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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

António Botto no Brasil -17 - por António Augusto Sales



Casa onde nasceu António Botto, em Concavada, Abrantes.



O Regresso



(conclusão)



No dia 29 de Outubro de 1965 regressaste à pátria. Manhã radiante de sol aquela em que, de um avião da Varig, descarregaram a urna com os teus restos mortais no Aeroporto da Portela. Definitivamente separavas-te do Brasil esse país sobre o qual, nas costas de um documento de caixa da casa Magazine Mesbla, do Rio de Janeiro, deixaste este apontamento a lápis: «Quanto a escrúpulos não foram com êles que progrediram as cidades do sul da Bahia, que se rasgaram as estradas, plantaram-se as fazendas, criou-se o comércio, construiu-se o porto, elevaram-se os edifícios, fundaram-se jornais, exportou-se cacau para o mundo inteiro. Foi com tiros e tocaias, com falsas escrituras e medições inventadas, com mortes e crimes, com jagunços e aventureiros, com prostitutas e jogadores. Com sangue e muita coragem» (BNL – espólio de AB – cota 12/883), palavras que, embora não pareça, significam amor por aquela nação.

domingo, 19 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 16 por António Augusto Sales


Da esquerda para a direita Abel Manta, Aquilino Ribeiro, Gualdino Gomes e Júlio da Costa Pinto à porta da Havaneza de Lisboa em 1938.

Percurso Esgotado


(continuação)

Durante longos doze dias a presença constante de amigos nunca deixou só D. Carminda, dia e noite a seu lado falando-lhe baixinho na esperança de o despertar do estado de coma. Botto sofre, luta contra a morte lá no fundo do seu alheamento, mas Caronte e a sua barca esperam-no na Baía de Guanabara. Há uma luz cristalina que lhe abre um caminho infinito por um túnel de cânticos. É a luz de Lisboa a abençoá-lo com as pequenas casas de Alfama a descreverem um desenho suave sobre o rio. Há varinas na rua gritando o peixe, ardinas correndo a vender jornais, amoladores de facas e navalhas anunciando-se ao som estridente da flauta. Olha o Fernando no Martinho da Arcada, o Pacheko a pintar cenários para revistas, a Amália a cantar no Luso, a Beatriz Costa a fazer uma rábula no Variedades! À porta da Bertrand está o Aquilino Ribeiro e o seu grupo e o Gualdino Gomes, esse crítico arrasador, continua a frequentar o Café Chiado onde se encontram agora os neo-realistas. Nas avenidas passam Buicks, Chevrolets, Studbakers. Vem ali o Villaret a declamar a Julieta do Beco das Cruzes e o Filipe Pinto a cantar um fado meu. Raul Leal diz-me que me esperas e tu, António Ferro, também. Já vou, já vou aí!

sábado, 18 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 15 -por António Augusto Sales


Percurso Esgotado

(continuação)


Mês e meio separa-o da morte, um tempo que não posso reconstituir por ausência de acontecimentos relevantes para António Botto. Tudo vulgar, tudo normal, como se um vazio se tivesse abatido sobre o poeta durante esse curto período. Modesta a vida do casal, sem aquelas peripécias de incumprimento de dívidas e até a saúde tinha estabilizado na sua fragilidade. Estava sereno como raras vezes estivera nos últimos anos pois não andava aos tombos, mais por mercê dos amigos que visitava, diga-se em abono da verdade, que por sua iniciativa de trabalho. Paulo Rabello era assíduo mártir das suas investidas, Pedro Bloch – seu médico dedicado – dava-lhe consultas graciosas, Danton Jobim e Saldanha Coelho ajudavam-no muitas vezes segundo o diz Alberto da Costa e Silva no seu livro Invenção do Desenho. As noites, senão todas muitas delas, eram ocupadas no restaurante “O Corridinho”, casa típica portuguesa onde costumava dizer poesia para ganhar uns cobres. Dias antes de ser atropelado concede uma entrevista que virá a ser publicada já depois da sua morte no jornal A Voz de Portugal, na página de espectáculos

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 14- por António Augusto Sales

Percurso Esgotado


(Continuação)

