechado em Caldas de Reis, outros recomendam um albergue privado, haverá ou não albergue, para evitarmos más surpresas, optamos por parar cinco quilómetros antes: em Brialhos. Será, pelo que percebemos, uma pausa no campo. (Desencontramo-nos dos venezianos e dos portugueses; encontrá-los-emos em Padrón.)

Descemos uma rua com colunas maciças, casas com brasões e belas varandas. Passamos por um calvário, depois pela ponte do Burgo. Atravessamos em seguida uma demorada periferia.

Junto à igreja e ao cemitério de Santa Maria, admiramos um calvário de granito que representa de um lado a Virgem, do outro Cristo na cruz e, mais abaixo, na coluna, Santiago com a capa, o chapéu, o bordão, o bornal e as vieiras. A Virgem fita um muro de verdura, Jesus Cristo e o santo miram uma antiga publicidade dos prefabricados Tubar S. L. A eternidade nestas figuras. (Por arrastamento também nos sentimos fora do tempo.)

As aldeias têm hortas, vinhas, espigueiros, muros de pedra... Uma vez mais, a verdura envolve-nos, refresca-nos o olhar, salpica-nos de vida. E a pedra, a sumptuosa pedra galega, continua a enlevar-nos.

Prosseguimos através de um bosque mas o caminho é interrompido, a certa altura, por um vasto buraco amarelo na paisagem verde: mais obras com grandes máquinas e camiões cor-de-laranja. Construem o quê?...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra




Manuela Degerine


Capítulo CII

Vigésima quarta etapa: de Pontevedra a Brialhos

Para que serve a língua portuguesa

Fui professora de português em doze escolas francesas. Os alunos, na maioria dos casos, tinham feito esta opção, com eles era, consoante as condições outorgadas, apaixonante ou impossível trabalhar, mas os argumentos tornavam-se supérfluos, por eles nas aulas – quando era possível trabalhar – descobrirem a língua e a cultura, das lengalengas à poesia de Fernando Pessoa, passando pelos pastéis de nata, pelas ruínas de S. Paulo, por Mariza, pelos painéis de S. Vicente... Outro trabalho, este fazendo concorrência aos doze de Hércules, que jamais acabava e sempre urgia recomeçar, era a educação dos professores.

- Ah, és portuguesa?! Não pareces...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra



Manuela Degerine


Capítulo CI

Vigésima quarta etapa: de Pontevedra a Brialhos

A minha união ibérica

Logo que acabam as festas, promessas e discursos, como a língua representa o instrumento de domínio mais poderoso, passa a educação a fazer-se em castelhano. Dizem-me: para haver igualdade de oportunidades – e, embora alguns velhos do Restelo resmunguem, não posso opor-me ao respeito dos meus direitos. A publicidade, as televisões, as empresas, o código da estrada, os tribunais, os hospitais têm agora uma língua de comunicação: o castelhano. A lei defende as línguas regionais mas o mercado segue outras regras; logo eu, se quiser arranjar emprego, tenho que falar castelhano. Se quiser ser publicada, escreverei em castelhano: o editor faz parte de um grupo ibérico, não se limitará ao mercado português.

Pensava viver numa língua com duzentos milhões de locutores, a língua das cantigas de amigo, do Fernão Mendes Pinto, do Eça, da Rosalía e do Pessoa, faço parte de uma minoria linguística – e mesmo de uma minoria do extremo ocidental da península, quase anfíbia e a cair para o mar. Arcaica. (O futuro fala espanhol, uma língua bela e evoluída: uma língua universal. O português não passa de um espanhol mal falado, não passa, no fim de contas, de um dialecto regional. Aparecem políticos, linguistas e historiadores que me expõem de A a Z as bases científicas desta verdade.)

domingo, 5 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo C

Vigésima quarta etapa: de Pontevedra a Brialhos

Pontevedra merece uma visita demorada porém agora é cedo, está tudo fechado, chove a cântaros e vamos carregados... Avançamos. Temos por cima das cabeças um céu cinzento e uniforme.

Cruzamos habitantes que vão para o emprego ou para a escola, muitos conversam, numa atitude descuidada, por debaixo dos guarda-chuvas e, quando pergunto o caminho, respondem-me com gentileza. A vida de uma cidade avalia-se no stress que os habitantes manifestam; aqui o grau de qualidade parece elevado.

