Raúl Iturra
Parece-me impossível falar dos sentimentos de uma rapariga Picunche sem compara-los com as outras duas histórias de vida que uso como método de comparação, no que diz respeito aos sentimentos. Raparigas que, no seu tempo, eram novas e hoje em dia são senhoras com filhos. O tempo passa sem perdoar um minuto na vida dos seres humanos. No ensaio a seguir a este, vou querer comparar essas formas de emotividade, sob a ideia de que no rasto da sexualidade caminha o amor.
Tínhamos já analisado os sentimentos de Victoria e do seu povo e as formas de amar do seu povo Picunche. Pelos laços das ideias, vamos considerar Victoria com a letra A, classificando a Pilar e Anabela, cós as letras B e C, para colaborar com a leitura de quem tenha a ousadia de entrar por estas linhas…
B- Pilar
Amor entre pais e filhos
Entre os galegos as crianças são também acarinhadas. Quando bebés, com mimos. Ao crescerem, com disciplina. Uma disciplina ligada às horas de trabalho do adulto. Uma disciplina que não pune, mas ensina como optar. A opção, essa lógica de procurar o que é melhor para quem obedece e para quem diz mandar. Pilar aprendeu a optar, uma que a levara desde Lodeirón, sítio da casa dos seus pais en Vilatuxe onde estava já farta de tomar cuidado dos seus irmãos mais novos e dos trabalhos da casa e do campo, para ir a estudar a Universidade de Compostela. Em uma Galiza dos anos sessenta, ainda sob a mão firme do Governo Central espanhol, que não permitia outra língua que a oficial castelhana. Mas Pilar, como a sua mãe e o seu pai e irmãos, ião falando a língua herdada do lusitano. Aprendiam Castelhano para todo o que fosse oficial e de interacção social, com um Galego lusitano para a casa e o lar, parentes e vizinhos.
Um lusitano misturado de castelhano, um lusitano cheio de castelhanismo ou espanholado, como há o mal hábito de dizer. Dividida a conversa do lar entre o galego persistente da mãe, e o castelhano bem falado pelo pai. E o galego castelhano que os filhos, os irmãos de Pilar e ela própria, ião combinando entre essa obrigação de saber castelhano para a vida social fora da Paroquia obrigatório do aprender na vida social, na escola; e o galego da vida denominada rural pelos professores que eles tinham, que proferiam as suas aulas em na língua oficial do Estado ditatorial – como no Chile e Portugal. Professores ou maestros, como aí são denominados, de origem também rural, mas forçados a saber o saber na língua oficial, que não era o galego.
O mundo estava dividido não só em hierarquias, bem como cada hierarquia tinha uma língua diferente. Falar en Castelhano era para os Don o Doñas: maestros, pároco e a pequena aristocracia da família do meu velho amigo Carmelo Louzão, do lugar de Outeiro, irmão do Patrucio da família Jaime Louzão, que o tinha expulso da família por se ter casado com a filha de um gestor dos bens da família Louzão, Ramona Ferradas, dos insurrectos que tinham-se rebelado contra a Monarquia. Ramona de imediato agarrou para si o Doña, título que adorava e falava apenas na língua oficial, como o seu marido, quem não sabia galego, ou o pretendia quando falava comigo e assim demonstrar a sua prosapia. Essa língua era para os ricos, o galego, para o povo…A classe mais pobre, era galega, a classe com mais recursos, era castelhana. A classe intelectual, um galego antigo feito para lutar contra o castelhano. Esse castelhano que Pilar me falava todos os dias, para evitar o português que eu usava em casa e que ninguém entendia, até eu reaprender o galego rural. Uma Pilar que, em pequena, olhava para o chão quando eu falava para ela, faz 38 anos, e que hoje olhava de olhos nos olhos, mediadas as conversas, com música de Haydn (1787-1809) que ouvia-mos no rádio do carro, ou as sonatas de flauta do Teleman (1772-1773 ) enquanto corríamos de casa em casa e de Bispado em Bispado. Uma Pilar que das cabras e o clarinete, tinha passado a ser mãe e a aprender comigo a escrita dos séculos