À meia-noite uma multidão espalha-se pela Baía de Guanabara festejando ruidosamente o novo ano de 1959, último de uma década tempestuosa: conflitos, doenças, hospitais, dívidas, despejos, pobreza, um gigantesco saco de maleitas que o perseguiu sem que os êxitos, poucos, o tenham compensado. Um tempo longo, António, sem nada a acrescentar à tua obra de Lisboa. O que há são textos, poemas soltos, artigos, ensaios, rascunhos de memórias, trabalhos sem unidade que confiram carácter até porque o livro Ainda não se Escreveu não é significativo.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 13 - por António Augusto Sales

Os Últimos Anos de Infortúnio

(continuação)

Após ser obrigado a abandonar a residência da Almirante Alexandrino o casal aloja-se numa casa má na Rua Joaquim Murtinho, nº 549, ainda no bairro de Santa Teresa. Este terá sido um tempo negro como se depreende pela carta endereçada ao seu grande amigo e advogado Paulo Rabello a quem confessa que se tem privado de tudo: «Vendi tudo de valor quanto tinha. A última derradeira jóia que vendi foi um relógio de pulso Patek, todo em ouro». Data deste período o único desabafo que encontramos acerca da mulher: «Não gosta de se desfazer dos vestidos, sapatos, chapéus, jóias, mesmo que precise de pão para a boca». Mesmo estas considerações revelam exagero como se falasse de um moderno guarda-roupa, que não era o caso visto ambos vestirem modestamente segundo as observações de diversos dos seus amigos.

Mal instalado, sobrevive da colaboração em jornais, dos direitos de autor que vai recebendo, do auxílio dos amigos. Declama poesia num restaurante típico português ganhando, mal, o sustento diário: «Comemos arroz, café, chá, um resto de queijo e pão», escreve num dos seus dolorosos apontamentos da segunda metade de 1958. Para o médico de Carminda pede 1000 cruzeiros emprestados a uma portuguesa com venda de ovos e galinhas na Avenida Princesa Isabel, mas no dia seguinte a mulher não leva a primeira injecção «porque não havia dinheiro para o pavio, quanto mais para a vela».

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 12, por António Augusto Sales

Os Últimos Anos de Infortúnio


(continuação)

O Brasil que lhe ofereceu glórias não lhe poupou desgraças. Humanamente o poeta esquece as primeiras e enreda-se na malha das segundas. Na sua psique fragilizada acumulam-se recalcamentos que alivia em apontamentos escritos sobre o país escolhido para emigrar. No diário, entre 13 de Outubro e 23 de Novembro de 1958, talvez num dos mais tristes momentos da sua vida, António Botto não poupa comentários críticos e depreciativos em impressões avulsas, na maioria telegráficas, indicando pessoas, marcas, coisas, observações da vida corrente, estabelecendo o contraponto entre a nação rica e «a miséria [que] é o pão de cada dia». A sua realidade conjugada com um envolvimento social difícil deprime a ponto de proclamar a revolta interior de forma algo violenta: «Levanta-te Rei D. João VI, e vem presenciar este novo campo de concentração para os que trabalham. Os outros, os magnates, esses arrastam correntes de ouro pelas ruas da capital desprezada, cheia de lixo e covas onde se podem enterrar os pobres» (BNL- espólio de AB – cota E 12/63).


terça-feira, 14 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 11 por António Augusto Sales

Os Últimos Anos de Infortúnio
(continuação)

O caso Martinez, a doença e o internato, têm o seu quê rocambolesco. Segundo o próprio Botto explica pelo seu punho (BNL,espólio A.B.-cota E12/175) num apontamento a lápis tomado numa toalha de mesa em papel, da Casa Atlântica da Avenida Copacabana. Foi internado na enfermaria (sublinhado meu) 268 da Real Benemérita Sociedade de Beneficência Portuguesa que viria mais tarde a público explicar tratar-se não de enfermaria mas do quarto particular nº 268. O certo é que Botto tece fortes queixas à assistência na instituição pelo que no dia 6 de Novembro passam-no para o quarto particular nº 254. Mas o poeta afirma que em todo este tempo em vez de melhorar piora e troca os cuidados do Dr. Paulo Brás pelos do cirurgião Renato Machado. Afinal, que doença, ou doenças, atacam António Botto a um ponto de tal gravidade?

