domingo, 22 de agosto de 2010

O Escritor Catalão Manuel de Pedrolo

António Sales





O meu amigo Carlos Loures tratou de mandar a cartada, e bem, para eu recordar o Manuel de Pedrolo. O meu amigo e compadre Manuel Amaral (1921-2003), escritor amarantino de uma cultura elevada, que sabia da Catalunha como eu posso saber de Sintra, tratou de me apresentar ao Fèlix Cucurull (1919-1996), em Lisboa, e com os contactos que me forneceu, ao Manuel de Pedrolo (1918-1990) em Barcelona e ao Miquel Lladó (1919-1999) em Andorra la Vella. Curiosamente tudo gente do mesmo saco que tinham os mesmos ideais para a Catalunha, haviam perfilhado de armas na mão a luta contra o franquismo, conheciam-se e eram amigos e nasceram pela mesma altura. Variavam na forma de radicalismo ao interpretarem a defesa da língua e cultura catalãs.



Dos três, que conheci pessoalmente e com quem convivi algumas vezes, Manuel de Pedrolo foi com quem mais privei quando estive em Barcelona, era também o mais radical. E se falávamos os dois em castelhano significava uma especial atenção para comigo mas, sobretudo, não havia um terceiro capaz de se dispor a traduzir como aconteceu com o Manuel Amaral no seu encontro em 1985, em que Xosé Lois Garcia, poeta galego vivendo na altura em Barcelona desempenhou esse papel. Isto ilustra bem a intransigência catalã do escritor.



Conhecemo-nos pelos finais de 1971 ou início de 1972, com uma diferença de idades considerável visto que eu teria 36 anos e ele 54. Contudo, isso não influiu os nossos paleios nas diversas noites que nos juntámos (ou jantámos) num café-bar com decoração fin-de-siécle, confinando com a majestosa Praça da Catalunha e o início da Rambla Caneletas (castelhano), Caneletes (catalão), de que o bar tomara o nome.

Manuel de Pedrolo já nessa altura era um escritor conhecido em Barcelona, na Catalunha e mesmo fora, ainda que não autorizasse a tradução dos seus títulos para castelhano. Aqui chegados entrávamos no ponto-chave da conversa separado por duas visões distintas. Eu entendia a tradução para castelhano como forma de ampliar o conhecimento dos problemas catalães pela pena de um escritor conhecido; ele entendia como uma cedência, ou seja de certa forma o reconhecimento do poder de Castela. Mesmo quando convidado para entrevistas na rádio e na televisão rejeitava sempre pois exigia falar em catalão, o que estava proibido pela ditadura de Franco pelo Pedrolo negava-se em aparecer e deixava o seu pensamento votado ao silêncio. Os outros dois escritores que referi tinham uma atitude mais pragmática sem que isso significasse tolerante. Se outros existiram como Pedrolo desconheço-o, naturalmente, e admito que sim. Todavia, assumo que se o fascismo me deixava passar pelo buraco de uma agulha eu aproveitava para procurar miná-lo.



Logicamente, com ele eram longas estas conversas. Depois vinha a história catalã de que me falava na sua voz cativante e entusiasmada ensinando-me a compreender melhor os sentimentos e a revolta daquele povo. Aprendi muito com este homem para o qual não existia aquela diplomacia astuta que o português usa quando procura atalhos para atingir objectivos. Objectivos. Ele não, ia directo. Não significa que Cucurull e Lladó não fossem aguerridos catalanistas, mas não deixavam de escrever ou falar em catalão se verificassem que em certas circunstâncias isso era útil à causa catalã. As coisas eram de tal ordem que em 1972 estes e outros escritores catalães, que pertenceram em Genebra ao júri do prémio dos Jogos Florais das Letras Catalãs, acabaram multados em 200.000 pesetas cada um e foi-lhes cassado o passaporte. Nada disso impediu o seu sucesso editorial visto que em 1985, no encontro que teve com o Manuel Amaral, anunciava-lhe que os seus livros estavam a fazer tiragens de 100.000 exemplares numa língua limitada pelos poucos indivíduos que na sua totalidade a falam.