XVII em frente, com rapidez impresioante. A cortesia da adulta Pilar, era convincente, pela sua gentileza, palavras amáveis e directas, explicações do que procurávamos nos arquivos, e paciência na espera, entre café e café. Essa paciência que era difícil manter em casa, quando era preciso arrumar panelas, loiça, comidas, tomar conta do filho. Filho do qual o pai tratava entre as horas de trabalho. É possível dizer de que Pilar tinha ficado saturada de tomar conta de irmãos, adultos e pequenos, dentro do lar paterno. E de que pesquisar comigo, era uma aprendizagem que a distraía dos afazeres domésticos e maternais, junto com dar a ela uma tarefa que nunca pensou ia ter que aprender para aprender da sua família. Pilar tinha sido criada na escola antiga, auto-denominada pelo seu fundador, Barrié de La Maza, o rico bonapartista, que tinha oferecido o dinheiro para o pequeno edifício. Uma sala para diferentes anos, a aprenderem diferentes matérias na mesma aula, com só uma professora. Diferente do edifício feito nos finais dos anos sessenta, uma enorme concentração escolar que trazia crianças de diferentes sítios das varias paróquias vizinhas. Pilar teve que aprender a ser rapaz e rapariga, para se defender das brincadeiras que os pequenos gostavam de fazer às pequenas. Brincadeiras que não eram contadas em casa, mas eram resolvidas entre eles. Os rapazes, sempre a brincarem juntos e a deixarem as raparigas enredadas nas suas conversas. Pilar gostava, habituada como estava a brincar com irmãos, jogar aos berlindes e ao peão, jogo aprendido do pai e dos colegas da escola. Uma Pilar que aprende a ler no livro de leitura Nuevo Cantón (1958), universal para as escolas públicas do Estado Espanhol, editado pelo monopólio do distribuidor de livros para escolas do país todo. Disciplinada e atenta, é rápida na leitura e na escrita, habilidade útil para o seu entendimento posterior das situações da vida. Pilar é uma colaboradora do ensino da paróquia, essa aliada legal do estado espanhol, pela concordata entre ambas instituições, feita no Vaticano dos anos cinquenta, e pela legalidade imposta pelo Chefe do Estado Espanhol, um outro General, como o de Victoria. É possível ver nas fotografias que aparecem no livro que inspira estas palavras, o grupo com o qual Pilar cresce. Porque Pilar, como toda outra criança, tem vários níveis de interacção, entre os quais a sua vida privada e pessoal da escola e das brincadeiras feitas na rua, nem sempre contadas em casa. Uma casa á qual o pai tinha voltado depois de trabalhar por largos anos na República da Venezuela, para ganhar e poupar, comprar terra e construir uma casa-a sua casa paterna tinha sido herdada pela Patrucia Marcelina, a irmã mais velha.
Retornado, qualificativo para os emigrantes que volviam a casa com dinheiro, passa a sua vida ocupado a investir, como foi referido em outro ensaio sobre Hermínio, com a colaboração da sua mulher Esperanza. A escola de Pilar, era assunto seu, com a colaboração do Cura de Paróquia. A mãe nada sabia, e o pai estava sempre a trabalhar. Era apenas o seu esforço e persistência, normal entre pessoas que orientam o seu corpo aos trabalhos materiais e não as letras. Colegas dela, seriam, mais tarde, estudantes do ensino superior. Esse que Pilar decide tomar, com a sua assistência ao conservatório, estudos que nunca mais acaba, ao encontrar as bases do seu próprio lar na pessoa do seu namorado Alfonso Batán. O lar que tinha aprendido enquanto estava na escola, não era atraente: a sua mãe dedicava o seu tempo as labores de casa e do recentemente nascido, de forma inesperada, bebé, o seu irmão Miguel. A escola e colegas, davam-lhe integridade. A mãe, dedicada ao bebé, muito directamente, essa criança sumiça, bebé paciente e bom, que ama, mima e beija a sua mãe e é amado, mimado e beijado por ela. Assunto que em um lar de trabalho, de esforço, de investimentos, de separação entre adultos e crianças, não acontece. Nasce