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 10 - António Augusto Sales

Os Últimos Anos de Infortúnio(continuação)

O atentado contra Carlos Lacerda (1954), onde morre o major da aeronáutica Rubem Florentino Vaz, confere ao descontentamento político uma dimensão violenta e perigosa. Café Filho não consegue acalmar os protestos contra uma economia em descalabro pela constante desvalorização da moeda. A mediocridade da geração de políticos é evidente como evidente se torna a superioridade dos intelectuais saídos da Geração 45 e do Concretismo que darão às artes e às letras obras de Cândido Portinari, Óscar Niemer, Villa-Lobos, João Cabral de Melo Neto, Bueno de Rivera, Lasa Segall, Péricles da Silva Ramos, Manuel Bandeira e outros. Graciliano Ramos (Vidas Secas, Memórias do Cárcere) morre em 1953 e o curioso poeta Ascenso Ferreira, falecido em 1955 (Catimbó e Outros Poemas), revela-se, sobretudo, na interpretação da sua poesia através de recitais. Augusto Schmidt, escritor modernista (Fonte Invisível), torna-se grande amigo de António Botto assim como José Gerardo Vieira (A Mulher que Fugiu de Sodoma), mas são os murais de Cândido Portinari, na sua força telúrica de cores e formas, que levarão à glória este pintor autodidacta que viria a falecer em 1962.

domingo, 12 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 9 - António Augusto Sales


Os Últimos Anos de Infortúnio

(continuação)



A década da sua máxima produção poética e merecido destaque foi a dos anos vinte que arrancou a Fernando Pessoa, no início da carreira do seu amigo, as algo exageradas afirmações ao considerar António Botto o «único exemplo (...) na literatura europeia, do isolamento espontâneo e absoluto do ideal estético em toda a sua vazia integridade» (António Botto e o Ideal Estético em Portugal). Quando em 1929 Pessoa recorre à colaboração de Botto para iniciarem a Antologia de Poemas Portugueses Modernos já este ocupa um lugar especial na nossa poesia o que levaria José Régio a considerá-lo mais tarde, «Grande poeta e grande artista isolado (...) tem já uma obra que pelas esquesitices do ritmo, as subtilezas da ironia, os arrojos confessionais, os recantos de intenção e os achados
de expressão depurada, - é bem moderno» (A Moderna Poesia Portuguesa – p.90-Ed.Inquérito, 2ª ed. – Lisboa s/data).

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 8, de António Augusto Sales




Últimos Anos de Infortúnio

(continuação)



O regresso ao Rio de Janeiro é rápido, o trajecto é curto e os bens do casal são apenas restos esfarrapados da triste estadia em Niteroi. Não há jornalistas à espera do poeta mas ainda tem amigos que o aplaudem numa visita à Academia Brasileira de Letras, em Julho de 1955, recebido pelos académicos e pelo presidente Paulo de Medeyros, em sessão especial onde declama com a inconfundível classe do seu talento. Fazia praticamente um ano que a vida política sofrera o forte abalo do suicídio de Getúlio Vargas a quem sucede João Café Filho, impotente político para proceder à limpeza do «mar de lama do Catete», como dizia. Mas também António Botto não irá ter tempos fáceis, como eu sei, mas ele desconhece, que se encontra suspenso num ângulo da vida definitivo e dramático. Infelizmente jamais retornará à sua poesia da amargura da transitoriedade da beleza e do amor, duas coisas nele associadas. Mais do que a qualquer outro ter-lhe-á sido difícil suportar a carga dos anos e a decadência do corpo a quem rendera o culto da beleza. Entre outros dramas este não terá sido o menor no último quartel da vida.