Várias senhoras, a quem me dirijo em português, respondem com duas palavras de galego, uma saudação, um bom caminho... Não sabem dizer mais. Ou, por verem que sou portuguesa, sentem-se intimidadas? Receiam que o seu galego se distinga do meu português? (Claro que sim – e depois?)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo XCVIII

Vigésima terceira etapa: em Pontevedra (continuação III)

Devera ter posto tampões nos ouvidos. Com tantos roncos uníssonos ou dissonantes, sincrónicos ou alternados, piano ou forte, parece que me encontro num auditório de música contemporânea. E não costumo dormir nos concertos...

Também abafo com calor. Por nos encontrarmos no mês de Maio, trouxe o saco-cama dos quinze graus; ora, desde que saí de Coimbra, senti cada noite frio, excepto hoje e em Vilarinho, onde a subida de temperatura também resultou da acumulação de corpos a 37° num espaço reduzido.

Às cinco horas oiço o primeiro ranger de plásticos. Embora ninguém acenda as luzes, para não incomodar quem dorme, como poucos dormem, apenas os mais surdos ou previdentes, o coro dos sacos de plástico sobrepõe-se de imediato aos últimos roncos.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine


Capítulo XCVII

Vigésima terceira etapa: em Pontevedra (continuação II)

Em cima da bancada há uma grande travessa com febras temperadas e, ao lado, um quilo de arroz pronto para cozer. Os cozinheiros são três, falam muito baixo, refogam cebola, juntam-lhe bacon, preparam uma feijoada que, a julgar pelo cheiro, já parece apetitosa; as quantidades denunciam um grupo numeroso. Idades à volta dos trinta anos. Magros. Peles claras. Cabelos castanhos. Pelo aspecto podiam ser franceses da classe média; não são: faltam as etiquetas. Nem alemães: falta a arrogância. Talvez ingleses.

Inquiro em espanhol se poderei aquecer água. Afastam de imediato um tacho e incitam-me a aquecê-la; o que aliás não hesito em fazer, vendo a refeição deles demorada. Vamos conversando.

Agora caminham porém, no ano passado, percorreram o Caminho Português de bicicleta.

- De onde vêm?

- De Guimarães.

São os primeiros compatriotas que encontro no Caminho de Santiago. Passamos portanto a falar em português. Fazem na verdade parte de um grupo, uns caminham, os outros vão buscá-los a Santiago, uma organização colectiva embora, pelo que percebi, composta por amigos e familiares. Comentamos o caminho percorrido e a percorrer. Já me despedi, ainda acrescento:

- Cheira bem...

- Daqui a bocado: venha provar.

- Com muito gosto!

Volto com água quente para a mesa onde Sérgio instalou as vitualhas. Mais frugais do que os vimaranenses: fazemos apenas um bom chá. (Sou apreciadora de chás como outros podem ser de vinhos. Consoante as circunstâncias, alterno os chás fumados com os verdes, os indianos, com ou sem especiarias, os chineses, os açorianos, os chás de jasmim ou bergamota...) Agora bebemos um chá verde biológico que acompanha fatias finas de chapata com queijo, presunto, pepino, tomate... Mais fruta, iogurte, chocolate. Não é preciso mais para eu me deliciar.

Insistimos para que os venezianos se associem a nós, eles não querem, apetece-lhes outro tipo de comida porém, enleados na conversa, vão-se demorando connosco. Acabamos de jantar quando somos chamados.

- Para a mesa!

Inquiro se Sérgio, com quem caminhei nos últimos dias, pode também provar a feijoada.

- Claro! É sentar-se à mesa.

Acrescentam logo outro prato. Somos catorze. E, não obstante os nossos protestos, pois acabamos de ingerir um abundante jantar, enchem-nos dois pratos, arroz, bifanas e aquele feijão condimentado com especiarias, pimenta, cominhos e cravinho: uma iguaria. Sem margem para contestação, temos que jantar segunda vez.

A conversa também é excelente. Sentei-me à frente de um rapaz muito engraçado que, para mais, se exprime com a bonita pronúncia do Norte; um deleite para os meus ouvidos. São, pelo que percebo, católicos praticantes, gente sã e reflectida, com boa formação, tanto familiar como escolar; criaram um blog onde registam as actividades do grupo.

Para além de nós, têm dois convidados, um português e uma rapariga espanhola; a qual faz anos hoje. (Sérgio conhece este português, que encontrou no Porto.) No fim cantamos os parabéns e vamos, não obstante os protestos dos nossos anfitriões, pelo menos, lavar os pratos...

