domingo, 5 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 4, de António Augusto Sales


Brasil, Meu Irmão!

(continuação)


Longe, pegando o sol de outra bandeja, são ecos as notícias chegadas de Portugal. Mas sempre te interessa saber que o João Gaspar Simões publicou o primeiro livro de fôlego sobre o Fernando Pessoa (Vida e Obra de Fernando Pessoa) e nele recolheu o teu nome de passagem. O António José Saraiva deixa marca com a História da Literatura Portuguesa e o maestro Lopes Graça lançou a Gazeta Musical e de Todas as Artes. Salazar despachou o António Ferro para o exílio dourado nomeando-o ministro plenipotenciário em Roma. Ao Carmona foi a natureza que se encarregou de o despachar, com 81 anos, para o exílio eterno depois de 23 anos na presidência da república agora ocupada pelo general Craveiro Lopes. Ah, infausta nova! Morreu o teu amigo Cotinelli Telmo (1897-1948), dos grandes arquitectos portugueses no seu tempo, artista plástico e cineasta realizador do filme A Canção de Lisboa; seguiram-lhe o percurso do infinito o pintor modernista Mário Elói (1904-1951) e o mestre Viana da Mota (1868-1948) a quem a música muito ficará a dever. Os surrealistas andam encadeados com as luzes do desentendimento e os neo-realistas tomam o lugar de um movimento de arte inovador no seu retrato duro e dramático da sociedade portuguesa. Se por cá andasses havias de perceber (se a vaidade te deixasse) o firme propósito desta nova geração: Alves Redol (Horizonte Cerrado), Manuel da Fonseca (O Fogo e as Cinzas), Fernando Namora (Retalhos da Vida de um Médico), José Cardoso Pires (Os Caminheiros e Outros Contos – que a censura retirou), Carlos de Oliveira (Pequenos Burgueses) e um tipo rebelde chamado Urbano Tavares Rodrigues. O teatro português renova os palcos com A Forja do Alves Redol e O Mundo Começou às 5.47 do Luís Francisco Rebello. Apesar da censura prévia e da PIDE a hora é outra. Na tradição do êxito fácil José Buchs apresentou o filme Sol e Touros e Leitão de Barros o Vendaval Maravilhoso, mas o quem sacudiu a sonolência do cinema português foi um tal Manuel Guimarães, que não conheces, com o filme Saltimbancos. Ah, recordas-te do Eugénio de Andrade, aquele rapazinho com quem falavas no Governo Civil contando histórias da tua poesia “genial” e que diz de ti e da tua poesia coisas bárbaras?, publicou As Mãos e os Frutos.


Entre convites diversos e frequentes manifestações de amizade semeia a distinção do seu valor intelectual. António Botto movimenta-se no seu jeito mundano, recolhe brisas e tempestades contribuindo para ser amado ou rejeitado. Em Novembro de 1950 ainda reside em São Paulo pois aí regista na Junta Oficial de Propriedade Industrial, através da empresa A Serviçal, Lda., a marca António Botto, pelo que paga 500 cruzeiros. Nesse mesmo mês realiza em Campinas a sua exposição de desenhos e versos inéditos, na Galeria Salvador Rosa. Uma récita marcada para o Teatro Municipal acaba numa inesperada manifestação, em plena Praça da República, prestada por alunos da Escola Caetano de Campos. Mas o poeta não consegue evitar um clima nebuloso à sua volta que acentua desfalecimentos e angústias numa saúde debilitada. «Afectos, sacrifícios, lealdade! / Tudo se apaga ou fica na memória / Se a ilusão dá lugar à realidade» (Um soneto por António Botto – Diário de Lisboa – Lisboa 12.08.1938). O relacionamento urbano de António Botto torna-se sufocante pelo esmagamento da metrópole paulista. As amizades começam a sofrer a instabilidade de outrora erguendo barreiras profundas. Ai, Botto porque te foste se guardada estava em ti a chave do problema? Sem se incomodar sequer com o lançamento e expansão de Regressos (Novelas Inéditas - Edição do Clube do Livro, S. Paulo, Brasil, 1949)), colectânea publicada em S. Paulo, o poeta faz as malas e demanda o Rio de Janeiro. Leva consigo uma mágoa infinita por terem sido traídas as suas expectativas. Distanciado de uma realidade que lhe penhora a ilusão daquilo que possuía no quarto de hotel onde vivia com sua mulher, Botto tem 55 anos e alimenta sonhos e fantasias Parte, vai para o Norte em busca de outra estrela polar capaz de lhe desfazer o desgosto e iluminar o coração. Vamos Carminda! Vamos amiga à procura doutra sorte nos mares da vida que nos resta. Eu sou Botto! o António, poeta universal que eterniza nos seus versos a memória do seu nome e do seu país. Sou gente! Terei todos os defeitos, mas sou gente! Mais que gente, sou poeta!

(continua)

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Hoje vamos ouvir João Braga numa "Canção" de António Botto.

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