João Café Filho

Tem-se escrito que na última fase do período brasileiro António Botto terá percorrido no Rio de Janeiro os caminhos da miséria a ponto de vender poemas seus, à porta dos botequins, a vinte cruzeiros para seu sustento e da mulher. Os dramas de um poeta dão sempre jeito a fim de ajudarem a construir o mito. Neste caso nada prova que Botto tenha sido um mártir, o próprio chega a desmentir e repudiar qualquer situação de indigência mesmo temporária. Beatriz Costa declara, vagamente, que «andou por lá mal» (revista “Marie Claire”, Lisboa 1993) e o jornalista Miranda Mendes afirma, a propósito, que «por ali andou aos tombos (“Um Poeta na Vida” – Diário de Notícias, Página Literária, Lisboa 23.03.1959). Impecável no seu casaco de linho modestíssimo, na camisa muito branca - sempre os mesmos, porque não tinha outros -, cheio de fome e a disfarçá-la com uma dignidade altiva e triste, recitava há anos no Rio de Janeiro, terra da sua aventura e desventura, alguns dos melhores versos que jamais se fizeram em língua portuguesa” (idem, idem). É óbvio o toque literário do texto de Miranda Mendes, aliás justificado pelo momento em que foi escrito (1959). No entanto, será bom lembrar, foi exactamente no ano de 1955 que António Botto fez uma nova edição do seu livro Fátima, Poema do Mundo, gravada com a chancela de D. Manuel Gonçalves Cerejeira num gesto de amizade que o Cardeal Patriarca de Lisboa já tivera para com O Livro das Crianças.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 7, de António Augusto Sales

As Espessas Nuvens de Niteroi
(continuação)

O ano de 1954 será de profunda mudança na vida do autor de Nove de Abril, começando com a carta que o consulado de Portugal no Rio de Janeiro, ainda lhe envia para a morada de Vila Violeta, em Niterói, a convocá-lo para comparecer na sede da chancelaria (Rua Teófilo Otini, nº 4 -2º), no dia 21 de Março de 1954, «a fim de tratar da sua repatriação e de D. Carminda conforme solicitou». A questão estaria oficialmente bem encaminhada se o casal tivesse dinheiro para regressar, mas não tinha, pelo que é feita uma subscrição com o objectivo de reunir fundos. Contrariamente ao que o poeta diz num documento, a subscrição não foi oficial tendo partido da iniciativa particular do vice-cônsul João José Diniz. Várias pessoas e instituições contribuíram pois no espólio há um registo de nomes e quantias (que desconheço se é a totalidade), perfazendo insuficientes 37.000 cruzeiros. Uma coisa é certa, o poeta não regressou e do dinheiro não se regista caminho levado. Esta situação falhada e o penoso capítulo de Vila Violeta, acabam por empurrar o casal a abandonar a Casa Três, o tal “palácio” que o poeta elogiara, regressando ao roteiro dos hotéis manhosos, agora o Greogotá, instalado num edifício degradado, será vítima de uma derrocada parcial provocada pela chuva. Em Setembro de 1954 o casal regressa definitivamente ao Rio de Janeiro, pois em Dezembro uma carta de João Sassetti, sobre os direitos de autor das canções de Gado Bravo, já é endereçada para aquela cidade (o problema das canções de “Gado Bravo” já vinha em discussão desde Lisboa devido a adulteração de letras sem autorização do autor. Só nesta altura, 1954, acabou por ficar resolvido).

O salto a Niterói, que começara envolvido em esperança, chegava ao fim marcado pelo desalento e pela pobreza.



Após a falhada tentativa de regresso a Portugal a hipótese foi colocada definitivamente de parte. Em termos literários e sociais tem a consciência de que Portugal já lhe dera o que podia. Se alguma dívida se mantém em aberto são as honras do país para consigo. O poeta jamais se interrogou sobre a queda do seu prestígio, isso seria admitir o princípio de uma humildade de que era desprovido. Toma conta dos poucos haveres e volta novamente ao Rio para representar o último acto num palco literário onde, qual Fénix, Botto renascerá das cinzas a acreditar nas notícias encumeásticas do Jornal do Comércio, em Janeiro de 1953: «É, o sr. António Botto o maior poeta português contemporâneo (...). O seu génio pertence a uma obra vasta de genialidade, de ritmos poderosos que são apenas seus. Ilumina a inteligência do leitor. Cativa-o, surpreende, encanta e fica na lembrança inesquecível de quantos o sabem compreender e sentir».