Antes de me deitar, converso com a massagista, que passou o serão a trabalhar – e só agora se consegue levantar da cadeira. Ela própria deve estar a precisar de massagens... Digo-lhe que faz parte das mais bela descoberta neste Caminho de Santiago: os bombeiros, os alberguistas, alguns habitantes, alguns comerciantes, todos os que, ao longo destes seiscentos quilómetros, de uma ou de outra maneira, fazem algo pelos outros. Comovida, ela abraça-me.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo XCVI

Vigésima terceira etapa: em Pontevedra (continuação)

Encontramos os dois venezianos, que hoje só caminharam de Redondela a Pontevedra, restando-lhes força e tempo para visitar a cidade. Propomos que participem no nosso piquenique, porém eles descobriram um restaurante com preço e aparência atractivos, no centro, sugerem que guardemos as compras e lhes façamos companhia; eu sinto-me incapaz de dar mais um passo fora do albergue. Contamos uns aos outros, com todos os pormenores, as aventuras dos últimos dias.

Inquiro como fazem para secar a roupa. A veneziana confia que o melhor método é, quando acabamos de a lavar, retirar o máximo de humidade com papel absorvente; assim, no dia seguinte, embora húmida, não a vestimos encharcada. Convém lavar apenas a do dia, que usaremos no seguinte, trazendo sempre a mesma, evitando fechar roupa suja dentro de plásticos. O que eu fiz... Sugere que a deite no lixo pois, até chegar a casa, com esta humidade, as bactérias terão proliferado: será impossível desodorizá-la. Resigno-me a seguir o conselho. Para além do cheiro, pouco agradável, não a podendo lavar, por não a poder secar, a camisola pesa na mochila sem utilidade. E, daqui por três dias, quando chegar a Santiago, comprarei outra.

domingo, 29 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra



Manuela Degerine
Capítulo XCIII

Vigésima terceira etapa: em Pontevedra

Encontramos no albergue de peregrinos um ambiente de cortiço com numerosas abelhas a zumbir, passar, sair e entrar... Somos cordialmente acolhidos pelo alberguista, que nos saúda em galego, pede, como é costume, a credencial, o bilhete de identidade e cinco euros – e nos entrega os lençóis e a fronha. Propõe-nos um bordão, uma vieira e uma cabaça, 2010 é ano de jubileu compostelano, chegou uma quantidade, cumpre agora escoá-la, porém bordões já temos, as cabaças parecem frágeis e, para a água, trazemos garrafas, quanto às vieiras, Sérgio já suspendeu uma na mochila e eu nada quero acrescentar ao meu excesso de peso. Não, esses emblemas pertencem a outros caminhantes; até o folclore evolui. E Pontevedra ainda se encontra longe de Santiago.

Como a maioria dos peregrinos percorreu apenas a etapa de Redondela a Pontevedra, vinte e um quilómetros, apresentou-se quando o albergue abriu, às quatro horas; alguns jazem agora nas camas – a descansar. A camarata encontra-se às escuras e, quando entramos, produzimos o mínimo possível de ruídos.

sábado, 28 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine


Capítulo XCII

Vigésima terceira etapa: de Redondela a Pontevedra (continuação III)

Por que carga de água nos desviaram de um caminho que, no fim de contas, não passava pela zona das obras? Outro mistério.

Apressamo-nos a sair daqui. Chegamos ao que Gérard Rousse assinala como “antiga estrada medieval”, sem dúvida há pouco restaurada; parece que acaba de ser construída. Miramo-la consternados porém, percorridos poucos metros, acabamos por nos rir, tais intentos raro perseveram: alguns metros bastam para a informação nos telejornais.

Respiramos, aliviados. Neste espaço talvez corramos outros riscos, escorregarmos, torcermos um pé, sermos picados por uma víbora, apanharmos com uma faísca ou uma árvore na cabeça – mas não seremos atropelados. Apenas acaba a parte restaurada onde, claro, aproveitaram para cortar as árvores, o caminho torna-se magnífico, à sombra de belos carvalhos e castanheiros, no meio de grandes giestas em flor, entre muros cobertos de hera e musgo.

Faz agora calor e eu, pouco previdente quanto à água que, no momento de encher as garrafas, me parece sempre pesada – sinto sede. Trago de novo as peúgas penduradas na mochila, as quais continuam molhadas e malcheirosas e, nestas andanças, começam a sujar-se. Em contrapartida o odor da camisola que, vestida, depressa secou, atenuou-se. Ou habituei-me e já não o sinto?

O caminho prolonga-se durante vários quilómetros de felicidade pedestre através desta paisagem excepcional.

Passamos Canicouva. Chegamos à capela de Santa Marta, tocante pela harmonia e simplicidade; onde nos sentamos um instante.

