terça-feira, 14 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 11 por António Augusto Sales

Os Últimos Anos de Infortúnio
(continuação)

O caso Martinez, a doença e o internato, têm o seu quê rocambolesco. Segundo o próprio Botto explica pelo seu punho (BNL,espólio A.B.-cota E12/175) num apontamento a lápis tomado numa toalha de mesa em papel, da Casa Atlântica da Avenida Copacabana. Foi internado na enfermaria (sublinhado meu) 268 da Real Benemérita Sociedade de Beneficência Portuguesa que viria mais tarde a público explicar tratar-se não de enfermaria mas do quarto particular nº 268. O certo é que Botto tece fortes queixas à assistência na instituição pelo que no dia 6 de Novembro passam-no para o quarto particular nº 254. Mas o poeta afirma que em todo este tempo em vez de melhorar piora e troca os cuidados do Dr. Paulo Brás pelos do cirurgião Renato Machado. Afinal, que doença, ou doenças, atacam António Botto a um ponto de tal gravidade?

A garganta e os ouvidos sabemos serem órgãos frágeis neste homem que sempre os tratou mal. Os exames radiológicos mostraram opacidade nos seios da face e do crânio e a última análise deu maus resultados mas desconhece-se a origem. Nada é possível garantir e a polémica da assistência prestada pela Beneficência Portuguesa arrastou-se pelos jornais ao ponto daquele hospital prestar esclarecimentos públicos, informando que não sendo António Botto sócio da instituição ali foi internado gratuitamente. Acusações aparte, Botto acabou pedindo ao ministro Lafayette de Andrade, simultaneamente provedor da Santa Casa da Misericórdia, transferência para esta instituição, que lhe foi concedida e concretizada no dia 29 de Dezembro daquele malfadado ano de 1955. Cabe ao médico Luciano Rossi assisti-lo e logo no dia 10 de Janeiro de 1956 uma análise ao sangue não vaticina nada de bom, mas desconhece-se a doença.

Na Misericórdia o poeta é instalado no quarto nº 18, da 14ª enfermaria, aquele onde viria a ocorrer a célebre entrevista de José Alberto Teixeira Leite, com fotos de Alberto Ferreira, publicada em 19 de Maio de 1956, no nº 20 da Revista da Semana, do Rio de Janeiro, entrevista onde afirma que aos sete anos partira para Inglaterra e com dezoito incompletos principiava «a publicar no Suplemento Literário do jornal The Times Square os [seus] primeiros ensaios sobre escritores daquele tempo». Confesso, António, que fiquei perplexo com esta colaboração desconhecida, certamente por ignorância minha e de muitos outros que escreveram sobre a tua obra e a tua pessoa. Penitencio-me, até porque não fui confirmar tal colaboração ao Times Square, assim como a história de teres sido matriculado numa «escola de comprovada categoria», a fim de tirares um curso de arquitectura, são efabulações para brasileiro ler.

Eras assim, um contumaz esbanjador de grandezas pois nem sequer reconheceste, perante o jornalista, as tuas dificuldades económicas: «Não estou na indigência, de modo algum. Tenho ainda as minhas propriedades em Portugal e meus livros publicados em várias editoras (…) rendem-me direitos autorais». Uma parte era verdade, outra ficção. Não estarias na indigência, é facto, mas o teu senhorio, Manuel Vitorino, preparava-se para te fazer as malas com uma acção de despejo. Quanto aos estudos, frequentaste em Lisboa a escola primária e pouco mais visto o resto ter sido resultado do autodidatismo o que não é nenhuma desonra.

A leitura da entrevista traduz um tom ameno e até uma certa boa disposição, o que não invalida a exigência de cuidados com a saúde do poeta, sendo operado, em Outubro de 1956, no Hospital da Gambôa (Cais do Maná), por qualquer razão que se desconhece. D. Carminda, mulher fidelíssima e de indiscutível solidariedade para com o seu marido, por essa ocasião rondando os setenta anos, é assaltada dentro do hospital pelo método do esticão, ficando sem a mala, dinheiro e documentos. António Botto, após a operação regressa à Santa Casa da Misericórdia sendo surpreendido por um carta do ministro Lafayette de Andrade, que o transfere para o Hospital de Nossa Senhora do Socorro no dia 23 de Novembro de 1956, no desejo de proporcionar maior conforto ao doente.

No fim desta infeliz trajectória hospitalar o autor de Baionetas da Morte regressa a casa, na Almirante Alexandrino, onde o espera o senhorio com um rol de rendas em atraso, aliás, contestadas pelo inquilino, num processo que ser-lhe-á desfavorável obrigando-o a abandonar a casa em Abril de 1958. Tinham corrido no Brasil onze anos de malfadada sina, agora faltavam-lhe apenas onze meses para a chegada da malfadada morte.
(continua)
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Hoje deixamo-vos com dois poemas de António Botto:




Chora a amante esquecida,

Chora que vai barra fora;
- Quem não chorou nesta vida
Se o próprio mar também chora?
Sim; tudo acaba num ai,
Num silêncio, num olhar,
Ou numa lágrima triste!
- Nem já sei se te beijei,
Nem me lembro se me viste…
É isto, apenas. O mais,
É mentira e fantasia…
- Se a vida não fosse choro,
O que é que a vida seria?
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Não sei se te quero
- Mas quando não posso ver-te,
Sou um cego.

Se levanto a minha mão
E não a sinto apertada
Ou envolvida nas tuas,
Não a vejo – não sei dela …

E é necessário
Que o teu abraço me abrace,
E a tua boca me beije,
Para sentir o meu corpo
- Para me sentir a mim …


Aqui tens,
Porque procuro prender-te:
Perdoa, mas sou assim.
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CHORAR A AMANTE ESQUECIDA (Canções - Ciúme - livro sexto, poema 6 - Ed. Círculo de Leitores, pág. 130, Lx. 1978)



NÃO SEI SE TE QUERO (Canções - Dandismo - livro quinto, poema 2 - idem, pág. 101, idem)

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