Desconheço se Fernando Pessoa levantou a tua carta do céu, mas sendo amigo admito-o, explicando-te que o sol marcava o horóscopo no signo de Leão visto teres nascido em 17 de Agosto de 1897. Não era o que dizias pois sempre roubavas dois ou quatro anos lançando a confusão nos espíritos. Mas foi a 17 às oito horas da manhã, meu poeta, com bons aspectos indiciando capacidade criativa, sucesso literário, auto-afirmação. Porém, Pessoa, não terá deixado de advertir para aspectos desfavoráveis de narcisismo, ego desmesurado, mitomania e exibicionismo. Uma “doença” a agravar-se desde Lisboa nos anos trinta, obrigando-te a viver acorrentado à idolatria de ti próprio, incapaz de aceitar os limites literários de um percurso com a atitude de quem, embora reconhecendo o seu talento, não consegue evitar que este o devore pela vaidade, mas não só…

terça-feira, 7 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 6, de António Augusto Sales





As Espessas Nuvens de Niteroi

(continuação)

 Botto dedica-se, mais pragmaticamente, a equilibrar a situação financeira ou mesmo a revertê-la com solidez, pelo que em Agosto de 1953 o poeta está envolvido num negócio de barcos, segundo carta datada de Niterói, endereçada ao «grande industrial» Adão Pacheco Polónia para a Avenida Serpa Pinto em Matosinhos. Na realidade Polónia seria proprietário de dois barcos de pesca que pretendia vender para o Brasil através da intermediação de António Botto que trabalhou, de facto, para que o objectivo se concretizasse. Na correspondência que trava com o industrial chega a informá-lo também da iniciativa literária de altas figuras que estariam a organizar um recital em sua homenagem, para Outubro de 1953, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Indica os nomes de Pedro Calmon (reitor da Universidade do Rio de Janeiro), Martinho Nobre de Mello (embaixador de Portugal), Henriette Marineau, Maria Sampaio, Beatriz Costa, Dulcina de Morais e João Villaret. O negócio dos barcos não deixa de prosseguir e o poeta, transformado em agente comercial, desdobra-se em contactos e diligências pois a serem vendidos os barcos a comissão dar-lhe-ia, certamente, para vida de nababo durante um tempo. Infelizmente teve azar. Adão Polónia, que chegou a deslocar-se ao Rio de Janeiro, acabou por não concretizar o negócio visto que os brasileiros queriam os barcos mas também o proprietário a fim de trabalhar com eles.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 5, de António Augusto Sales


A vida brasileira de António Botto é pouco conhecida. Melhor dizendo, era praticamente desconhecida até à colocação do seu espólio à consulta pública na Biblioteca Nacional de Lisboa, no final dos anos noventa. A partir de São Paulo perdia-se bastante o rasto tanto pessoal como intelectual. Sabia-se, e confirma-se, que não foi fácil e algumas vezes recorreu a amigos para a sua subsistência. A Beatriz Costa, o doutor Neves Fontoura, o advogado Paulo da Cunha Rabello e outros auxiliaram com empréstimos que Botto nem sempre pagava porque entendia ser uma distinção. No dizer de Beatriz Costa, «Botto era um homem estranho. Achava que o que ele pedia era dar-nos uma honra, não nos ficava a dever nada». Este espírito de príncipe associado a uma postura com tanto de generosa como mexeriqueira, permitiu que se afirmasse sobre o seu carácter e temperamento as maiores barbaridades criando a imagem de um indivíduo incapaz de um relacionamento saudável com os outros, estigma que perdura sobre a vida brasileira do poeta mesmo desconhecendo-se os pormenores. Hoje, felizmente, podemos reconstituir muitos dos seus amargos passos a partir de São Paulo.