Em seguida caminhamos à beira de uma estrada não agressiva mas pouco agradável; e as mochilas encheram-se entretanto de chumbo – ou de ouro, quem sabe? Cada passo é uma vitória dura de alcançar. E... Se, pelos meus cálculos, devemos encontrar-nos a sete quilómetros de Pontevedra, quando olho para o roteiro de Gérard Rousse, vejo cinco linhas até ao albergue dos peregrinos... O autor não irá menos cansado do que nós ou, o mais provável, não terá encontrado onde restaurar o ânimo. Aliás, ao longo de toda a etapa, assinala uns seis cafés e restaurantes, sem recomendar algum com aquele entusiasmo que vem do estômago, passa pelo coração e enleva toda a sua alma gastronómica.

De novo caminhamos, caminhamos... e nunca mais chegamos. Avaliamos um “pouco depois” em mais de três quilómetros todavia, nestas circunstâncias, não desconfiamos menos das nossas percepções do que da falta de rigor do nosso guia espiritual, alcançamos enfim o café Paf, cujo nome exprime sem dúvida a queda dos peregrinos esgotados, um café que julgávamos haver passado, sem o ver, meia hora antes, no mínimo, deparamos com a família franco-germânica, que nos ultrapassou em Arcade, a qual ali devora extasiados hambúrgueres e declara a incapacidade para prosseguir, por agora, um agora com duração indeterminada, nem vale a pena esperarmos, ignoram se conseguirão lançar os pés – em sangue – ao caminho.

Nas minhas botas, avaliando pelas sensações, vai tudo normal. Doem-me as costas, sinto-me porém optimista: hoje já não choveu, a temperatura subirá. Se deixar de fazer frio amanhã, poderei desembaraçar-me do blusão e, a partir daí, a mochila, sem ficar leve, tornar-se-á sofrível.

Passamos enfim debaixo de uma ponte e, poucos metros adiante, cento e cinquenta, segundo Gérard Rousse que, na euforia da vitória, até indica números exactos – vemos o albergue de Pontevedra. Chegámos!



São seis e meia. Houve algumas pausas, embora todas breves: carregámos com as mochilas durante mais de dez horas.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo XCI

Vigésima terceira etapa: de Redondela a Pontevedra (continuação II)

Enquanto miramos à volta, tentando justificar o banco, vemos passar, lá em cima, na rua que abandonámos, as duas alemãs. Resolvemos subir o caminho arenoso e voltar também ao de Santiago; não convém chegarmos tarde ao albergue, que é grande, certo, porém...

A ponte medieval expõe à entrada uma placa comemorativa. Acabo por decifrar o texto, escrito com letras quase ilegíveis: trata-se de uma homenagem aos heróis galegos que em 1809 defenderam a sua terra na Ponte Sampaio contra os invasores franceses.

Atravessamos pela ponte com carros a passarem demasiado depressa e demasiado perto de nós. Encontrei, muitas vezes, em Portugal, esta agressividade; é, quase sempre, um complemento da violência urbana e para mim, agora, representa um sinal: perigo. Rodoviário, claro – mas não só. Para já, importa chegar, muito depressa, sem acidentes, ao fim da ponte; este stress impede-nos de admirar a enseada e o rio Verdugo.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo XC

Vigésima terceira etapa: de Redondela a Pontevedra (continuação)

Caminhamos por uma rua sem nada de particular, com casas de um lado e do outro, quando notamos, à nossa esquerda, um caminho de areia que conduz à beira da ria. Avistamos um banco lá em baixo: bom sítio para apreciar o panorama.

Descemos. Deixamos à direita um grupo de prédios, passamos por um pouco de erva e de lixo, numa zona arenosa, um tanto enlameada, usada para estacionar carros, o grau zero do urbanismo: as casas foram vendidas, o resto ficou como calhava. (Donde conheço eu isto?...) Chegamos ao banco. E só agora reparamos que... não está virado para a ria!

Imaginava eu que as autarquias portuguesas não tinham rival no universo obscuro do absurdo...

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo LXXXIX

Vigésima terceira etapa: de Redondela a Pontevedra

O caminho vai subindo, umas vezes quase no campo, outras através de zonas mais ou menos urbanas. Ultrapassamos duas alemãs. Mais adiante, paramos junto a uma fonte, surge à nossa frente um novo espécime de caminhante, de género feminino, com uma pele nunca exposta a raios solares e, o que é mais estranho, cujo equipamento, das botas à mochila, é todo militar; lança-nos um olhar arrogante, passando sem qualquer forma de saudação. Recomeçamos a caminhar e, pouco metros acima, encontramos a família franco-germânica que, por falta de tempo e preparação, apanhou uma camioneta para Redondela.