Pedrolo foi um autor de enorme fecundidade com mais de uma centena de títulos entre romances, poesia, teatro, ensaio e ainda traduções. Vivia da literatura e antes de atingir as elevadas edições danava-se a agarrar o que podia para sobreviver o que não o impediu de entregar À Associação dos Escritores Catalães o Prémio da Honra das letras catalãs com que foi premiado.



Quando morreu as Ramblas ficaram mais tristes. No dia 27 de Junho, o seguinte ao funeral, os maiores diários da Catalunha e o “El Pais” e “La Vanguardia” davam a notícia com destaque. O presidente do Governo Autónomo encontrava-se no Canadá mas telefonou logo no dia da sua morte e o Ministro da Cultura do Governo Central de Madrid, Jorge Semprún, assinalou a personalidade e obra do escritor. Em Portugal o único jornal diário que se ocupou da notícia do falecimento foi “A Capital”, em 24 de Julho, por iniciativa minha. Eu que antes e depois andei por aí ó tio, ó tio a propor o escritor às editoras na esperança que tivessem visão para se anteciparem aos acontecimentos. Não senhor! Provavelmente ainda hoje não sabem quem é este tal de Manuel de Pedrolo ou, se ouviram falar, supõem-no ainda vivo talvez na “Generalitat” a exercer um cargo político.

4 comentários:

  1. Encontrei-me com Cucurull (meu amigo desde o princípio dos anos 60) e Pedrolo, que não conhecia, num café ou snack, chamado, salvo erro "La Poma», à entrada da Rambla de Santa Monica, perto ainda da Praça da Catalunha, lado direito de quem desce. Já não deve existir. Foi nos anos 80, mas não posso precisar. Eu ia a Barcelona com uma grande frequência por motivos profissionais. Foi um encontro muito agradável. O "La Poma" era um lugar muito desagradável e convidei-os para jantar num restaurante que eles não conheciam - "La cuineta", perto da catedral, no bairro gótico. Tinha lá ido num almoço com colegas barceloneses e fiz figura perante dois catalães, levando-os a um restaurante pequeno, muito bom, não demasiado caro. A ideia, para além de conhecer um grande escritor que admirava (que lera em traduções para castelhano), a de tentar que algum editor português o publcassse. Surpreendentemente, Pedrolo não mostrou um interesse por aí além nesse obejectivo e fez-me muitas perguntas sobre o Portugal pós-25 de Novembro. No fim do jantar vieram uns charutos, puros. O Cucurull recusou e o Manuel de Pedrolo aceitou. Quando pôs o puro na boca para o acender, não resisti e disse-lhe que ele se parecia imenso com o Groucho Marx. Grande risada. Não nos voltámos a encontrar, embora por diversas vezes tenhamos manifestado essa intenção. Estupidamente, a correpondência que trocámos ficou no arquivo da editora e já deve ter sido destruído. Grande escritor, pessoa admirável. Assim como o discreto Cucurull, de quem falarei aqui proximamente.

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  2. Tu como eu tivemos a sorte de por motivos profissionais estarmos por diversas vezes em Barcelona que era uma cidade extraordinária. Escrevi "era" porque já lá estive no inicio no século XX e encontrei uma Praça da Catalunha e outros locais mais incaracterísticos em relação ao passado. Bom! Mas não era sobre Barcelona o meu comentário mas sobre o adjectivo "discreto" que aplicas ao Cucurull e que eu concordo, não apenas para ele mas para muitos catalães que conheci. São bem menos efusivos do que nós portugueses, ou estarei enganado?

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  3. São mais contidos, pensam mais antes de falar. Nisso, são diferentes de nós, dos castelhanos, dos andaluzes... Mas o Pedrolo. que conheci superficialmente, pareceu-me extrovertido e alegre. Conheceste-o melhor, podes ter uma opinião diferente. Esteve sempre bem disposto e pareceu-me mais «latino» do que é costume.

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  4. Eu acho-os "duros" sem "brandos costumes".

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