No seu regresso ao Rio de Janeiro, em 1951, onde em Julho vamos encontrá-lo com Carminda hospedados no Hotel Atalaia, na Avenida de Copacabana, nº 256, ocupando o quarto 45 e depois o 54, procura refazer a vida retomando contactos e colaborações jornalísticas, lançando mão de diversos trabalhos de desenho para construções a coberto da sua auto designada condição de engenheiro-arquitecto que lhe confere a autoria de uma moradia do tipo “casa popular”, para “madame” Lucy Teixeira da Silva Schopke, conforme escreve aquele que deduzi ser o empreiteiro da obra, Isaías João Costa, quando assina um vale de 4.000 cruzeiros «por conta do encontro nos lucros de 50%».

domingo, 5 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 4, de António Augusto Sales


Brasil, Meu Irmão!

(continuação)


Longe, pegando o sol de outra bandeja, são ecos as notícias chegadas de Portugal. Mas sempre te interessa saber que o João Gaspar Simões publicou o primeiro livro de fôlego sobre o Fernando Pessoa (Vida e Obra de Fernando Pessoa) e nele recolheu o teu nome de passagem. O António José Saraiva deixa marca com a História da Literatura Portuguesa e o maestro Lopes Graça lançou a Gazeta Musical e de Todas as Artes. Salazar despachou o António Ferro para o exílio dourado nomeando-o ministro plenipotenciário em Roma. Ao Carmona foi a natureza que se encarregou de o despachar, com 81 anos, para o exílio eterno depois de 23 anos na presidência da república agora ocupada pelo general Craveiro Lopes. Ah, infausta nova! Morreu o teu amigo Cotinelli Telmo (1897-1948), dos grandes arquitectos portugueses no seu tempo, artista plástico e cineasta realizador do filme A Canção de Lisboa; seguiram-lhe o percurso do infinito o pintor modernista Mário Elói (1904-1951) e o mestre Viana da Mota (1868-1948) a quem a música muito ficará a dever. Os surrealistas andam encadeados com as luzes do desentendimento e os neo-realistas tomam o lugar de um movimento de arte inovador no seu retrato duro e dramático da sociedade portuguesa. Se por cá andasses havias de perceber (se a vaidade te deixasse) o firme propósito desta nova geração: Alves Redol (Horizonte Cerrado), Manuel da Fonseca (O Fogo e as Cinzas), Fernando Namora (Retalhos da Vida de um Médico), José Cardoso Pires (Os Caminheiros e Outros Contos – que a censura retirou), Carlos de Oliveira (Pequenos Burgueses) e um tipo rebelde chamado Urbano Tavares Rodrigues. O teatro português renova os palcos com A Forja do Alves Redol e O Mundo Começou às 5.47 do Luís Francisco Rebello. Apesar da censura prévia e da PIDE a hora é outra. Na tradição do êxito fácil José Buchs apresentou o filme Sol e Touros e Leitão de Barros o Vendaval Maravilhoso, mas o quem sacudiu a sonolência do cinema português foi um tal Manuel Guimarães, que não conheces, com o filme Saltimbancos. Ah, recordas-te do Eugénio de Andrade, aquele rapazinho com quem falavas no Governo Civil contando histórias da tua poesia “genial” e que diz de ti e da tua poesia coisas bárbaras?, publicou As Mãos e os Frutos.

sábado, 4 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 3, de António Augusto Sales


Brasil, Meu Irmão!

(continuação)

O Brasil atravessa um período conturbado resultante da ditadura de Getúlio Vargas (1853-1954), afastado do poder em 1945 por um golpe militar. O general Eurico Gaspar Dutra será eleito presidente nesse mesmo ano e elaborada nova constituição. A Grande Guerra terminara mas deixara feridas espalhadas por todo o lado e o Brasil não era excepção. A economia abre-se à importação de produtos e a inflação sobe imparável, as reservas de dólares e de libras são desvalorizadas e o desastre económico só é contido pelo aumento da exportação e do preço do café. Época pautada por frequentes perturbações sociais, características paralisações de trabalho, manifestações de rua, actividades sindicais que perturbam a ordem enfraquecendo politicamente o governo e conduzindo-o ao uso da força. O estado militar corta relações diplomáticas com a União Soviética (URSS) e ilegaliza o Partido Comunista Brasileiro prendendo e perseguindo muitos dos seus militantes. Em cinquenta a nação mergulha em eleições gerais e, por ironia da vontade popular, o antigo ditador Getúlio Vargas acaba por ser eleito Presidente da República por esmagadora maioria. Sol de pouca dura! Quatro anos após a oposição conservadora exige a renúncia e Getúlio, angustiado e incapaz de resistir às pressões políticas suicida-se no dia 24 de Agosto de 1954.