Quando alcançamos o cume, avistamos, através das árvores, deste lado, os telhados de algumas casas, em baixo, a enseada de San Simon e, do outro lado da ria, uma serra ondulante. No resumo da etapa precedente, do Porrinho a Redondela, Gérard Rousse sugere: para se poderem descontrair, vão à praia na ria de Vigo; por consequência eu, embora não ficasse em Redondela o tempo necessário para seguir o conselho, miro agora a paisagem com olhos de veraneante e interpreto estes telhados como casas de férias misturando, de maneira confusa, recordações de Magoito e da Côte d’Azur: gelados, sossego, conversa, esplanadas, passeios ciclistas e leituras aprazíveis. O espaço como um figo em doçura desfeito. (E o melhor: o tempo como um parêntesis.)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A cultura galega e o universo da lusofonia



No vídeo podemos ouvir um trecho de uma canção popular açoriana, que Adriano Correia de Oliveira tornou famosa, cantada pela lisboeta Raquel Tavares e pela galega, de Mós, Uxía Senlle – “Morte que mataste Lira”. Um belo mosaico lusófono. O espectáculo “Cantos da Maré”, onde este vídeo foi gravado, realizou-se em 19 de Dezembro de 2009 em Pontevedra. Uxía Senlle é uma cantora galega que mantém uma estreita relação com a cultura portuguesa. Numa entrevista dada ao «Portal Galego da Língua» -PORTAL GALEGO DA LÍNGUA ( http://www.pglingua.org )da AGAL - Associaçom Galega da Língua - produziu afirmações que testemunham uma profunda convicção na unidade entre as duas vertentes da língua. Salientam-se alguns aspectos relevantes dessa entrevista.

«É um grave erro estratégico não afirmar que galego e português são a mesma língua», disse Uxía que contou como nasceu o projecto “Cantos na Maré”: «Nasceu há seis anos. Sempre tivemos o sonho de organizar na Galiza, de sermos os anfitriões dos países da lusofonia, de trazê-los à nossa terra com todas as suas músicas. Pontevedra abriu-nos as portas à primeira edição».

«O que fazíamos era uma experiência, pois não sabíamos como ia sair, mas nessa primeira edição produziu uma conexão enorme entre o público e os que estávamos no palco. Achávamo-nos ante uma realidade tão certa e segura que tínhamos que continuar a avançar por esse caminho».

«Hoje a Galiza e a sua música está presente no Brasil, agora nasceu “Cantos na Maré” em rede, que é a possibilidade real de pensarmos num mercado da Lusofonia onde os agentes culturais estejam presentes. “Cantos na Maré” tem o sucesso da vontade e da paixão que pomos nas coisas. “Cantos na Maré” tem que ser itinerante, é um encontro de músicas e músicos galegos, mas não é só isso, é algo mais».

Falando depois na receptividade do projecto em Portugal, referiu que detecta no nosso país uma desconfiança a respeito da Galiza e dos galegos, supondo-se que os projectos de que Uxía falava fizesse parte de uma manobra de Espanha para absorver Portugal. «Em Portugal ainda não se entende bem qual é a situação da Galiza, e as relações que temos com Espanha. Mas estamos num momento excepcional das nossas relações e temos que avançar por aí».

E termina chamando a atenção para o número de falantes do português: «É um grave erro estratégico não afirmar que galego e português são a mesma língua. Há que fazer que vejamos as televisões portuguesas na Galiza para já. Temos a sorte de termos uma língua internacional com todas as vantagens das culturas internacionais com milhões de falantes e temos que aproveitá-lo, eu não entendo o erro dos políticos, o erro histórico de que essa nossa realidade linguística se agache, parece-me um erro gravíssimo. Na medida em que nos afirmemos pertencentes à lusofonia formaremos parte dum mundo vasto e riquíssimo no âmbito cultural, temos uma cultura tão rica e da qual somos o berço. Não podemos deixar que no-la apaguem».

«Esse medo que há em certos sectores de reconhecer que a Galiza tem a mesma língua que Portugal e agir na política cultural e linguística consequentemente na União Europeia não deveria fazer sentido, pois as vantagens desse facto não são só para nós, são para todos».

Estes sectores de que Uxía fala, referindo-se talvez mais às entidades políticas e culturais da Galiza, existem também aqui em Portugal onde parece haver um atávico receio de desagradar a Madrid. Recusar esta ponte de fraterna unidade cultural que galegos como Uxía nos estão estendendo, seria uma estupidez.

Estrolabio afirma a disposição de dar o seu modesto contributo para essa unidade. Estamos abertos à colaboração dos irmãos galegos.