em ela uma contradição entre o que lhe é dito na sua vida pública e o que vive na privada. Assunto pouco comum para as casas do lugar, em que não haviam bebés atrasados: nasciam todos de vez, era mais fácil assim tomar conta de todos ao mesmo tempo. Os seus colegas de classe, iam visita-la a sua casa, fugiam ao mato próximo a brincar e lutar, mas ela tinha rapidamente que votar ao pé da sua família, tinha que ir direito ao seu lar, para tomar conta do seu trabalho. Do seu trabalho de colaboração produtiva, e do seu trabalho de escola, que conseguia fazer a noite, no mesmo quarto que partilhava com o irmão mais novo, Miguel, sob a sua responsabilidade, como uma segunda mãe. A pequena, conta hoje, adormecia de cansaço por cima das folhas do caderno e do livro, só com um pai que, as tantas, dava uma mão para colaborar nos seus estudos. A disciplina de Pilar, a leva a acabar a sua escola primaria de seis anos, para concorrer ao secundário do Liceu de Lalin, em autocarro e no meio dos colegas de estudo. Lalin, que servia para muitos para não assistir as aulas e andar pelas ruas e cafés a se divertirem. Acabou o seu secundário, quase até o fim no Liceu, para passar ao conservatório local. Pilar estava destinada a ser uma mulher de casa, com filhos e marido a colaborar em trabalhos doméstico. O que não foi feito, pela sua fuga a Compostela. O panorama de Pilar era largo: entre ficar de camponesa a trabalhar com a mãe e o pai no trabalho rural, essa força de trabalho que Hermínio tinha já pensado ao planificar uma família com sempre mais um ser novo a nascer de dois em dois anos e assim serem a sua força de trabalho. Mas, a abertura que a nível de Estado Espanhol acontece nos anos setenta e o crescimento industrial que o País experimenta com a inserção de sítios como Vilatuxe no mercado viinternacional do leite, começa a permitir uma escolha em estudos e habilitações, financiada pelo próprio Estado. Outra alternativa pela que poderia optar, era essa de ser mulher casada a morar fora do lar paterno , como as suas irmãs, emigrantes em Venezuela e em Burgos. Mas, as opções fecham-se, quando a casa vai ficando vazia e as tarefas continuam como sempre, com menos pessoal. A sua opção final, acaba por ser o clarinete, depois o matrimónio, rapidamente uma maternidade, especialmente a causa da abertura de Espanha para a então CEE, hoje União Europeia. Essa abertura orienta e torna a orientar vezes sem fim, o uso das terras. A família de Pilar, já não tem posse da herança familiar de José António Medela, até o ponto de abandonar a pastorícia, para, a seguir, plantar árvores por orientação do sindicato de agricultores. Essa instituição oficial para proprietários que considera como tais, aos capazes de mostrar conhecimento, iniciativa, capacidade empresarial e reprodutiva. A lei do estado espanhol hierarquiza as pessoas entre os que sabem gerir as terras e têm ainda idade suficientes para serem treinados e investir saber na produção. E pelos anos 94, o Convénio de Maastricht, define Galiza como o sitio da produção de ervas ou relva para as vacas, acaba com a internacional Nestlé que tinha sido o objectivo e o salário do trabalho da aldeia ( Iturra 1979-1988) o objectivo de vender leite .á empresa E muda a criação de vacas, pela fundação de cooperativas de proprietários.
sábado, 4 de setembro de 2010
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Muito interessante. Uma maneira de ir explicando a portugueses/as a possível vida de uma galega na Galiza. De dar conteúdo à fria forma das letras no ecrã. De mostrar o nosso mundo coberto por fora e por dentro, de um lado e do outro. É para os galegos também uma descoberta. Obrigada/os.
ResponderEliminarIzabel, seja feliz por aqui.
ResponderEliminarAgradeço a Isabel Reis o seu comentário. São palavra lentas, não correm, fazem a nossa felicidade.
ResponderEliminarCom carinho agradecido, como estas bandas cumprimentamos, o seu
Raúl Iturra
lautaro@netcabo.pt