Monteiro Lobato era prestigiado escritor em 1947, ano em que começou a ser editada a colecção das suas obras completas num total de 13 volumes. Viveu como se deslizasse numa montanha russa em surpreendentes flexões do destino como editor, empresário, adido comercial do Brasil em Nova Iorque e até preso político e incomunicável, em 1941, na ditadura de Getúlio Vargas. Quando António Botto chega a São Paulo, Monteiro Lobato, que viria a falecer em 1948, está em condições de o apresentar aos altos representantes da finança paulista, escritores e alta sociedade, ajudando-o a entrar pela porta grande em recitais ao lado de Joracy Camargo e Procópio Ferreira e sessões de autógrafos em diversas salas. São Paulo se não lhe abriu os braços como o Rio de Janeiro também não os fechou.

O casal Botto começou por instalar-se no Hotel S. Bento, na Rua Rogério Badaró, nº 504, apartamento 2119 no 21º andar, onde a Companhia Óscar Rudge entregava as encomendas de resmas de papel feitas pelo Dr. António Botto Almada, recuperando assim a «veleidade de aristocrata» que João Medina refere (Morte e Transfiguração de Sidónio Pais, nota nº 99, pág. 164, Edições Cosmos, Lisboa, 1994) como «tendo chegado a pôr um Almada entre parêntesis, a seguir ao nome, nos cartões de visita». Por essa altura realiza conferências e representações de poemas seus na sala Camões do Centro Português, no Clube Portugália, na Sociedade Brasileira de Alimentação, na Boite Restaurante São Paulo e no Museu de Arte com afluência de público. Tinha trabalho regular na Rádio Bandeirantes com o programa Portugal Canta, transmitido aos domingos, pelo que recebia 1000 cruzeiros por emissão. Durante todo o período de São Paulo estabeleceu contratos com a Rádio Tupi, Rádio Difusora de São Paulo e Rádio Cultura onde manteve Almas e Povos, três dias por semana, que lhe rendia 500 cruzeiros por audição, pagos adiantadamente; aparecia assiduamente em jornais com artigos, crítica, contos, crónicas e poemas. Não sendo rico arrecadava o suficiente para uma vida medianamente confortável como se deduz da sua relação com a Imprensa Gráfica da Revista dos Tribunais a quem pediu orçamento, encomendou papel e realizou pagamentos para a impressão do livro Poesia Nova que por razões desconhecidas não se fez. Por essa altura manda brochar «com todo o cuidado e capa dobrada à francesa», oitocentos livros a um cruzeiro cada.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 2, António Augusto Sales


António Botto no Brasil - 2
António Augusto Sales

Brasil, Meu Irmão!

(continuação)

Ilumina-se a manhã sobre a vaga de betão.

Já correram os mares de Pedro Álvares e viram-se ao longe as terras de Vera Cruz que o padrão dos portugueses marcou como sua e a missa de chegada cristianizou para sempre.


O navio atracou ontem, pela noite, ao cais de Guanabara, ainda a tempo de as
sinalar os 50 anos de António Botto nesse dia 17 de Agosto de 1947. Hoje, no desembarque, o poeta toma em si a plenitude da nova luz de esperança que lhe corre nos olhos irrequietos na observação do movimentado cais. A vibração tropical e cadenciada dos corpos abre espaço ao descarregar das malas. Senhor ou servo, dona ou cabocla, preto ou branco, homem de estiva ou de negócio, todos cumprem as regras de um ritmo de vida que arranca de cada passo ou de cada ginga uma alegria exclusiva, um cântico agradecido pela dádiva de existir, de respirar as cores do mundo sentindo o cheiro do dia. Do ruído salta a alegria salutar de quem vive segundo a ordem da natureza dos corpos submetidos à vibração de uma sensualidade eivada de languidez. A cor da alva renasce incendiada pelo fogo da energia que transforma um cenário sem idade. Com o coração exultante impõe-se retribuir ao santo a generosidade da sua protecção. Oh, alma da cidade vem ao encontro do poeta e entrega-te! Aqui está o futuro! Aqui está a recuperação da glória com a fé de quem se encontra habituado ao triunfo!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 1, António Augusto Sales


A Partida

Por desidentidade ou indiferença António Botto distancia-se das questões políticas pelo que não o imagino a fazer de tribuno numa qualquer tertúlia. As suas convicções são vagas e se algumas vezes as teve firmes foi para com Sidónio Pais, sobretudo para com o mito. Todavia, o professor de Santa Comba merece-lhe a sua antipatia, que virá mais tarde a negar, manifestada num acto de ressentimento pessoal reflexo do drama de sobrevivência que, segundo o poeta, Salazar lhe havia criado.



António Botto, no "Martinho da Arcada", com Raul Leal, Fernando Pessoa e Augusto Ferreira Gomes.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

António Botto no Brasil, por António Augusto Sales - Preâmbulo





Preâmbulo

Em 1999, sob a assinatura de António Augusto Sales, publiquei através de Livros do Brasil o livro “António Botto, real e imaginário”, editado no centenário do nascimento do poeta. Se por um lado tinha por objectivo fornecer aos leitores uma visão global da sua obra (poesia, teatro, prosa, literatura infantil) por outro havia a biografia de um homem que foi contestado, mal amado e esquecido até hoje, sem omitir as contradições da sua personalidade e os exageros do seu carácter.

António Botto, no "Martinho da Arcada", com Raul Leal, Fernando Pessoa e Augusto Ferreira Gomes.


Procurei trazer ao livro a Lisboa humana e política da época e a intelectual e artística, nomeadamente o período da “Polémica das Canções” que envolveu Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, José Pacheco, Raul Leal, Álvaro Maia, Pedro Theotónio Pereira. Na enxurrada onde surgiam claros sintomas da ditadura a querer sair do ovo, é apanhada também Judith Teixeira e o seu livro “Decadência” que acompanha “Canções” de Botto, na fogueira do pátio do Governo Civil de Lisboa onde os jovens católicos reaccionários exigiram que a justiça fosse feita.

Sendo reais os factos e a obra não deixaram de ser imaginárias algumas situações que permitem ao autor dialogar com o poeta. Quero dizer, de certo modo o narrador participou na vida do biografado sem procurar com isso interferir na sua existência como personagem central da história.

A explicação deste expediente literário torna-se necessária para que se compreenda o clima criado entre o real e o imaginário que irá ter particular incisão nesta parte da vida do poeta no Brasil. Ao tempo da edição do livro um problema de direitos sobre o espólio de Botto, no Brasil, condicionou a pesquisa aos relatos que existam na imprensa portuguesa e outra ocasional documentação que tornou desequilibrado o último capítulo (Epílogo) do livro. Resolvido que foi esse problema e ficando tal espólio à guarda e classificação da Biblioteca Nacional de Lisboa, para consulta, se bem com condicionantes, permiti-me reconstituir todo o período e desenvolver um novo trabalho com vista a uma segunda edição que, até hoje, não consegui concretizar apesar da primeira se encontrar praticamente esgotada. Com o meu amigo Carlos Loures estudámos a hipótese de adaptar este período brasileiro para publicação no “Estrolabio”, que me obrigou a introduzir no texto alguns pedaços do meu citado livro “partindo” em capítulos menores para não tornar fastidiosa a leitura.

São estas as explicações sobre este trabalho em que desejo transmitir aos leitores a última fase da vida de um homem, grande poeta, que viveu o derradeiro acto do seu drama longe da pátria e mesmo depois de morto ainda foi para essa pátria um embaraço.

(Algueirão 10.08.2010)

Para completar este primeiro dia, vamos ouvir Mariza interpretando na Union Chapel, em Lndres, o tema 'Os anéis do meu cabelo', um dos poemas do livro Canções, de António Botto.